Desentoados, uni-vos!

De agora em diante, não sou mais desafinada. "Se alguém disser que eu desafino, amor..." Elucido: não, eu sou é desentoada, tá?

Juro que nunca tinha ouvido essa palavra (adjetivo que ninguém quer receber, vamos combinar). Mas ela existe no vocabulário dos regentes de coral... E significa que você está cantando fora do tom. Um jeito elegante de dizer que você é mais desafinado que uma seriema correndo desembestada pela estrada de terra.

Mas o professor de canto coral confessou que ele também foi um desentoado. Então tem cura, né? E ela só pode vir com o cantar sucessivo e bem orientado. Danilo, o mineiro regente da Oficina Básica de Canto Coral e Técnica Vocal - Minas anda me rodeando tanto ultimamente... Saudades das montanhas e barroquices -, tem um desafio extremo pela frente: pegar uma galera grande e eclética, que nunca cantou para ninguém além de si mesma, e fazer todo mundo entoar umas cantigas bonitas sem desentoar na apresentação pública final.

Eu sabia que um dia eu ainda iria frequentar, como aluna, a Escola de Música de Brasília. Era sonho antigo, desde que minha irmã Vanja por lá estudou e tocou. Tem até texto sobre a EMB aqui no blog (A linda rosa juvenil) e alguns de vocês já sabem que o ambiente de ferveção musical da escola sempre me cativou.

Pois, enfim, me matriculei no curso pontual de canto coral. Serão três meses, aos sábados, para curtir aqueles corredores musicais repletos de jam sessions, crianças, jovens, adultos e velhos passando para lá e para cá a carregar seus instrumentos de variados tamanhos. Um oásis de civilização do Estado nesse país embrutecido pelo desprezo ao bem público.

Só foram duas aulas até o momento, mas já aprendi tanta coisa... Cantar é abrir a boca. Você vai dizer, claro, sua idiota! Mas não pense que é tão óbvio assim não. Repare no jeito que você fala e canta. Você realmente abre a boca ou sibila? Seus lábios mexem ou ficam estáticos? Sua voz é projetada para frente ou você mal se ouve?

Segue Danilo com sua mineirice paciente, didático para todos os públicos, até mesmo para os tarja-preta, que lá na sala temos alguns exemplares. Ele acata todo mundo, acolhe. Ele tem o dom de ensinar e cantar, duplo mérito! E eu descubro que voz é um som laríngeo apoiado na respiração, amplificado pelos ressonadores (boca, caixa torácica) e moldado pelos articuladores (lábios e língua). Nunca mais nem um ai meu será o mesmo! Eu tenho voz!! E a voz é mágica produzida por tantas variáveis harmônicas (ou não).

Falando em ais, o A é a base de tudo. Faça o teste aí: fale a letra A. Você tem que abrir bem a booooooooooca: AAAAAAAAAAAAAAAAAA. E na aula de canto você esquece o que aprendeu na escola. Não são cinco vogais, são sete!!! A, É, Ê, I, classificadas como linguais, porque mexem bastante com a língua para ser bem pronunciadas, e Ó, Ô, U, chamadas de vogais labiais, pois precisam de lábios ardentes para soar com perfeição.

As aulas seguem e a gente canta, ou pelo menos tenta. E eu me descubro no grupo das sopranos, quando passei metade da vida como contralto. Danilo explica que a respiração abdominal é a mais preciosa: "Aquela que só as crianças e os iogues têm". E aí eu percebo que cinco anos na classe da mestre Cynthia realmente fazem a diferença. De repente sei o que é isso. Eu controlo meus músculos abdominais enquanto eu canto. Ponho a mão na barriga e vejo que eles estão ali, mexendo à medida que eu peço para eles se mexerem. Que insight! Que delícia! Meu canto agora é meu!

Na sala, pessoas que querem cantar por diversos motivos: passatempo, terapia, profissão, alegria... Porque sentem o chamado para resgatar o nosso primeiro som de comunhão com o universo. E isso não fui eu quem disse, quem dera, foi o monge Sato do Templo Budista: "O choro é o nosso primeiro canto". E de lá pra cá, a gente se entorpece e deixa de cantar. Tem medo, tem vergonha, tem vontade não. Mas não pode. "Cantar é mover o dom do fundo de uma paixão/Seduzir/As pedras, catedrais, coração..."

"E eu canto porque o momento existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste, sou poeta". Em legato (cantar fluido e continuo da frase musical) ou staccato (cantar quebradinho, ou seja, as notas da frase musical são executadas com suspensão entre elas), tanto faz. O passarinho canta e a gente imita...

P.S.: Tomás está na EMB também, aprendendo que cantar é unguento espantador de males miles. E, no fim do ano, estaremos os dois no palco passarinhando...

Passarinho canta
Lá na mata canta
Passarinho canta
canta sabiá...


Comentários

  1. Querida Luzinha

    Eu acredito que você tenha muito potencial para cantar, sabe por quê? Porque você tem fôlego, menina! Haja fôlego para mais uma atividade, não acredito! rsrsrs Admiro muito viu e bom resgate emocional para você!

