As traquinagens do amor



Algumas pessoas devem ter claro em suas cabeças que o Rômulo é o meu filho predileto. A culpa para tal raciocínio torto é minha, pois não perco a oportunidade de divulgar as tiradas do caçula no Facebook. Além da acusação de preferência descarada – que provocaria inveja e ciúmes no mais velho, também insinuam que estou expondo o garoto ao mundo sem que ele saiba e, deste modo, vou acabar fazendo as pessoas criarem expectativas sobre a criança que ela talvez não seja capaz de satisfazer. 

Resta-me apenas rir de tais suposições, pois não existe má intenção nos meus propósitos. Tomás não tem ciúmes do irmão além da clássica competição que sempre há entre seres tão próximos. Tampouco acredito que meu filho será cobrado pelas gracinhas interessantes que disparou durante sua infância. 

Divulgo a rica cabecinha do meu filho porque acredito que vale a pena guardar essas histórias e também compartilhá-las para levantar questionamentos e reflexões bem-vindas em outros pais; em outras pessoas que convivem com ou criam crianças. Quem sabe se de uma ideia nasce outra para divertir a relação materno-infantil em várias famílias? 

Alguns acreditam, ainda, que eu faço isso para me exibir. Não, eu faço isso para me comunicar. Para mostrar que o facebook pode ser um espaço de inteligência, alegria e trocas mentais efervescentes. Não apenas o propagar da mesmice e da burrice. Se meus filhos são fonte de aprendizado para mim, podem ser para alguém mais, por que não? 

Estou aqui me justificando sem nenhuma necessidade porque agora que sou mãe, convivo com o doloroso dilema universal: podem os pais amar mais um filho do que o outro? Já fui questionada por uma amiga com a clássica pergunta e respondi: não sei. Até o momento, não consigo me ver mais ou menos apaixonada pelo Tomás ou pelo Rômulo. São humanos tão diferentes, tão complexos... Tem tanto de mim e nada de mim ao mesmo tempo... Não sei precisar o tamanho do amor que sinto por eles. 

A única conclusão possível é a de que amor de pais não pode ser medido. Exatamente o mote do lindo livro “Adivinha quanto eu te amo”. Você sempre quer encontrar uma forma de deixar concreto, palpável o sentimento. Todavia, a abstração do amor entre pais e filhos é abissal. Você nunca vai ser capaz de quantificar, somente de sentir no dia a dia. 

Por isso sempre digo às não-mães: se você quiser racionalizar sobre a vontade de ter filhos, possivelmente sua resposta será negativa. Racionalmente, o filho é trabalho ininterrupto, gasto de dinheiro absurdo e investimento emocional desconcertante. A gente só consegue enxergar o lado lúdico e positivo de todo esse peso se se lançar na experiência. Algo como morrer, né? A gente só vai ter certeza mesmo do lado de lá. 

Filho, pois pois, é uma pequena morte. Morte de tudo o que a gente acredita que sabe; que controla; que acredita que gosta; que acredita que não gosta; que acredita que precisa ou não, que acredita que dá conta ou não dá; que pensa que é assim, mas é assado. Portanto, amo e não amo os meus dois filhos de maneira igual. 

Tomás não me entende muito bem. Eu o amedronto com a minha voz de trovão, com minhas atitudes de madre superiora. Ele se sente mais protegido no colo do pai (às vezes ainda me sinto culpada por isso). Entretanto é do meu lado que ele se senta para ver todos os filmes que gosta. Ele almeja ter o meu conhecimento das narrativas na tela. Ele é sensível, quer afago e aprovação. Tomás valoriza os amigos, a convivência pacífica e silenciosa. Sua seriedade e melancolia são enervantes e cativantes em igual proporção. Meu primogênito é imensamente amado, apesar de me tirar do sério por não me entender. 

Rômulo é racional, temperamental, cerebral. Não é dado a sentimentalidades. Mas oferece um sorriso para as fotos de amolecer a alma. Sua presença solar beira à queimadura. É bruto, estovado. Não tenho nenhuma paciência com sua sede de conhecimento ilimitada. Rômulo me cansa, ocupa muito espaço, me confunde. Sou eu quem não o entendo. Mas quando me perco naqueles olhos profundamente expressivos, sou fisgada pelo seu encanto. Tenho vontade de ninar seu espírito afoito para domesticá-lo. Mas é impossível. E essa impossibilidade me faz amá-lo imensamente. 

