Abril em mim





Abril está quase indo, fechando.... E eu nem falei dele. Abril dos “dias lindos” de Drummond. O frio de outono chegou sem pedir licença e adoro ser envolvida por esse frescor que nos obriga ao aquecimento, ao calor humano. Vasculhar músicas antigas amadas, mas que, por alguma razão, estão guardadas nas gavetas do profundo cérebro. 

As músicas me fazem delirar, entrar em transe. Acho que fui um instrumento em outra encarnação do eterno vai e vem do espírito. Não teria sido nada mal vir ao mundo como violoncelo, emitindo maravilhas ao toque suave, ora vigoroso, d'algum virtuose frente a uma plateia absorta. 

Adoro Abril! Mês do nascimento e da morte das pessoas mais importantes da minha vida: Tomás, mamãe, Marilena, Leila, Frida (além de abrigar meu aniversário de casamento). Abril abre em meu peito os sentimentos mais complexos. Me mostra que estou viva. Rolam lágrimas e canções. O céu deste mês é mais azul e traz com ele a vontade de gritar coisas desconexas. 

Escrevo e ouço um concerto para violino de Mozart. Mozart é a exaltação da alegria maior. Algo em suas composições me faz ficar zonzinha como se tivesse saboreando um copo bojudo de mojito em Havana. Nunca fui para Havana, mas sei que tem um céu bacana. Certeza de que iria me emocionar com aquela decadência. Gosto desses lugares moídos pela História, que expõem cicatrizes. Lugares em carne viva. 

Eu sou a própria carne moída de memórias e sensações. Um “jorro de palavras”, na definição de uma amiga. “Mulher de alma inquieta com miolos em ebulição”, como disse outra. Fascinantes descrições de mim mesma, reconheço, vaidosa. Sou transparente: vidro que leva pedrada e se espatifa. Mas que também deixa entrar a luz e a paisagem. 

A velocidade da Terra está descompassada. Falta tempo para a contemplação sem segundas intenções. Entretanto, batalho para não me perder no meio das obrigações mundanas. Preencher meu copo meio vazio pelas saudades múltiplas com poesia e som.

Todos os dias, sinto falta de mamãe. Acredito que nunca mais serei completa. Um fiozinho de tristeza grudou em mim e eu tenho de conviver com o parasita. Todavia, a ausência me faz escrever mais e até melhor. Não existe meio de alcançar a  literatura por atalhos. O processo de criação sangra sempre de algum ponto. Buraco no peito minando rubras ideias. 

Abril também é o mês de São Jorge, meu santo de identificação. Guerreiro, lutando contra os dragões do tédio, da mesquinharia, das leviandades... Eu sou essa, com a lança sempre apontada para rachar a sólida cretinice das coisas. No mais, o que vale é a conexão. Laços dos cadarços dos afetos aprumados. Não importa a frequência, mas a constância!


Tema do post:

http://www.youtube.com/watch?v=378fNu_UPbA



Comentários

  1. Ai que delícia de texto Lu...adoro o mes de abril, fresco, céu claro, outono.Também fiz aniversário de casamento dia 5, 38 anos de união plena de felicidade...continue nos inspirando, viu?Ah! esse banquinho já foi muito visitado por mim, sempre que vou ao Rio faço uma pausa pra curtir a"presença" do nosso grande poeta Drumond.Bj grande, paz profunda...
    Namastê!
    Cynthia

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  2. Luzinha! Você está cada dia mais "LUZONA" no meu caminho! Adoro ler seus textos! Quanta emoção! Quanta vida! Você transborda demais!!! Você consegue colocar vida até nas pedras decadentes dos prédios lindos Cubanos... "lugares moídos pela História, que expõem cicatrizes. Lugares em carne viva." Nunca "vi" uma descrição tão verdadeira e pulsante de um lugar! É lindo como você mostra suas emoções! Feliz Abril para você!!!! Beijocas - Claudia

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  3. Lulu, disse e repito: adoro os seus textos. Obrigada por compartilhá-los comigo.

    Bruna.

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  4. que bonito, Lu!! Massa!
    obrigada por compartilhar!

    Besos con gusto de mojito,

    Giovana

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  5. Muito bom, Loo! Abril é seu mês mesmo.

    Beijos,

    Má.

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  6. Sinto vontade de rir quando vc diz "escrever o que nos der nas bolhas". Como seria isto? O que seriam as bolhas? Bem, te digo uma parte: dá vontade de rir porque tenho "bolhas" imensas e invisíveis nas solas dos pés que, atualmente, me dificultam um pouco a locomoção. Às vezes, doem e penso: o que poderia escrever destas bolhas? o que é que esta "me dando nas bolhas"? Rsrsrr. Será que isto é uma nascente/vertente literária que esta querendo desabrochar?

    Bem, estou tratando as bolhas com fisioterapia. Talvez quando elas sumirem, possa escrever o que me der nas telhas sobre as bolhas que não me deram nada, ou deram dores......

    Um bom dia pra você!

    Severino.

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  7. Dei uma olhada no seu blog.
    Você escreve como fala, pensa rápido, e tive a necessidade de voltar atrás no texto, algumas vezes, para conseguir acompanhar seu pensamento...

    Verborrágica com conteúdo, e extremamente inteligente!

    Muito legal!

    Beijo!

    Gabriela Jennings.

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  8. Luciana,

    Tive um residente morando no meu computador por alguns dias, ele se installou sem ser convidado, voce acha? e eu tive que fazer um monte de downloads e restart para expulsa-lo do meu computador e por conta disso ficou dificil abrir as janelas que eu queria abrir e nao a janelas que "ele", o spyware insistia em abrir para mim.
    Estou me atualizando agora com as ultimas do seu blog. Adorei esse paragrafo que voce escreveu: Todos os dias, sinto falta de mamãe. Acredito que nunca mais serei completa. Um fiozinho de tristeza grudou em mim e eu tenho de conviver com o parasita.Todavia, a ausência me faz escrever mais e até melhor. Não existe meio de alcançar a literatura por atalhos. O processo de criação sangra sempre de algum ponto. Buraco no peito minando rubras ideias.
    Saiu da sua cabeca mesmo? Muito profundo e verdadeiro e triste.
    Beijos e bom final de semana!
    Evelyn

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    Respostas
    1. Oi querida Eve,

      claro, de qual outra cabeça maluca sairia? :) Minha autoria, só minha. Obrigada por ter gostado!!

      Beijão e bem-vinda de volta ao mundo on-line sem "parasitas".

      Lulupisces.

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  9. Adoro outono também. E seu texto está ótimo, pra variar.:)

    Bjs.,

    Renata.

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  10. Que belíssimo Lu!!! pode já selecioná-lo para o próximo. ”Certos textos teus que leio, cabem tão dentro de mim...que perguntar carece , se não fui eu quem escrevi?”

    Cynthia Chayb

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  11. Também gosto demais de abril.
    Demais.
    Justamente por marcar o começo de um friozinho tão desejado e aguardado (e que nos últimos seis ou cinco anos tem me dado o bolo: nunca comparece).

    Valdeir Jr.

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  12. Luciana, as suas palavras sempre me abraçam. Como você escreve bem!
    Parabéns por sempre se empenhar e compartilhar.

    Karla Mendes

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