Protoblog do atentado

Subject: Afogada em bandeiras
PostedDate: 09/18/2001


Olá amigos do Brasil!! Quem pode me salvar deste ataque superpatriótico que invadiu os EUA nesta última semana? Não sei que tipo de fanatismo é mais maluco: dos que morrem pelo Alcorão ou dos que vivem pela Stars&Stripes, a bandeira norte-americana...

Pois é, galera, a segunda consequência imediata do atentado ao WTC (a primeira, como sabemos, é a revolta, o sentimento de vingança, a dor, a descrença...) a gente vê espalhada por todos os lugares: bandeiras. Se antes 90% das casas americanas ostentava orgulhosa uma bandeira na porta, agora são 110% dos lares, lojas, ruas, carros... As bandeiras são gigantescas e estão por toda a parte. As pessoas saem às ruas com camisetas de bandeira, bandana de bandeira, broches e botons de bandeira, capô embadeirado... Eu me sinto totalmente sufocada pelas listras brancas e vermelhas!!! Salve-me, please!!!

O atentado, como escrevi para o amigo Paulo Magno, de Campinas/SP, vai aumentar a arrogância dos americanos em relação ao resto do mundo. Eles não sabem refletir de forma autocrítica. Eles continuam achando que estão totalmente corretos e os outros é que são doidos e invejosos.

Ninguém põe a mão na consciência: “puxa, o que estamos fazendo da política internacional? O que estamos fazendo para que pessoas comemorem nas ruas um atentado monstruoso desses?” Este é o tipo de análise que não é sequer cogitada por aqui.

Eu concordo com a Má: claro que nem todo norte-americano é anta. Mas o presidente Bush não faz parte da exceção. E o cara está com 90% de popularidade!!!! O que demonstra, perigosamente, o grau de identidade da nação com as ideias egocêntricas e estúpidas dele.

Os americanos vivem muito bem nos EUA. Isso aqui é a verdadeira ilha da fantasia. Pra quê, então, se preocupar com o resto do mundo? “Se eles não têm o que nós temos é porque eles não são competentes como nós”. Em parte, o discurso é verdadeiro. Mas esta miopia americana é insuportável!!! Eles fodem um monte de país pobre. Taxam produtos, criam embargos, fazem conchavos, alimentam guerrilhas e depois vêm dizer que os outros é que não sabem trabalhar!!!!!

Agora os EUA querem que os países aliados lutem contra o terrorismo mundial. Enquanto o terrorismo mundial estava aterrorizando o resto do mundo, os caras cagavam e andavam. Now, exigem cooperação. Notem: exigem. Os EUA sempre exigem. Por que não aproveitamos o momento de comoção para exigir uma parceria global contra a miséria? Que tal os países em desenvolvimento não aproveitam a oportunidade e exigem que eles dividam a riqueza dourada da América com as nações menos favorecidas?

Mas eles não vão fazer nada disso. Os ianques vão continuar pensando de modo ianque: “Ninguém vai nos derrubar! Nós podemos suportar tudo porque somos americanos! A gente vai mostrar para o mundo nosso poder como mostramos depois de Pearl Harbor!” Acreditem, brasileiros, frases como estas estão estampadas por toda Manhattan!!! Portanto a miopia não foi extirpada, pelo contrário. Os americanos não vão mudar de comportamento. Eles vão sair ainda mais fortalecidos em sua onipotência e onipresença depois desta tragédia.

De certo modo, é até bonito ver o quanto eles se amam. Se o Brasil tivesse um pouquinho desse amor próprio, a gente poderia ter peito para exigir uma contrapartida americana em relação à exportação de laranja, café e outras coisas mais. Uma cooperação que não significasse sempre: aos americanos tudo. Aos fodidos, nada.

Mas só para terminar o meu desabafo cientista-político-pró-globalização-das-casas-legais-dos-carros-bacanas-da-comida-na-mesa-das-bibliotecas-públicas-fantásticas-dos-ônibus-dentro-do-horário-e-demais-maravilhas, bem que este atentado poderia ter acontecido em Miami, né? Já imaginou o quanto de corrupto brasileiro que vive por lá poderia ter ido para o espaço?

Os “turbantosos” teriam prestado um grande serviço ao nosso país. Além disso, Miami é brega. Destruir Manhattan, logo a cidade menos americana dos EUA, foi uma sacanagem!!! NY está tão tristinha, tão baixo-astral... As ruas ainda vazias... Nada de turistas com seus barulhos de pacotes e flashes. Nada daquela multidão andante walk/don’t walk... Quando será que vou voltar a ver a Big Apple de antes?

As aulas no Hunter College recomeçaram ontem. Cheguei à sala e dei um super abraço na professora, Mrs. Molly. Ela respondeu o abraço dizendo que era bom me ver. Tadinha, ela estava com o mesmo olhar triste dos new yorkers. Um semblante inexpressivo. “Nada de passeios nos museus, pelo menos por enquanto”, avisou a teacher, com pesar na voz.