Creio que é bem assim, mas pode não ser... 



Comentários

  1. Bem...

    Pode um filho ser mais amado que outro?
    Pode.
    E eu poderia escrever um montão de argumentos espirituais para isso. Mas vou me abster de incomodar seus leitores.

    Um dia, quando meu irmão saiu de casa para viver com minha mãe, eu vi meu pai quase morrer. Não vou entrar em detalhes da traição que isto representou para o meu pai, porque você conhece os fatos.

    Num dos poucos momentos em que eu confrontei o meu pai na vida, eu o acusei de amar o meu irmão mais que a mim. E a resposta dele foi pior que uma facada: "não posso ocultar meus sentimentos".

    Então, eu sei, por experiência própria, que o amor não tem explicação racional. Um filho pode fazer o diabo com a vida do pai e ainda ser mais amado que aquele que daria a própria vida para não ver o pai sofrer.

    Mas o que não pode de jeito nenhum é deixar que os outros filhos descubram isso. Porque a dor e o sentimento de rejeição nunca mais vão abandonar o filho preterido.

    E para finalizar, o Rômulo uma vez estava lá em casa brincando com a Larissa e eu estava deitada na minha rede. De repente, ele se deitou comigo e ficou me fazendo carinho. Assim, do nada... Então eu acho que ele é muito sensível, só que não gosta de deixar essa suscetibilidade aparecer.

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    1. Concordo, Larinha. Isso acontece sim. Na minha família aconteceu. As tais afinidades eletivas, sei lá. Ou projeções, sei lá.

      Pode ficar tranquila que eu sei que o Romulito é sensível também. Ele é mais carinhoso do que o Tomás. E adora que a gente coce as costas dele. Sem contar que me pede, todas as noites: "fica um pouquinho comigo". E eu sempre fico! Inclusive já escrevi um texto sobre isso.

      Só quis dizer que, até hoje, não sei se gosto mais de um do que do outro. E talvez isso não aconteça. E que talvez aconteça. Mas se acontecer, vou tentar não deixar isso nada claro. Serei a tucana por excelência. Ficarei em cima do muro como nunca fiquei por motivo algum.

      Beijão pra você, amiga!

      Luciana.

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  2. Como é difícil falar de filho e do filho! Sua fala tão poética sobre os dois, me fez visualizá-los s talvez sentí-los um pouco...

    Passei por uma experiência difícil: Levei a Bruna a uma psicopedagoga (essa minha mania de psico...rs), para ajudá-la a melhor se auto conhecer e assim descobrir suas verdadeiras inclinações para determinadas profissões, afinal, a universidade está quase na esquina, a esperando...a situação difícil foi que, na primeira consulta, foi pedido que eu ficasse dentro do consultório, acompanhando o trabalho da psico. Eu não sabia que entraria na roda. Ela me perguntou, após ter feito o mesmo com a Bruna, uma lista de qualidades que minha filha tem. Ali, no repente, no improviso e na frente da própria! rs. Situação inédita, fui falando, falando, listando, e quando percebi, a lista de coisas boas já estava bem grande! E ainda lembrei de mais coisas em casa...Foi bom termos passado por isso, eu e Bruna. A gente não costuma exaltar muito os filhos falando para eles ou na frente deles, né...

    Bom...eu não tenho esse dilema se amo mais um filho que o outro... vantagens de se ter filho único! rsrsrs. Mas acaba que o filho único compete sim, sabe com quem? Com o filho imaginário, ideal, aquele diferente dele e que ele fantasia que a mãe iria preferir. Talvez isso seja uma situação ainda mais difícil para eles...

