O que nossas crianças escondem?

Permaneço encafifada com os enigmas da tragédia da escola em São Caetano do Sul. É fácil quando há justificativas palpáveis, visíveis: O cara era louco... Sempre foi um desequilibrado.... Nunca teve amigos, namorada... A família era disfuncional... Sofria bullying...

Mas quando o agente da insanidade se veste de bermuda, short e boné, adora bateria e pensa em ganhar um videogame de Natal? Aí você constata: leite caramelizado, com flocos crocantes e chocolate Nestlé: ó, mas é Chokito!! Ó, mas é apenas um garoto que, como seu filho, gosta do Ben10 e do Mutante Rex!!!!

A comparação com o meu Tomás foi inevitável, pois tudo o que disseram e dizem do menino Davi é que ele era legal, afável, bom aluno, bom filho. Tinha um irmão, pai e mãe zelosos e carinhosos. Podia apenas trocar pela foto de Tomás. Tomás estampado no jornal chocando todo mundo. Como? Mas logo ele? Não dá para entender. Ou dá?

O que será que passou na cabecinha do pequeno Davi para tirar a própria vida com um tiro na cabeça? Porque eu entendo da experimentação infantil e da curiosidade com tudo o que é proibido, estranho, audaz. Eu sei que quando a gente é criança, a gente acha que pode cometer pecadinhos sem maiores consequências.

Eu larguei a corda do barco onde estava meu primo, na tentativa de testar os meus limites e os dele. Eu sabia que era errado fazer aquilo, mas ultrapassar essa barreira era muito desafiador e tentador. O arrependimento veio segundos depois e, graças a Deus, meu primo foi salvo no momento em que seria tragado pela correnteza do rio Corumbá.

Eu subi no telhado da casa do vizinho à noite, correndo o risco de levar um tiro. O vizinho confessou para minha mãe: “Pensei que fosse um ladrão, eu ia atirar.” Ou seja, as crianças não são santas. Muitas delas aprontam pra valer... Ontem mesmo no jornal havia a triste notícia de que um irmão de sete anos deu partida num trator atropelando e matando o irmão de três.

Então, eu entendo o Davi querer levar a arma para a escola e se gabar com ela. O exibicionismo faz parte da infância. Desafiar a autoridade paterna também. E até posso entender o ato de Davi atirar na professora. Não como caso pensado de vingança ou revanche, mas como uma provocação: será que acontece mesmo? Será que sai bala desse cano? Será que a pessoa morre mesmo se levar um tiro? Será que sai sangue? Dói?

Mas eu não consigo entender como é que ele apontou a arma para a própria cabeça e morreu na escada da escola. É tão drástico, tão doloroso pensar que uma criança de dez anos possa ter uma dor aguda escondida em seu íntimo capaz de morrer por ela. O que nossas crianças estão tramando em suas cabecinhas cheias de informação e pressões?

Porque não nos enganemos: se a gente sente a tensão, elas também sentem. Não adianta disfarçar que o mundo está mais cor-de-rosa quando elas, claro, percebem que não está. A criançada também é vítima do bombardeio de zilhões de temas pesados e confusos. Um planeta caótico a rodar pelo espaço. O que elas filtram? O que elas guardam? Qual foi a faísca, o fragmento de mal-entendido a detonar o processo sem volta de Davi?

Ontem, Rômulo me deu uma demonstração que vai ao encontro desses questionamentos. Sentado fazendo o dever de casa, ele me pergunta (seus olhos estão apreensivos e os dedos ocupam a boca):

- Mamãe, falta quanto tempo para você morrer?
- O que é isso meu filho?, sai de mim, assustada. Espero que falte muito.
- Eu também, diz Tomás.
- É que você falou naquele dia que estava muito velhinha...

Caramba, eu havia dito isso sim, no domingo, quando tentei pular corda junto com Tomás e o sobrinho-neto Luan. Ontem era terça-feira e Rômulo havia gravado, em seu coração, um luto adiantado da mãe. Dois dias martelando a pergunta que não tinha coragem de fazer.

Se aos quatro anos uma criança já é capaz de experimentar tanto temor, imagina aos dez... A infância hoje é curta e complexa. Devemos velar pelas mentes dos nossos pequenos... Sabe-se lá se Davi ouviu uma conversa atravessada daqui ou dacolá. Se a tia da escola disse algo que lhe pareceu incompreensível e atordoante...

Não vamos mais saber do que tinha medo Davi. O que ele escondia na sua atitude de menino amado e amável. Só nos resta o susto e a vontade de acertar com os nossos filhos. Mas isso eu sei que os pais de Davi também tinham.

Comentários

  1. Acredito que algo muito sério estava realmente acontecendo na vida desse garoto. Tomar essa atitude drástica, em plena infância, é sinal de, no mínimo, um caso grave de depressão. Talvez ele tentasse ser o bom menino que esperavam dele, por isso não levantava suspeitas, mas um olhar mais cuidadoso decerto teria notado alguma coisa. Crianças deixam pistas... não é possível que tudo estivesse tão "bem" assim. Teria que se investigar muito profundamente a história desse menino, até mesmo desde antes do nascimento. Perguntas do tipo: como foi a gestação, como é a família, as relações parentais, quem eram as pessoas que conviviam com ele. Será que não sofria algum tipo de abuso? De ameaças da parte de alguém? Seu silêncio pode ter tido uma causa aí, quem sabe? Acho que, com interesse em se descobrir algo, certamente alguma coisa, recôndita, deve aparecer. Agora a cabecinha dele, nesse dia, o que se passou exatamente, dificilmente alguém conseguirá alcançar a extensão. Uma coisa é certa, Davi não aguentou o peso do sofrimento.

    Bjs
    Patty

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  2. A situação foi muito recente, aos poucos as questões paralelas vão aparecendo. Li que já acharam um desenho do menino, depois vão conversar com os colegas de classe... enfim... Mas pode ser que isso não tenha mesmo muita explicação, e tudo seja exatamente como aconteceu: um disparo acidental na professora e, constatada a tragédia pelo próprio menino, que já tem um pouco de consciência do que tudo isso significa, um ato desesperado para desaparecer do cenário, antes do turbilhão que viria em seguida... A vida é assim, nem sempre vem com a explicação que esperamos. Bj, Mônica

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  3. Oi, Luciana, tudo bem?

    Tem algum problema no blog. A gente escreve a mensagem quando clica em postar simplesmente desaparce tudo. Se clicar em visualizar primeiro, também desaparece. Perdi a mensagem que escrevi e também não consegui postar esta:

    Bem... Eu tinha escrito o que penso sobre este tema mas na hora que apertei postar comentário sumiu tudo.
    Então vou postar somente o final do meu comentário perdido.

    Se alguém quiser entender como o espiritismo entende o suicídio, assista a palestra de Divaldo Pereira Franco, Família e Suicídio, no link abaixo:
    http://infinitaspossibilidadesdavida.blogspot.com/2011/06/familia-e-suicidio-divaldo-pereira.html

    Para a doutrina espírita a idade do corpo físico não importa.

    Abraços

    LARA MARIA ALBUQUERQUE E SILVA

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