O nome do nosso curso é “Celebrate New York”, mas como celebrar com um clima desses aí fora? Mrs. Molly explicou que os museus são alvos fáceis para atentados e que ela não quer nos expor ao perigo. Não creio que haverá outros ataques, mas canja de galinha não faz mal para ninguém....

Foi bom rever Agnes, a polonesa piradinha. Ela também estava abatida. Depois da aula, fomos tomar um café na Starbucks, uma rede de lojas espalhada por toda Manhattan. Agnes é viciada em café e já lhe dei um apelido: Ms. Coffee. A gente ficou horas conversando sobre o atentado. Sobre como cada uma tinha ficado sabendo de tudo o que estava acontecendo. A Maria, outra amiga de nacionalidade peruana, estava conosco.

Belo trio, não? Só mesmo em Manhattan uma peruana, uma brasileira e uma polonesa podem se encontrar para um café. Essa cidade é incrível!! Maria falou uma coisa que eu também senti no dia 11/09: “Eu precisava me expressar na minha língua!!! Eu precisava falar em Espanhol”. Eu também tive vontade louca de gritar em Português. Em Inglês não era possível suportar o terror daquilo tudo.

Saímos do café e fomos passear pelo SoHo, que ainda está desolado. A área é próxima da cena do crime e as ruas não recuperaram a vivacidade, apesar de já estarem abertas. A Broadway, uma das streets mais tensas da cidade, permanece vazia. Os poucos camelôs chiques faturam com a tragédia, vendendo fotos das torres em chamas, das torres majestosas quando existiam, além de toda sorte de quinquilharia nas quais a bandeira americana pode ser estampada.

Gostaria de agradecer o carinho, mais uma vez, de todos que ligaram e mandaram mensagens. Nunca nos sentimos tão queridos como nesta semana que passou. Amanhã, a Agnes vem aqui em casa. Ela quer que eu cozinhe uma típica comida brasileira para ela provar. Vou preparar arroz, feijão preto (de latinha, of course, mas dá para quebrar o galho), bife acebolado, banana frita e farofa. O que vocês acham? Depois eu conto como foi.

Aguardem as novas peripécias da mais sensacional correspondente internacional!!!! (Vocês não sabem quanta saudade a gente sente de estar ao lado de vocês...)

Beijão,

Lu.

Comentários

  1. não sou um expert em face, blogs. orkut, etc. por issso estou escrevendo por aqui mesmo. É que durante a semana pre 11/09; praticamente todas as emissoras do mundo estavam la, aguardando a data, principalemnte a globo, que transferiu seu QG para NY. durante este periodo, não ouvi, li ou vi qualquer referencia da midia geral sobre os milhares de assassinatos de inocentes cometidods por norte americanos no vietnâ, em hiroshima/nagazaki, no iraque, afeganistão, etc. a foto daquela menina nua, correndod em desespero, sendo consumida por napalm fala por si. no entando, só se fala em torres gemeas. qualquer vida, inocente ou não, seja de americano ou de qualquer outro, não atem preço. mas parece que as vidas perdidas dos americanos são muito mais valiosas que de brasileiros, iraquinanos, japoneses, etc.

    Severino b.silva

    ResponderExcluir
  2. Adorei ler seu relato da época. Fiquei chocada com a história de que camelôs vendiam fotos das torres em chamas. Como é? Enfim. Achei bem interessante o comentário da sua amiga peruana. Acho que deve ser isso mesmo: nas horas de maior emoção, a gente só consegue traduzir minimamente os sentimentos no nosso próprio idioma. Deve ter sido uma loucura viver tudo aquilo no olho do furacão... Baita experiência. Beijos, Débora

    ResponderExcluir
  3. Lu, Legal receber este e-mail seu hoje. Acho sim que você está realmente feliz. Se não, não teria tido aquela experiência com a JOANA.

    Apenas na sexta-feira eu li seus textos sobre ela. Sempre a veja na minha quadra ou nas redondezas. Depois de ler, fiquei pensando em te dizer três coisas:

    1. Que legal que você mantém seu canal para expressar o que pensa e sente. E que legal ver como ele provoca discussão, reflexão, troca de experiências: coisas que aconteceram bastante naquele texto especificamente.

    2. Que bom que Joana não é assim...tão invisível. Além da sua experiência e das demais pessoas que se manifestaram a respeito, eu sempre a vejo e já a vi junto com outras pessoas. Ver Joana é sempre uma oportunidade para falar sobre a existência humana...

    3.Achei sua iniciativa belíssima. Só pessoas fortes (e portanto, felizes, podem ter estas atitudes...). Admiro você, demais!

    Beijos,

    CláClá

    ResponderExcluir
  4. Luzinha, o que vc acha da "Teoria da Conspiração" (vide Fahrenheit 9/11)? Gostaria que comentasse, direto do túnel do tempo e do olho do furacão...

    bjs
    patty

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ousadia

Presentim de Natal

Horizonte de Eventos