    Bjs
    Patty

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  3. Bárbaro texto, amiga! sobretudo quando cessam as justificativas e vc entra no tema com sentimento e manejo competente da linguagem. Voilà. E olha, se existem diferenças, como e quem as experimenta... é da vida nos apresentar conflitos e paradoxos, mas é humana a possibilidade de ressignificá-los e erigir literatura.bj Isa

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  4. Penso que é possível sim Luciana, pois acredito na "afinidade de almas", creio que estamos para além corpo neste planeta. Mas como o próprio verbo diz (verbo crer), isso pode não ser verdadeiro.

    Beijos,
    Rogelma.

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  5. Tão lindo! Como não amar seus dois pimpolhos? Eu que nunca os conheci pessoalmente sou maluca por eles. Talvez por vê-los sob a ótica da mãe deles. Bjo, Mona

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  6. Tenho 3 filhos,amo-os muito,porém o relacionamento com cada um é diferente claro, cada qual com o seu jeito, jeitinho e jeitão de ser, e isso pode às vezes confundir nossos sentimentos.Não consigo avaliar se amo um mais do que outro...mesmo percebendo diferenças gritantes em um e semelhanças em outro em relação a mim.Na verdade curto muito amá-los assim, de uma forma diferente, penso que eles aceitam bem e percebem essa diferenciação, principalmente agora que já são homens...belo texto Lu...bjão!
    Namastê!
    Cynthia

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  7. Luciana, fantástico!!
    Adorei as suas colocações sobre o amor pelos filhos.

    Eu gostaria de comentar o seu texto com você, parágrafo por parágrafo. Achei muito interessante. Quem sabe em um outro momento. Por hora, só te digo que gostei mesmo.

    Eu entendo estas pessoas que acreditam na sua preferência pelo Rômulo.Simplesmente porque você fala mais nele. Claro, ele é menor e mais falante, e por isso você tem mais a contar. Mas isso não tem nada a ver com o amor por um filho ou outro.

    Eu tenho três!! A Ana Olivia é o xodó de todos. E se você me perguntar se gosto mais do Matheus ou do Felipe, não tenho resposta.
    A Eliane acha que protejo o Matheus, mas não é verdade.

    E a Ana Olivia? Ela me adora, confia em mim. Me chama pra ver filmes com ela.
    Mas tem situações em que procura a Eliane pra obter conforto e segurança. Invertendo aqui a questão, se você perguntar pra ela se gosta mais do pai ou da mãe, ela vai ficar em uma difícil situação. Só de pensar nisso, me dói o coração.

    Realmente, esta questão "de quem você gosta mais" é muito sem sentido dentro de uma família em que as pessoas se amam.

    Mais uma vez, gostei muito das suas palavras.

    Um beijo,
    Paulo.

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  8. Lú, li sua cronica, achei sensacional...

    A descrição que faz dos dois é de uma riqueza de detalhes, imaginava que ambos fossem do jeito que descreveu, agora não é poque temos mais afinidades com um filho que amamos mais um ao outro. Filhos são um aprendizado constante, cada um te traz uma lição linda de vida. Ainda bem que você tem essa sensibilidade toda, minha prima!

    Você, pra variar, me fez viajar no túnel do tempo, amava meus pais e sou muito grata a tudo que me proporcionaram na vida, mas ambos me amavam de forma diferente, assim como os amava também de diferente forma, tinha afinidades com um e outras com o outro. Acho que por isso que somos criados por dois. No geral, eles nos completam e nos desenvolvem, bom aprendizado e adoro as tiradas desse meu primo cristal.

    Bjcas,

    Renata.

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  9. Lu querida, bom dia ! Adorei !

    Realmente os filhos nos proporcionam todos os dias pequenas mortes de tudo o que sabemos,conhecemos... Por eles e com eles nós nascemos todas as manhãs! Amamos as pessoas de formas diferentes, e os filhos também são pessoas diferentes. Vou ler muitas vezes esse "ensaio". Ele está muito poético e visceral!

    Bjs,

    Suelene

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  10. Gente, AMEI ISSO AQUI:
    "Filho, pois pois, é uma pequena morte. Morte de tudo o que a gente acredita que sabe; que controla; que acredita que gosta; que acredita que não gosta; que acredita que precisa ou não, que acredita que dá conta ou não dá; que pensa que é assim, mas é assado."

    Ótimo texto, Loo!

    Beijos,

    Marisa.

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