No meio do caminho, havia um professor para tirar todas as pedras





Diolinda, Vanilda, Carlota, Krishna, Dêda, Leonora, Grace... Todas foram ótimas personagens do meu romance. Nomes fortes e reais da história de amor que experimentei com tantas escolas da minha vida. 

Hoje pela manhã meu marido ligou a TV no jornal matinal. Quem eu vejo estampada na telinha? Krishna, minha professora de ginástica por tantos anos, agora professora de crianças internadas em hospitais. O rostinho delicado ainda delicado. Os cabelos encaracolados ainda encaracolados e loiros. Foi bom revê-la tão bem e realizada fazendo o bem! 

Carlota, com seu nome de velhota ranzinza, era mesmo uma moça chata. Responsável por uma cicatriz escolar no segundo ano. Meus oito anos nunca mais foram os mesmos depois que a professora afirmou em alto em bom som que eu havia colado a definição de ilha na provinha. Logo eu, que jamais fui capaz de tamanha ousadia por me considerar tão inteligente. Barbaridade! 

Diolinda, tão linda! Uma gaúcha trilegal que me fez aprender maravilhas no quarto ano. Mãe de uma xará chorona que estudava na mesma sala e da Juliana, dois anos mais nova. A tal Luciana era burrinha como uma porta e fazia muita chantagem emocional com a mãe. Tia Diolinda gostava tanto de mim que me levou a passar um sábado em sua casa lá no Setor Militar Urbano. O marido era soldado, cabo, major... Não recordo mais... Só o que retenho é a minha sensação de importância, de ser bem querida. Não tem preço. 

Por algum motivo alheio à nossa inocência, tia Diolinda foi demitida pelas irmãs do Notre Dame. O quarto ano inteiro entrou em convulsão. Realizei o meu primeiro protesto formal aos dez anos de idade. Com giz, riscamos todo o pátio com frases de apoio à tia Diolinda. Não adiantou. A frustração de não ter os anseios acolhidos... Experiência que se tornaria rotina nesse Brasil brasileiro. 

Leonora, a primeira. Casada com um careca mais baixo do que ela. No jardim de infância me recebeu de braços e afeto abertos. Deu-me o primeiro papel de destaque da minha curta carreira artística: Maria, mãe de Jesus. Coberta de cetim azul arregalado, encenei o presépio com um bebê de verdade! 

Dêda, a enérgica professora de dança com cabelos curtos iguais ao da minha mãe. Era meio madrasta, arrebentando com os meus sonhos de primeira bailarina. Mas me ofertou disciplina, obstinação e amor à dança. Aprendi meio na marra, confesso, um tantinho de humildade. Nunca seria o que gostaria de ser porque, às vezes, não adianta apenas querer muito. Simples e dolorido desse jeito. 

Grace era doce até no nome. Inspirada, com olhos brilhantes. Sinônimo de devoção pedagógica, era do sul também, se não me engano. Tia do terceiro ano que levou o Ziraldo para bater papo com os alunos no extinto Colégio Inei. 

Essa tia morava perto da escola, do outro lado da L2 Sul. Tinha um marido devotado, pareciam apaixonadíssimos. Grace teve uma excelente ideia para manter a serelepe Luciana - que terminava todas as tarefas em tempo recorde – ocupada: transformou-me em monitora. Eu entregava deveres, provinhas, recolhia trabalhos... Ai, ai, quanta responsabilidade! 

Vanilda, a segunda tia do importantíssimo pré-primário. Aprendi a contar até cem, a ler pequenas histórias, a ser e estar. Tia Vanilda era dez! Solteirona, imponente. Mantinha a turma em regime de contínua concentração, apesar de algumas escapadelas paras as carteiras alheias de vez em quando. Sob a batuta da tia Vanilda, ensaiamos um teatrinho que até hoje me diverte e tinha uma musiquinha assim: 

Meninas: “eu sou a florista, estou vendendo flores, se queres uma flor, paga-me um tostão! 

Meninos: “eu não quero flores, quero é teu coração!” 

Já imaginaram o frisson, né? Todos os possíveis amores platônicos entre crianças de cinco, seis anos estavam no ar... 

Não sei por que todas essas mulheres de fibra boas e más comuns a qualquer ser humano ressurgiram em mim. Aliás, sei: culpa do bem da Krishna, que reapareceu assim, se avisar, e me deixou contente como aquela professora do filme "Happy-Go-Lucky", além de grata pelas "tias" que encontrei ao longo do caminho de crescer. Mestres que merecem - sempre - reverência. 

Ensinar é apontar as melhores direções. Acredito que a maior parte deles, fez com competência o seu trabalho. Tive sorte! 

Feliz Dia do Professor! 



Comentários

  1. Deda...

    Se a Deda ainda desse aula em algum lugar, certamente minha filha seria aluna dela... Oh saudade daquelas coreografias super bem ensaiadas... Não era esta m... de apresentação de ballet que eu tenho que aguentar hoje em dia!


    Sei lá porque me lembrei da professora de história... Aquela loura que profetizava :"Ai do mundo quando o gigante adormecido acordar! (se referindo à China!)

    Agora que sou mãe, e que sou obrigada a conviver diariamente com a incompetência reinante no Moraes Rego, é que vejo como nós tínhamos bons professores!


    ResponderExcluir
  2. Tinha que ser vc, estamos carecendo de homenagens! E mais dica de filme! u-hu!

    Beijos,

    Patty.

    ResponderExcluir
  3. UhUUU!!! Viva todos nós, eternos aprendizes... É sempre uma troca!

    Namastê,

    Cynthia.

    ResponderExcluir
  4. O melhor presente para um professor é ser reconhecido e recordado com carinho por seus alunos. Neste post amoroso e nostálgico, você nos presenteia hoje com palavras doces para alegrar nossos corações, que por sinal já vivem muuuuitas emoções! Obrigada!

    Patty.

    ResponderExcluir
  5. Oi Luciana, muito obrigado! Legal ler a homenagem que vc postou para suas antigas mestras. Gratificante saber que começa a despontar um brotinho de reconhecimento em nossa sociedade.

    Beijos,

    Thiago.

    ResponderExcluir
  6. Esse texto é uma lindeza!

    Juliana Cruz

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ousadia

Presentim de Natal

Horizonte de Eventos