Mineiramente universal

A chama do meu amor faz arder minhas vestes.
É uma canção tão bonita o crepitar
que minha mãe se consola,
meu pai me entende sem perguntas
e o rei fica tão surpreendido
que decide em meu favor
uma revisão das leis.
(Canção de Joana D'Arc - Adélia Prado)


O que dizer de Adélia Prado? Que por ela eu perdi aula de ioga e enfrentei fila com dor nos quartos, só para garantir um lugar na plateia de fãs?

Adélia que adere na membrana que reveste o coração. Funde-se no músculo e me move para dentro de mim. A quente chama ardorosa da vela de sete dias, de mil dias, de vida inteira. Renovando minha crença no poder libertador da poesia.

“Acordai do sono!”, pede Adélia, citando a Bíblia. Só mesmo Divinópolis poderia por no mundo essa Dona Doida moldada com o mineiro dom de humanizar.

Adélia lê Adélia para o teatro lotado. “É a coisa que eu mais gosto de fazer: ler poemas em voz alta”. Eu também, Adélia. Eu também. “O que sou? De onde eu vim? Para onde eu vou? As três perguntas fundantes de toda Arte, Filosofia e Religião. Não são perguntas intelectuais. Elas surgem do afeto: Eu me apanho existindo.”

Adélia proseia enquanto eu cruzo os braços sobre o peito, na vã tentativa de me opor a convulsão que me liquefaz. A luz da plateia acesa me envergonhando de chorar. Era uma noite de sentimentos sobre a mesa. Às claras, sem subterfúgios.

“Vocês querem um poema alegre ou triste?” Todos, Adélia, queremos todos os seus poemas, alimento para nossa alma carcomida pela mediocridade. Entretanto, a poetisa não consegue ler alguns de seus textos. Engasga e pinga lágrimas sobre as páginas marcadas.

“A semente do sagrado, da beleza e do eterno está dentro de nós. Só que a maioria não chega a desenvolver a profundidade humana. A vida interior. As pessoas têm vida social, mas carecem de vida íntima. E quando voltam para casa e tiram sua roupa de festa, o que fazem consigo mesmas?”

Os pedidos de leitura pipocam entre os participantes: Módulo de Verão, Explicação de poesia sem ninguém pedir, Divinópolis, Impressionista...Querido Louco eu não dô conta de lê não!!”, implora a mineira fervorosa e doce. A mãe e a avó da propaganda de margarina.

Um grupo de alunos da quinta e sexta séries do Recanto das Emas lhe rende loas, em forma de jogral. Cena mais interiorana não há. A vida acontecendo no grotão da gente. “Só mais um casim, dá?”, pergunta Adélia, com sua humildade ruborizante. Conte dez, conte cem! A vontade é de sentar no chão e pousar a cabeça no regaço de vovó Benta dessa mulher.

“O tédio está proibido para nós. Sofrimento sim, mas o tédio é uma bobagem. É só abrir os olhos que tudo em volta está cheio de mistério. A Física é pura poesia”. Mas o físico dói do tombo levado pela manhã. Porém não impede que eu me poste na outra fila para ter o prazer da assinatura de Adélia em mais um livro.

- Adélia, eu te vi pela primeira vez há uns 20 anos, numa palestra no Colégio Objetivo.
- Sério?
- Eu só sabia chorar na sua frente. Você escreveu na minha Prosa Reunida: “Luciana, não chores!”
Eu amo essa mulher, gente! Dá pra perceber, né?
Ela sorriu gostoso e rabiscou novo autógrafo: “A Luciana parou de chorar. Que alegria!”

- Você não mudou nadica de nada, Adélia!
- Mentira!
- Esse aqui é para os meus filhos, Tomás e Rômulo.
- Dois hominhos... Quantos anos eles têm?
- Sete e quatro.
- Adoro criança! São da idade dos meus netos.
Adélia imprime sua letra grande e rasgada em quatro livros
E assim a prosa se emendava, como se a rainha não estivesse esgotada de tantas bajulações. Só faltou o pão-de-queijo e o cafezim.

Os súditos na fila me puseram em marcha. Parti abraçada aos meus autógrafos, curtindo o calor do beijo na bochecha de Adélia aderente. A menina danada que escreve poemas mineiramente universais.

Comentários

  1. A expressão no seu rosto é de felicidade no estado bruto. Não tem como dissociar você da poesia da Adélia mesmo! Bjs, Débora

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  2. UAU!!! Ah, não, não nos deixe curiosos: sobre o que mais conversou com a avó-que-todo-mundo-queria-ter?

    Coraçãozinho devia estar saltitando, né?

    Bjs
    Patty

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  3. Amei, amei! Chorei, chorei! Estou muito feliz por ter conhecido Adélia Prado! Lembro de cada palavra, suspiro, lágrima, casim....quantos mais gostaria de ter ouvido...

    Venha cá e me conte um segredo: por acaso vc tinha escondido um gravador?:) Porque ao ler seu texto voltei naquele momento de êxtase.

    Será que exagerei? Será que todos que ali estavam ficarão marcados pelas mesmas palavras e outras muitas que não se diz? Apenas senti que, depois de conhecer Adélia, nunca mais vou deixar de amá-la. Êta mulher sistemática!

    Lu, hoje você se superou.

    bjs, Rô

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  4. Luciana,

    Foi um prazer poder te proporcionar essa alegria da foto com Adélia... Além de que foi muito bom ter te conhecido, graças à lindíssima Rosana!

    (,,,) "sonho que tudo gera
    o que não vive aduba
    o estático espera"

    "nós pensamos não é para entender
    mas para sermos perdoados..."

    tenha um fim de semana iluminado!

    Inté,
    Luiz

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  5. Caro Luiz,

    se não fosse você, não poderia guardar para sempre o meu olhar de amor para Adélia Prado. Muito Obrigada!!

    Fiquei muito comovida com as fotos, principalmente aquela na qual estou de perfil sorrindo e amando Adélia tanto e tanto, que a foto se derrete em suspiros...:)

    Agradecida,

    Lulupisces.

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  6. Lu, que belo relato sobre encontro com esta linda criatura,que amo tb. que nos emociona, tocando fundo em nossa alma, com sua sensibilidade na arte de versar a vida, triste, feliz,feia, bonita, simples, complexa vida...a sua foto retrata a sua felicidade diante Adélia, e como disse a Débora "difícil dissociar você da poesia de Adélia"
    Beijo grande...continue compartilhando com a gente esses belos momentos...
    NAMASTÊ!
    Cynthia

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  7. Lu,

    Muito bonito este seu "reencontro" com Adélia. Vocês se conhecem, sabe-se lá Deus, de onde... Continue sonhando, Deus é tão bom que nos proporciona momentos como este para que sejam bálsamos a refrescar nossas almas carcomidas pelo tempo.
    Vale a pena sonhar em meio a tantas desilusões e momentos de pura insensatez. Mas, Deus continuará sempre existindo e nos presenteando, eternamente, em meio aos ensinamentos necessários ao nosso aprendizado. Todo presente é bem vindo. Desembrulhe-os devagarinho e guarde-os no coração.
    Beijocas da amiga sonhadora

    Marcita

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  8. Tão pisciana...rs

    Bjs.

    Ana Cláudia

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  9. Que bela oportunidade a vida te deu! Presentão, poder estar assim perto de alguém que se admira e, melhor ainda, receber um quase afago, concluindo a sincronicidade!
    Adorei!
    Bj,
    Mônica (também adoro a Adélia).

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