Alfabetização tardia

Para minha amada amiga BelBel,
companheira de descobertas na Caixa Cultural


“O que as letras fazem quando estão contentes?” Tai um questionamento que nunca passou pela minha cabeça louca. Por isso a cultura inteligente e criativa é tão instigante. Ela, de modo algum, nos deixa enferrujar o pensamento. Reservar um tempinho para as exposições sem compromisso é vital. Ar que respiro.

É assim que eu me deixo levar pelos passeios dominicais na Caixa Cultural: sem expectativas. Entretanto as três galerias não decepcionam: o aprendizado sempre vem. Domingo de manhã não tem programa mais legal que me aventurar naquele lugar vazio. Tenho a sensação onipotente de que aquilo tudo foi montado exclusivamente para mim, para o meu deleite de aprendiz da arte.

Seja ela em forma de pintura, fotografia, cartazes, vídeos, letras... Ah, as letras... Tão surradas, digitadas e divulgadas. Quem é que presta atenção em tipografia, não é verdade? Publicitários, artistas gráficos, designers e olhe lá. As letras existem apenas para dar vazão ao que precisa ser dito. São sempre coadjuvantes da informação e da emoção. Mas sabe que agora não vou mais pensar assim? Porque a letra pode, em si, expressar muitas sensações.

E então o artista me pega desprevenida: “O que as letras fazem quando estão contentes?” Perguntinha vinda da boca da criança... Porque artista é só alguém que deixa a criança tomar conta do trabalho, pode acreditar. Se rola superego, não há arte. E eu, que vivo aqui da minha escrita, meu ganha pão e meu tesão, não havia reparado nas minhas letras.

Escolher Times New Roman (mecânica, econômica, jornalística), Futura (clean, moderna, ágil), Garamond (a minha preferida: linda, elegante, sofisticada) ou Comic Sans (usada à exaustão para todas as gracinhas) é porque minha letra também tem algo a dizer.

Não que eu mude sempre de fonte, pelo contrário. Sempre me ocupei mais com o que eu digo do que com a forma do que eu digo. Arrebatando, com tamanha falta de sensibilidade, muitos desentendidos por aí. Mas vou começar a ser menos alienada, poor little things, letrinhas queridas!!! Afinal, elas merecem (pelo menos a minha) atenção.

Mas o que as letras fazem quando estão contentes? Escrevem poemas, cartas de amor, pedidos de desculpas, agradecimentos, votos de felicidades, muitos parabéns, convites variados, Feliz Natal!, romances, contos sobrenaturais e crônicas de Clarice Lispector.

Esparramam também mantras em sânscrito, lista de convidados e de nomes para o filho que vai chegar, bilhetes de correio elegante, cartões postais de terras distantes, pedidos de casamento, guardanapos com insights de música e aquela ideia genial para o próximo slogan. Receita de strogonoff de chocolate para a amiga, email de saudades, frase de efeito no facebook também estão valendo. Para todas essas alegrias, convém se apropriar da Adrenalina, Cabulosa, Samba, Brush Script, Garamond, Mistral, Porcelain ou Zapfino... Chegam mais rápido ao coração, vai por mim.

“Como elas se parecem quando estão envergonhadas?” Ai, depende. Se for vergonha boa, do bem, as letras ficam infladinhas e redondinhas. Só assim as bochechas coram. Nesse caso, cai bem uma Comic Sans, uma Ballon, talvez Bodoni. Pode até ser uma Filezin, que gosta de aparecer fingindo que não, nas letras vermelhas de supermercado.

Porém, se for vergonha do mal, por ter escrito palavrão sem razão, ofensa sem medida, mentira deslavada, agressão gratuita, verborragia sem ninguém pedir, preconceito obsoleto, briga com o marido, bronca na amiga, dívida não paga, promessa não cumprida... Ataque de Verdana, com cara de malvada, fria e calculista. Ou de Houaiss: pedante e impessoal. No mais, só indo de Interstate ou Arial, banais e tolas como você, que só conseguiu envergonhar a si mesmo.

Mas como rancor não tem nada a ver e reconhecer os próprios erros é chique e humano, fica aqui a sugestão: um gigante EU TE AMO, MIL PERDÕES, em Rial, Brasilêro ou Piel Script. Deve funcionar. I hope so.

Boiou? Dê uma espiada nesses sites aí e desvende o poder das letras:

www. brtype.com
www. houseoftype.com
www. youworkforthem.com
www. linotype.com
http://www.myfonts.com/
http://www.justintype.com/
http://www.fontshop.com/

PS: Tentei digitar o texto em fonte diferente, mas a Times New Roman é muito despótica!!! A dedicatória, ufa, foi de Apple Chancery.

Comentários

  1. Lu,

    seus textos são muito masssaaaaaaaaaaaaaaaa!!!!!!!!!!!!!!

    Bjs,

    Bruna Machado.

    ResponderExcluir
  2. Muito bOOOMMMMMMMMMMM! essa é uma palavrinha de poder, né?
    Bjão
    Cynthia

    ResponderExcluir
  3. Algumas LETRAS são FONTES de amor, não acha? rsrsrs

    Beijos trocadílicos,
    Patty

    ResponderExcluir
  4. Que Thot, deus da escrita egípcio, te ilumine ainda mais, minha querida dna. Lu, pois somos pequenos para atravessar a ponte que nos dá acesso ao mundo perfeito, por isso as Letras para sonharmos com essa travessia.

    Regis

    ResponderExcluir
  5. Lu, os signos verbais começaram como signos visuais e até hoje, sobretudo nas culturas orientais e árabes, os dois códigos se misturam. Na cultura ocidental houve uma maior separação, mas muita gente trabalha exatamente sobre o paradoxo de que ler é olhar a forma e abstraí-la. Ou seja, para obter um sentido é preciso reconhecer a letra e depois superá-la enquanto tal. A famosa obra "Ceci n'est pas une pipe" do Magritte fala disso, artista que aliás dedicou muita coisa ao assunto. E diversos artistas gráficos fazem coisas legais nesse campo, depois se quiser te passo uns nomes. Mas de imediato recomendo o site http://bemboszoo.com/Bembo.swf
    E mostre pros meninos tb... eles vão curtir.
    bjinhos e obrigada. Apesar dessa parada toda, tem hora que o melhor mesmo é expressar nossos sentimentos num terceiro código, o corporal. Um bom abraço diz tudo que é preciso saber! :)
    Isa

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ousadia

Presentim de Natal

Horizonte de Eventos