Apocalipse Now!




Vivendo nessa Brasília escaldante, sauna ao ar livre, não posso deixar de recordar um livro que marcou minha adolescência: “Não verás país nenhum”. Ignácio de Loyola Brandão narra a existência de um país transformado em deserto de água, sombra e de almas leves. Metáfora de um Brasil pós-apocalipse desolado e assustador. 

Será que chegaremos lá? A nação nenhuma? Será que vamos desistir? Leio alarmada e mais triste a manchete de jornal: Brasília terá outra região administrativa que, até 2050, deve contar com mais 900 mil habitantes (torço para ter lido errado essa cifra. 90 mil já seria um número exorbitante; 900 mil, ultrajante!). Desastre antinatural em vias de se tornar realidade. Como podemos destruir nosso país assim, sem dó nem piedade? Quando as megalópoles deixarão de ser espaço compatível à vida em sociedade? 

Agora é assim no Plano Piloto, ilha da fantasia elitista ao extremo: um sol para cada cabeça. Parece que um astro-rei me segue e queima meus miolos onde quer que eu vá. Se não chove, é caldeirão. Sem concessão. Cadê aquela capital amena, suavizada pelo entorno de cerrado intocado? A ganância comeu. Os maus políticos e os maus cidadãos que votam em maus políticos destruíram o sonho de Dom Bosco. 

No lugar das grandes áreas para escolas, igrejas e clubes de vizinhança, mais prédios de quitinetes, mais salas comerciais, mais, mais, mais... A sanha de um progresso obsoleto vem transformando Brasília em uma quimera: metade besta ignorante, metade luxo idiota. Condomínios cercados, arames farpados, artificialidades de uma sociedade cancerosa. 

Esse país caminha para a autoextinção e não aprende com seus erros. Fomentar uma São Paulo e um Rio de Janeiro parece não ser suficiente. É preciso criar um exército de monstros desajeitados, opressores e incontroláveis. 

Estive em Salvador há dois anos e vi no que se transformou a linda faixa de terra vizinha às praias do Flamengo e Stella Maris: centenas de condomínios fechados por muros, arames farpados e eletrificados. Não existe mais convivência e, sem ela, neca de cidadania. 

Dirigia - porque caminhar sem calçadas ou praças era ameaçador - em um futuro catastrófico formado por campos de concentração. Cada comunidade vivendo isolada, sem conhecer ou dar a mínima para o que se passa além-muro. Apartheid vicejante. 

Distrito 9, Elysium (só para citar uns exemplos mais óbvios)... Todavia, o brasileiro não precisa ir ao cinema para assistir às diversas variações das distopias. O inferno tá aqui do lado mesmo, na construção de mais um arranha-céu que tira da cidade o horizonte. Na inauguração de mais um condomínio que promete a vida perfeita dentro de seus limites idiotizados. Nas grotescas favelas estruturadas e legitimadas, como se representassem zona idílica para se criar uma família.

Um centro urbano só é orgânico se compartilha seus habitantes com generosos abraços de fontes, bibliotecas, ruas, ciclovias, jardins e metrôs. Se o que é de todos torna-se mais gracioso do que é de um, ou de uma minoria. Porém, as capitais no Brasil estão se tornando carros-fortes: impenetráveis, abafadas, ostensivas, horrorosas. Um ataque ao design funcional e criativo. Uma aberração urbanística. As pessoas não se atrevem a sair do próprio bairro... 

Convoquemos os Black Blocs para lançar uma bomba nesses enganos! Melhor: as eleições estão aí. Não abra mão da sua consciência, certo?



Comentários

  1. Tudo o que você escreveu é verdade... Mas a violência também é verdade.

    Estou acabando de colocar grades entre os telhados da minha casa. Vou vier numa gaiola. Pelo menos vou poder dormir mais tranquila.

    Rodrigo e eu temos conversado muito sobre esta questão da moradia. Não creio que depois que meu pai tenha passado para a outra dimensão, a gente queira continuar morando naquela casa.

    A gente quer ir para um condomínio fechado. Se a gente ganhasse na loteria iria para aquele Condomínio Ilhas do Lago: um espetáculo! Mas só o condomínio é R$ 2.000,00 por mês.

    Vamos ter que nos contentar com um apartamento na octogonal, provavelmente. O que também é muito luxo para um país de miseráveis como o nosso! Aliás, todo mundo que mora no Plano Piloto é privilegiado.

    Se eu descobrir algum político em que valha a pena votar nas próximas eleições eu aviso.

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  2. Poizé, Larinha,

    também não tenho a mínima ideia em quem vou depositar a confiança dos meus votos... Tà muito complicado. O cenário é desmotivador ao extremo. Ontem mesmo conversava com o Bernardo sobre isso.

    Quanto à violência, é o outro lado da falta de políticas públicas, de políticos com espírito público. Cercar-se num condomínio não é a saída em médio prazo. Pode até parecer seguro, mas é falsa sensação de segurança. Quem fica preso somos nós... Recuperar as cidades, os espaços comunitários, escola integral para todos, áreas de lazer para todos... Essa é a saída para o fim da violência, inclusive.

    Sim, quem mora no Plano como você e eu somos totalmente privilegiados. Mas a cidade era pra ser pouco mais que o Plano Piloto e agora virou uma cornubação de problemas e violência.

    Minha irmã também colocou cerca eletrificada na casa dela. É triste, mas é a realidade abjeta deste país.

    Beijos e obrigada pelos comentários assíduos,

    Lulupisces.

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  3. Outro dia conversando com uma professora aqui em JF decobri que ela morava em Brasília e na mesma é poca que eu. Eu fiz referência de onde eu morava, no Guará e tal... ela disse quando vai à cidade não reconhece quase nada... tudo muda e muda muito rápido... o entorno aí é caótico demais, né? Na minha época, ia até Samambaia, eu lembro. Hj vejo na tv notícias, sempre de violência, envolvendo cidades-satélite das quais nunca ouvi falar, sem estrutura nenhma, num verdadeiro faroeste caboclo, já cantava Renato Russo.
    Aqui em JF vejo todos oss anos espaços históricos, casas centenárias maravilhosas sendo derrubadas a olhos vistos para a construção de prédios residenciais e comerciais. Não existe lei do patrimônio que segure esse povo. Outro dia um centro artístico-cultural que funcionava há vários anos foi fechado porque algum endinheirado comprou metade da rua onde o local funcionava. Isso mesmo... Um cinema construído em1958, considerado um dos melhores do país até a década de 1990, foi posto abaixo para a construção de um estacionamento! Fiquei revoltada! A obra está embargada porque está ameaçando a estrutura do prédio que há em cima daquele espaço... e agora nem cinema, nem estacionamento (ainda bem), nem nada. Os artistas tentaram de tudo para que ao menos ali virasse um centro cultural, como fizeram com um outro antigo cinema daqui, que estava fechado anos e que deu super certo. A cidade perde em todos os aspetos e mergulhamos dia a dia numa claustrofobia cinzenta em meio a esse concreto que nos oprime.
    Bjs

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