Ode to the families



Conversa de velho é cheia de parênteses e esses parênteses são cheios de parentes... 
Mario Quintana 


Há pessoas que explodem em urticárias só de ouvir a palavra PARENTE. Eu não. Eu gosto de parentes. Eles são a prova viva (ou morta) de que o sangue realmente fala mais alto em muitos aspectos: manias, idiossincrasias, risadas, paladares. Onde mais se pode apreciar uma comidinha com cara e gosto de infância? 

Visitar parentes é lembrar o quanto você tem passado. Que a sua árvore genealógica realmente existe (não é só papo de historiador) com muitas ramificações. Futuro nem é tão importante, mas o que findou, as memórias coletivas das tias e primos transbordam nas conversas.

Tudo fica mais idílico e divertido. Você até esquece que sofria com o ar blasé daquela prima muito mais bonita do que você quando ambas tinham dez anos. Você simplesmente descobre que está dando de mil a zero nela hoje. Não tem preço. 

Mas, falando sério, ter parentes é mesmo reconfortante. Por esses e outros detalhes sutis. Por exemplo: abraço minhas tias e posso sentir o mesmo tipo de volume que sentia ao abraçar a minha mãe. É transferência de carência imediata. Um alento divinal. Sei que às vezes parente é serpente e deve ser degustado com moderação, mas abrir mão de visitar a parentada, cortar laços, sumir do mapa... Que nada! 

Os amigos podem ser mais legais do que os parentes. Mas só entre os parentes você se sente pertencente ao código específico do clã que lhe moldou ao longo de diversas gerações. Algo como Drummond descreve na estrofe: 

Mundo mundo vasto mundo, 
se eu me chamasse Raimundo 
seria uma rima, não seria uma solução. 

Pois bem: os parentes solucionam nosso quebra-cabeça emocional. A gente entende muito da gente mesmo, das qualidades e defeitos intrínsecos, ao conviver poucos dias com os parentes. Eles são nosso reflexo mais nítido em maior ou menor intimidade. 

Deve ser essa razão pela qual há tanta angústia e urgência nos filhos adotados que procuram seus pais biológicos. Essa vontade de se reconhecer na profundeza do cheiro, do tamanho dos dentes, da pinta no queixo que ninguém ao lado tem. Os parentes nos legitimam. Precedem-nos e vão nos suceder. Eternizam-nos nas lembranças, fofocas e fotos espalhadas pelas casas. 

Concordo que a parte da fofoca é osso duro de doer, mas como resistir aos mexericos familiares? Eles também são tão ancestrais quanto à vida em sociedade. O melhor é ouvir, deixar que passe, não aumentar. Fazer telefone sem fio não vale. Isso pode lhe custar um parente.

Eu não gostaria de me sentir excluída dos almoços, das festas, dos aniversários, bodas e até funerais. Não quero ser banida do grupo. O grupo é bom. Abrir mão, de forma deliberada, da fraternidade, da comunidade familiar, é uma burrice. Definitivamente. 

Ontem eu vi um filme brasileiro cujos título e roteiro vieram bem a calhar com esse texto: “Histórias que só existem quando lembradas”. Isso: os parentes são os responsáveis por nos lembrar de passagens tristes, alegres, desastradas ou icônicas da nossa trajetória. São nosso lastro. Nossa memória olfativa, tátil e visual. 

E eu já nem sei o porquê dessa ode ao parentesco. Só sei que gosto de gente e das gentes dentro da gente. 


Tema do post:




Comentários

  1. Como sabes, sou órfã de parentes. Tenho mil e não tenho nenhum, ou melhor, tenho dois, claro, pai e mãe, arroz com feijão...rs. Bonita essa sua trajetória de encontros com eles, na psicologia falam que é muito importante: as histórias de família. De repente, vc ouve algo que nunca soube de sua mãe, seu pai, seu irmão, de vc mesmo, e aí pode reescreve ou reeditar a sua própria história, acrescentando idéias, sentimentos e pensamentos novos. Saudável!

    Bjs
    Patty

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  2. É mesmo muito bom, Luzinha, quando nos pacificamos com as gentes dentro da gente. Só dá pra erigir qualquer coisa nesta vida a partir do barro que nos compõe, não é verdade? Fico feliz que o nosso programa na tarde de ontem fecundou - mérito do filme, que é de fato muito delicado; mérito seu, que traz o olhar fértil. bjinhos Isa

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  3. Amei Lú!!!! Concordo com vc, adoro a convivência familiar, mesmo com todos os senões....aprendemos a pensar antes de falar, e aprendemos a escutar coisas que não gostamos ou que não merecemos...a vida é assim....a família é uma miniatura da sociedade.....AMOOOO!!!!!
    Bjks em todos aí , do pessoal aqui do Barretão!!!!
    Marina

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  4. Querida Lu,
    O que mais você está esperando para ter uma coluna em um jornal de grande circulação? Seria tão bom se as pessoas por aí afora pudessem ler reflexões como esta. Está tudo pronto, é só começar. Quero ser assim quando crescer! Saudades infindáveis.
    Beijo
    Marcita

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    Respostas
    1. Dear Marcita,

      também sinto saudade de você! Da sua aura tranquila, dos gestos calmos e até da sua neura eterna pela perfeição!!! :)

      Ah sim, eu adoraria poder fazer sucesso. Meu lado leonino vai ser eternamente frustrado, coitado!! O que eu estou esperando? Alguém me descobrir aos 41 como descobriram Cora Coralina aos 80, a Adélia Prado aos 50, sei lá. Será que um dia acontece?

      Bem que eu tento,minha amiga, obrigando os contatos a lerem meus textos semanais... Mas não percamos a esperança (apesar de não ser da minha natureza o otimismo intrínseco).

      Beijão e obrigadíssima por me incentivar nessa lida da escrita!

      Lulupisces.

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  5. Muito lindo esse texto, Lu. Para pensar e espalhar, como tantos outros! Não é à toa que já está no Top 10!
    Um beijo grande,
    Ana

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