Niemeyer e as baratas

Vou logo avisando: tô do contra hoje. Azeda. Boçal. “Brasilienses reverenciam os 104 anos de Oscar Niemeyer”. Bem, eu sou brasiliense e não fiz reverência nenhuma. Esse Niemeyer já deu, né? Está vivendo demais, se intrometendo demais... Fingiu ser comunista e se refastelou na economia de mercado mais vil: o tráfico de influência.

Brasília nunca mais vai se ver livre de Niemeyer e de sua descendência arquitetônica. OK, eu adoro o Palácio do Itamaraty e do Alvorada. A Catedral é febril, uma obra divinamente monumental, e o aga do Congresso Nacional, com seu circulo partido ao meio, é emocionante. Mas chega, certo? Foi lá, em 1950, modernismo na veia. Agora não tá com nada.

Já escrevi que Brasília é bacana exatamente porque é uma só. Não devia ser imitada a torto e direito em repetecos do arquiteto nas obras espalhadas pelo Brasil e também no mundo. Niemeyer vive das glórias eternas da capital, refazendo seu samba de uma nota só. Tudo muito concreto, árido, ostensivo, opressor. A arquitetura se sobrepujando à humanidade.

Só quem trabalha numa obra de Niemeyer sabe o quanto ela pesa no bolso e na vida da cidade. Prédios sem janela, com subsolos humilhantes. O exterior é imponente. O interior, um inferno. Manutenção cara e complicada, desperdício de luz do sol. Ausência de naturalidade.

O que a capital federal tem de mais encantador são as suas quadras, a urbanidade e civilidade de se viver rodeado de verde, em edificações que não escondem o horizonte. Isso sim é atemporal. Qualidade de vida não tem preço, nem data. E essa ideia não foi de Niemeyer, mas, sim, de Lúcio Costa. O urbanista ofuscado pelo ego sem tamanho do arquiteto genial.

Lúcio Costa morreu esquecido e amargurado, enquanto Niemeyer e seu escritório de arquitetura “comunista” iam crescendo dentro dos governos capitalistas. Provável que Lúcio Costa fosse que nem eu, um desajeitado articulador. Zero capacidade política. Inteligência Emocional negativa.

Outra coisa que eu não entendo (já avisei que estou de mau humor hoje) é esse papo furado de que as baratas vão sobreviver à hecatombe nuclear. Coisa nenhuma! Quem vai seguir perturbando a vida da gente é a formiga. Essas danadinhas escrotinhas que se infiltram nos vãos de cada rodapé. Tá, a barata é mais nojenta, tenho verdadeiro horror a elas, mas as formigas são muito mais complicadas de eliminar. Nem reforma completa dá jeito. Elas sempre retornam.

Já as baratas, graças ao bom Deus, faz tempo que eu não vejo uma lá em casa. As formigas, percebemos, são muito mais diligentes. Bichinhas obtusas, cabeças-duras. Exército bem treinado para enfrentar todas as adversidades. Não é à toa que as formigas protagonizam fábulas e as baratas, romances.

Que coisa, não? Só mesmo essas soldadinhas pragmáticas e sistemáticas podem dar lição de moral em alguém. Já as cucarachas, seres furtivos, esquivos, notívagos, dão asas à imaginação de gente bamba como Kafka e Clarice Lispector.

Taí: desse ponto de vista, começo a nutrir uma espécie de afeição por elas. Quem diria!!! Logo eu, que paraliso face o exoesqueleto lustroso, anteouvindo o creck insuportável. Mas é que prefiro, sempre, os outsiders, os excluídos e marginalizados. Devo ser mais comunista que o Niemeyer.

P.S: O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) inaugurou ontem nova sede de R$ 500 milhões. Oscar Niemeyer cobrou R$ 5,9 milhões só para fazer o projeto.