    A única coisa de que me lembro, falando em coral, é o da minha única experiência, quando entrei para a "Igreja de Jesus Cristo do Santos dos Últimos Dias" aí em Brasília na adolescência. Fui até batizada! (minha mãe não compareceu, não sei por quê... rs) e fui mórmom durante, digamos, um mês (isso é que é um encontro verdadeiro com a religião, hein?). Pois bem, nesse fervoroso um mês de membro estadunidense mórmom (só que no Brasil mesmo), descobri que não era uma desentoada. Cantava direitinho junto a meus brothers and sisters mórmons. Eu também era soprano! (ou será que o maestro falou que eu estava "soprando" ao invés de cantar?)não lembro.
    De qualquer forma, o maestro me chamou lá na frente da multidão de coristas e me pediu para "dar o tom", cantar uma nota, dar o exemplo. Fiquei tão nervosa que o que saiu de minha boca foi um longo miado estridente e esganiçado. Dei um miado, mas paguei foi mico mesmo, entende? Puxa, que experiência inesquecível essa... ah, acho que agora me lembro porque saí da igreja e abandonei minha vocação para mórmom tão precocemente... rsrsrs

    Beijos
    Patty

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  2. Ah e fala pro Danilo voltar já para Minas! Que mania a desse estado de ficar exportando seus talentos?! rs. Ah, tá bom, desculpa vai, por você deixo ele aí mesmo, ok? Só dessa vez...

    Bjs
    Patty

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  3. É, o Danilo tem esse dom mesmo...
    além de paciente, ele vive e respira a sua paixão pela música e passa isso para as pessoas. Bom saber que vcs estão sendo bem orientados. No final do ano estarei lá para prestigiar o sucesso de alunos e professor. bjão Isa

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  4. "A música tem o poder de convencimento. Ela convence mais do que um discurso de palavras. É emoção".

    André Pires pianista, sobre seus 47 anos de carreira musical

    Ei, Luzinha!

    Esta é a frase de um dos participantes do "Festival de Coros" que está acontecendo por aqui, aí lembrei de você, que agora faz parte de um coral...

    A psicopedagoga com a qual tive algumas sessões me falou isso, que eu tinha que participar de algo como um coral ou dança do ventre...rs. Algo que me fizesse me soltar mais e que fosse em grupo. "Receitou" isso para mim. Eu teria até como participar de um coral dos estudantes do meu curso de francês da Federal, cantar em francês, seria divertido, mas, cadê que eu fiz?

    Estou pensando em, assim como você, experimentar algumas coisas novas e aproveitar que Juiz de Fora hoje vive um momento (espero que duradouro) de grande efervecência cultural. Assim, poderei dar asas a imaginação e ter momentos diferentes e criativos, faz bem prá alma e nos mantém jovens, né? E isso é pura boa influência sua! Sábado mesmo haverá um festival gastronômico por aqui, que nunca fui. Grandes chefs preparam pratos para o povo degustar... dessa vez eu vou! Só ainda não me animei para fazer, dentro desse festival, uma das oficinas, por exemplo, a de decoração de frutas e legumes, na qual você faz todo tipo de escultura com os "bichinhos" coloridos... rs.... mas ainda crio ânimo e chego lá!

    Bom queria te contar desse "espírito de aventura" que anda me rondando e que tem a ver com o que você tem me passado. Bom demais! Obrigada pelas influências positivas, tá?

    Beijos
    Patty

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  5. Ah, quantas lembranças da Escola de Música, nos idos dos anos 70 e 80... Éramos crianças tão pequenas, mas com horários, rotinas e cobranças de adultos! Quatro disciplinas por dia! Duas manhãs por semana! Professores e salas diferentes, em que o aluno é que se desloca, tipo UnB! Cada aluno pegava seu violino na sala de empréstimo, retirava e devolvia livro na biblioteca, comprava método na xerox, música para coral, mensalidade da APM! Isso tudo, com 6, 7 anos... Aprendi a ler partitura simultaneamente a aprender a ler. Foi ai, inclusive, que minha mãe descobriu que eu era míope, pois as bolinhas das notas nas pautas simplesmente se desmanchavam no quadro-verde.
    Mas as lembranças da aula de coral, com a professora Guiomar, nossa! Era a última aula do dia, horário da fome, mas nem por isso deixávamos de soltar nossas vozes infantis em músicas diversas... The sound of music, Bambalalão, Azulão, Ó Tupã, Canon, Canta mais e tantas outras, nossa, tantas das quais nunca esqueci...
    Desse tempo a música se incorporou na minha vida. Hoje, depois de anos de flauta doce, violino e piano, sobrou só o violão, sofrido, coitado, mas persistente, acompanhado agora pela bela voz dos meus filhos que também amam a música e principalmente cantar.
    Persista, Lu, a música é uma terapia, mesmo para os desentoados (categoria na qual, mesmo após uma tireoidectomia, não me incluo JAMÁS!!)
    BJ,
    Mônica

    Obs: preferi comentar essa do que a de suas aulas de Direito Civil, tá?

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