Pratos limpos

"A vida é muito cantável"

(Guimarães Rosa)

Papai Noel,

acho que terminei o ano melhor do que comecei. Tudo bem, o Remeron deu uma forcinha: me fez dormir, me fez sonhar. Me ajudou a atravessar o luto com dignidade. Apesar de uma certa consciência pesada, é claro. Fora para os hipocondríacos, tomar pilulinhas nunca é muito divertido. Mas é a única que eu ingiro, Papai Noel, por uma boa causa. Tô perdoada?

Remédio sozinho não faz verão, e eu sei que tem dedo meu lambendo esse bolo. Eu me esforcei, lutei, não me entreguei. Consegui navegar mais um ano em meio a tempestade. Deu enjoo algumas vezes, vomitei. Porém sabia que a terra firme estava logo ali. Fui disciplinada como sempre. Sem desistir, organizada.

Não perdi as aulas de yoga, me aventurei em novos desafios: ciclying in door, circuito funcional, body combat. Fiz coisas que nunca fiz antes. Não me permiti empacar, embrutecer, envelhecer nos pensamentos. Até em curso sobre a reforma do Código Civil eu me meti, Papai Noel. Acho que eu fui uma boa menina, não fui?

Retomei velhas amizades separadas pelo tempo, perdi amizades importantes por idiotice. O dualismo da vida em movimento. Mantive meus laços fraternos com amigos de longe e de perto. Quebrei alguns paus desnecessariamente (como sempre), mas tive humildade para tentar consertar algumas cagadas. Deu certo com uns, com outros não. Porém não tive medo de escrever cartas e emails de amor ridículo. Não me acanhei nos abraços. Não parei de fantasiar e de me emocionar com o belo, com o único, com a luz do sol.

Falei bom-dia para os antipáticos dos elevadores. Levei lanche, doce e sanduíche para a noite de vigília dos porteiros. Tratei a empregada doméstica, a faxineira e todos os que sofrem nesse país desigual com a decência que eu gosto de ser tratada. E com o afeto também, porque "gado a gente marca, mas com gente é diferente".

Não joguei lixo no chão, tentei ser plenamente civilizada no trânsito, nos estacionamentos, nas lojas, na vida em sociedade. Não admiti injustiças. Não me vendi. Não cedi à tentação da ostentação e da frivolidade. Acho que estou bem na fita, não estou, Papai Noel? Vou até permitir um cachorro lá em casa no ano que vem, Papai Noel! É ou não é uma grande demonstração de flexibilidade? Dá um ponto aí, vai.

Entrei o ano com a certeza do divórcio e termino 2011 acreditando em casamento. Só por isso, Papai Noel, eu já mereço parabéns, não acha? Arrastei meu marido para uma reforma radical do nosso apartamento. Arejei a casa, o relacionamento, a família. Trouxe mais luminosidade e cor para o meu lar. Apostei na renovação. Deu certo. Feng Shui intuitivo que fez o quarteto se reenergizar para o bem.

Não tive medo de procurar ajuda dos amigos do peito, do psiquiatra, do terapeuta. Todos eles me deram um norte, uma razão para seguir. Almas boas que cruzaram meu caminho quando mais precisei. Viajei, porque sem viagens eu não sou nada. Olhei nos olhos dos meus filhos e aspirei o cheiro de suas nucas cobertas de pelugem. Pássaros novos que me encantam e desafiam diuturnamente.

Fui atrás da fé. No Templo Budista entrei em comunhão com minha mãe em outro plano espiritual. Mas ainda estou atrás desse sentimento de prostração e entrega. Ainda vai chegar, mas se não chegar, estarei na senda da humanidade. Trevas jamais. Rezei, meditei, copiei poemas, li poemas em voz alta para os meus meninos, cantei. Cantei!! Cantei e me maravilhei com a minha possibilidade de cantar.

Procurei aprender. Tentei ser menos arrogante, impaciente, madre superiora, pedante, sabe-tudo. Muitas vezes não obtive êxito, Papai Noel. Escrevi mais do que eu devia com os meus emails "francos". Fui tola e insensível, me arrependendo terrivelmente no minuto seguinte. Ouvi verdades e mentiras sobre mim. Socos no estômago. Alguns providenciais. Quem expõe o coração na vitrine precisa estar preparado para tudo.

Tentei fazer do meu ambiente de trabalho um lugar mais sano e amigável. Entretanto, confesso: é quase uma missão impossível, Papai Noel!!! Mas prometi - há tempos - que nunca mais aquela loucura iria me atingir ao ponto de perder o senso. Ufa, mais um ano se passou e estou aqui. Sobrevivi ao meu emprego. 

E eu devo essa vitória também ao blog. Ao espaço que eu criei para interagir comigo mesma, com minhas ansiedades e desvarios. O blog me deu uma noção maior de mim mesma e de como a minha escrita pode contribuir para alguma discussão relevante ou apenas para levar um pouco de lirismo à vida das pessoas que me leem.

Todos os especialistas em gente são unânimes em dizer que o trabalho dignifica quando você tem a certeza de que está fazendo alguma diferença. Não é salário, não é poder. É mudar o mundo, mesmo em escala microscópica. O blog me deu esse quinhão de apaziguamento. Por isso, Papai Noel, agradeço a todos que sempre me incentivaram a escrever. Ao meu marido especialmente, Papai Noel. Porque eu estava assustada com essa ferramenta. Tinha medo de não dar conta. E olha só: tanta palavra solta aqui, nessa rede enorme, feroz, maluca.

Papai Noel, eu tirei fotografias bacanas, promovi encontros agradáveis, dei presentes de coração, ouvi músicas emocionantes e também compartilhei músicas emocionantes com meus amigos do facebook. Incentivei meus garotos a amarem as artes em geral. A ter nos livros um grande aliado. A amarem-se, protegerem-se, vibrarem um com o outro. 

Ontem eu colhi um fruto doce dessa ladainha diária (criar filho às vezes é penoso e sombrio: o que eles pensam da gente? O que captam do que a gente diz? O que estão tramando? O que estão sofrendo?...).

Tomás folheava com zelo e orgulho a pasta de trabalhinhos do Rômulo da escola. Os dois em cumplicidade no quarto antes de dormir... O mais velho elogiando o esforço do mais novo. "Que bonito! Nossa, que legal! Caramba, Rômulo, você fez isso?" E o caçula se sentindo acolhido, entendido, feliz. Explicando cada tarefa do seu ano escolar com riqueza de detalhes. Isso foi lá entre eles, peguei o bonde andando.

Percebi que um pouco do que estou fazendo como mãe está dando certo. Que eles se aceitam e se curtem, independente da minha loucura, da minha agressividade, da minha pentelhação ou dos meus desentendimentos com o pai deles. Eles serão fortes e unidos, não é verdade, Papai Noel? Portanto não me sinto digna de pedir mais nenhum presente ao senhor, meu Bom Velhinho. Estou no lucro.