Queijo Suíço



Começo a apresentar os primeiros sinais de senilidade. O que não é nenhuma novidade, pois se ainda estou viva, a única certeza, além da morte, é que estou envelhecendo. Detesto quando a luz dicroica do banheiro incide sobre o meu colo e devassa cada nova marca de expressão... Os seios escrevendo sua história de peso, de erotismo, de amamentação...

Ao menos ainda não tenho aquelas linhas de enforcamento que aparecem nos pescoços de tantas mulheres, até no da Patrícia Poeta no Jornal Nacional!! Ou seja: não temos salvação. A vida consiste em resignar-se na aquisição de cremes cada vez mais caros e ficar à espera do milagre da renovação celular... 

Falando nisso, lá fui eu comprar um desses tesouros da dermatologia moderna para presentear a minha tia, que faz aniversário amanhã. Cem reais e tantas promessas... Aproveitei para comprar o meu artrolive, remédio para conter a terceira idade do meu cotovelo direito, que cultiva, serelepe, uma artrose. Mais cem reais e outras tantas promessas... 

Volto para casa. Meninos brincam no IPad jovenzinhos e lisinhos, a vida toda pela frente... Pra baixo do bloco, cambada! Eles descem e a casa fica do jeito que eu gosto: silenciosa. Procuro a embalagem de creme da tia para embrulhar pra presente. Não encontro. Não encontro também o meu artrolive. O saquinho de plástico da farmácia está vazio. 

Refaço os caminhos que percorri dentro do apartamento: sala, cozinha, escritório, meu banheiro, meu quarto... Neca de pitibiribas. Pego a chave do carro e retorno à garagem. Vasculho o carro, mas as compras milionárias também não estão lá. Subo novamente e percorro a trilha doméstica pela terceira vez. Nem sinal. Hiperventilo, entro em pânico. Acabo de perder 200 reais!! Minha tia vai ficar sem presente!!! 

Ligo para a farmácia, não sem levar desesperados minutos à caça do telefone da dita cuja. Não, não quero Rosário em Casa, quero o telefone da Distrital da Rua das Farmácias, que é de vocês agora, cartel infeliz!! Enfim, consigo. Um tal Fernando prestativo me atende. Explico para ele: acho que a caixa me deu o saquinho vazio. Ela foi interrompida duas vezes enquanto passava as minhas compras. Estou com a nota fiscal aqui, blá,blá,blá. 

O tal Fernando diz que vai checar em toda a farmácia e me liga em seguida. O em seguida leva mais tempo do que a minha aflição pode aguentar. Ligo novamente. O tal Fernando atende e diz que ninguém viu um creme Klassis Emulgel e um Artrolive dando sopa por ali. Vou ter de checar as imagens das câmeras, minha senhora. Em breve eu retorno a sua ligação. 

Longos minutos desesperançados depois, o tal Fernando chama. Acabamos de checar as imagens. A senhora comprou os produtos por volta das 16h30, não foi? Sim! A senhora estava com uma blusa estampada de verde, azul e calça branca, não é? Sim! A caixa lhe entregou o saco com os produtos. A senhora deu uma checada automática muito rápida, mas saiu daqui com os produtos. Me desculpe, a gente fica até sem graça, mas será que não caiu no meio do caminho até o carro, senhora? 

Agradeço a compreensão, o mico, a paciência e desligo o telefone quase chorando. Como é que pode uma coisa dessas? Como duas caixas de tamanho razoáveis caíram no chão e eu não percebi? Joguei no lixo 200 reais e, ainda por cima, não haverá presente da tia e meu cotovelo vai ficar mais enferrujado... O desânimo se abate sobre mim. Os meninos sobem em barulho festivo costumeiro. Banho! BaNHO!! BANHO!!!!! 

Entro no quarto deles para pegar os pijamas e cuecas e shazam: deparo-me com uma caixa vermelha de artrolive e uma caixa branca do creme klassis em cima da cama do Tomás. Uma do ladinho da outra, quietinhas, vivinhas da silva. Ajoelho para abraça-las e meu coração exulta!

Em qual momento eu entrei no quarto dos meninos e deixei os benditos ali? Não sei, meu cérebro apagou. Dou-me conta de que minha memória começa a apresentar buracos de queijo suíço, que é muito gostoso, mas não como metáfora para a sua mente! 

Que horror! Agora só me resta acrescentar ginkgo biloba na lista de prioridades e nunca mais passar na porta da Distrital da 302 sul. E a minha vergonha, como é que fica? 


Comentários

  1. hehehehehehe

    Mais uma vítima dos zombeteiros!
    Lá em casa isso é comum.
    E ataca em todas as idades.

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  2. Putz, checaram as câmeras, senhora? Que chique, que bom que não precisaram colher depoimentos nem fazer careação! rsrsrs

    Outro dia, após ser atendida no banco, a caixa acabou ficando com a minha identidade e eu só me dei conta depois. Nunca vi isso! Caixas de banco nunca se distraem! rs. Conversam animadamente com o colega ao lado enquanto contam cem notas de cem com uma velocidade dez vezes mais rápida que o nossos olhos conseguem acompanhar! Uma loucura! Bem, desesperada voltei ao banco, após as quatro horas, sem poder entrar. Tive que fazer mímica para o segurança me entender. Um gerente me atendeu. Incrédulo, foi checar se minha identidade estava lá. Voltou com a dita cuja. E eu o mirei com os olhos de "Não falei que tava aí?"

    Que alívio né Luzinha!

    Bjs
    Patty

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  3. Luciana,
    muito legal!!

    Nossa!! Acho que, no fim das contas, todos passamos ou passaremos, por situações assim. Pelo histórico da minha mãe, esses pequenos lapsos, me afetam bastante. A Eliane briga comigo e me faz lembrar de tudo: pra forçar a memória.

    Beijo,

    Paulo.

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  4. Querida Lu, que texto bacanana!Faz parte, quanto mais anos tivermos mais a coisa se acentua.Há umas duas semanas atrás, perdi meu óculos escuro Rayban de grau.Só que não tive a sua sorte...Lembro-me de ter entrado numa loja para experimentar uma blusa,que acabei não comprando, e retornei para casa, quando dei falta dele, pensei:ficou no trocador, retornei à loja imediatamente e qual não foi a minha surpresa?A moça simplesmente me disse que lá, eu não havia deixado e afirmou até que eu não estava com ele quando lá entrei.Fiquei pasma!!!e até hoje não sei por onde ele anda.
    bj.Namastê!
    Cynthia

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  5. kkkk Seja bem vinda ao clubinho dos "não sou só eu não..." das memórias à la queijo suíço!!! É muita coisa pra caber dentro de uma cabeça só... Bjo! Claudia

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  6. Luciana,

    Eu costumo dizer que as coisas brincam de esconde esconde comigo. Porque nao eh possivel que eu seja tao distraida assim!
    Ainda bem que a historia teve um final feliz e por sua vez a sua tia tambem!!!

    Beijos,

    Evelyn

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  7. Pronto, acabei de fazer minha sessão de terapia. Li seus textos e me sinto bem melhor, coisa rara para o final de um dia!

    Obrigada, queridíssima!

    Geysa.

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  8. Adorei seu texto, mas desisto de tentar comentar por aqui, nunca dá certo...

    Bjs.,

    Renata.

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