Comentários

  1. Concordo com você Lu, o que mais curto em Brasília, são as quadras residenciais, cercadas por muito verde, árvores frutíferas,e um céu aberto sobre nossas cabeças, e um horizonte sempre à vista como uma linha de chegada.Curto muito mais, por exemplo correr entre elas, do que no parque da cidade.Quanto ao Niemeyer,admiro a sua genialidade, lucidez, que permanece até hoje, com seus 104 anos.Acho bela as suas obras, para serem vistas por fora e admiradas como esculturas, porém nunca me emocionaram, no sentido de olhar e encontrar eco no meu coração, acho-as frias, esse misto de futurismo com a natureza que se impôs na cidade é o que a torna uma cidade muito diferente das outras.Aprendi a gostar de Brasília, quando aqui cheguei do Rio, dizia que a cidade não tinha alma...hoje tudo mudou, até porque toda a minha história foi construída aqui.Legal pode ser contar com esse espaço de troca ...beijo grande...paz...Namastê!
    Cynthia

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  2. Nem acho que ele fica se intrometendo. Os outros é que ficam atrás dele, pedindo idéias, sugestões, projetos. E não só no Brasil.

    Abs,

    José Raimundo.

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  3. Nossa, R$ 5,9 milhões? Tio Oscar tá precisando juntar dimdim assim prá aposentadoria? Imagine eu! rs

    Também comemoro não ter tido visitas baratas aqui em casa. Quero dizer, outro dia tinha uma baratinha falecida na gaveta úmida de um armário do banheiro, que fazia tempo que eu não abria. Putz, fia, não tinha outro lugar prá morrer, não?

    Beijos Kafkanianos (arg!)
    Patty

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  4. Ah, uma pergunta: Por que pensamos nas baratas sempre como seres femininos? Será por causa do gênero do substantivo? Ih, feministas, me ajudem! rsrsrs. Só aquelas baratas voadoras terríveis penso como sendo "homens", prontos para a batalha aérea. Para isso, se houver guerra, grito logo para o meu único soldado masculino da casa entrar em campo. Fecho as trincheiras e ele só sai de lá vitorioso.

    Beijos
    Patty

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  5. Acho respeitável a arquitetura de Niemeyer até a década de 90, mas o prédio em que hoje está instalado o CCBB-Brasília foi o epitáfio. A partir daí, tsi-tsi...
    Insistir em sua obra ainda hoje é ignorar as inovações que estão acontecendo, inclusive no Brasil. E alguém ainda acredita que ele desenhe alguma coisa?

    Luiz NT

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  6. Eu gosto dessa sua veia escritora da verdade, denunciante. Pode abusar dela. A gente já chegou na faixa onde nossa contribuição é fazer os que vem atrás notarem que somos meio Joana Darc ou São Francisco em algum momento da vida. Fora a armadura e a opulência famigerada do capitalismo que nos consume e nos aprisiona. Você está certa. Brasília é linda. Mas não repetível. Davi Doss

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  7. Eu trabalho num subsolo humilhante, gelado e sem janelas. E ainda tem uma para[dia]bólica gigante bem aqui em cima, captando as energias negativas de todo mundo que se sente ultrajado pelo legislativo desse país (e olha os tantos que são)! Nem sei se sou a formiga ou a barata nessa história; só sei que nós, seres subliminares, obrigados a sobreviver nos subterrâneos, nos entendemos muito bem.
    Belo blog, Lu, voltarei sempre!
    Quando tiver um tempinho a perder, passe lá nos meus. Beijos!

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  8. Azeda daí, o Lúcio Costa morreu amargurado? Nem sabia.
    Eu detesto o interior horroroso do Senado, mas juro pra você que não tem muito a ver com o Oscar Niemeyer. haha
    Bjs.
    Azeda de cá.

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  9. Arquitetura opressora. Falou tudo, Lu. E aquele prédio horroroso do lado da Biblioteca Pública, sei lá, museu? Uma bola saindo do chão, em meio ao concreto, dá uma depressão... Acredito que a gente ache Brasília bonita porque cresceu aqui, sei lá... Bjs, Ana Cláudia

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  10. Luciana,
    E eu que sou um fâ do Niemeyer nunca havia pensado sob o prisma que você colocou nesse post.
    Valeu !
    abs e bom ano novo !
    José Rosa.

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