Criancices



Tá bom, tá bom. Todo mundo volta ao passado ao postar suas fotos melancólicas, sujinhas e feiosinhas no Facebook. Naquele tempo não tinha photoshop e nem câmera digital. Não era permitido aos pais corujas escolher o melhor ângulo e registrá-lo em cem closes diferentes. Os filmes caros, as máquinas esparsas... Resultado: as imagens que a gente trouxe da meninice, às vezes, cabem dentro de um único envelope. Quando penso que meus filhos têm inúmeros álbuns, sem contar nos 350 arquivos de fotos bagunçadas no computador... 

Hoje é assim, tudo a laser, em escala global: cornucópias cuspindo abundância... Talvez nossos filhos e netos não vão se comover com aquela primeira foto no parque, os livros que povoaram as primeiras elucubrações, com as brincadeiras de rua (que rua?)... Mas essas reminiscências desencadeadas pelo transbordamento de cliques da infância dos amigos no FB, foi desnovelando tesouros guardados entre os colegas de trabalho. 

Um grupo de pessoas na casa dos 40 começa a contar e cantar suas aventuras e desventuras em série. Uma lembra que foi uma bota no auto de Natal da escola. Sem saber a letra, ficava dublando a música até que um coleguinha de classe sem serviço dedurou a coitada para a professora. À outra coube, com oito anos, cantar uma música sobre a Samaritana na festa de Páscoa da igreja. A letra dizia assim: “Tantos amantes na vida, fugaz alegria, tão curto prazer...” 

“E você brincava de tocar a campainha?”, me pergunta o economista. Claro! Uma das brincadeiras favoritas! Eu, que morava em quadra de casa, era só escolher o bloco e sair apertando cada uma, num tempo em que não havia grades altas, cercas eletrificadas, interfones... “E brincar de apertar todos os botões do elevador?” E de carniça? Polícia e ladrão? Subir em árvore? Ralar o joelho naquela curva maldita depois do indefectível tombo de bicicleta? 

Relembro de uma vez icônica, no time dos ladrões, na qual me escondi em cima de um formigueiro. Tão excitada estava, que só dei conta da armadilha quando estava completamente coberta de formigas. Saí correndo aos berros e a imagem de minha mãe me lavando com o chuveirinho na velha banheira branca até hoje está guardada. As formigas indo embora pelo ralo... 

“Meu pai tinha uma cristaleira de pés fininhos onde ele guardava livros, os preferidos.” E aí se abriu a porta mágica da literatura... Voltamos ao mundo da coleção “Para Gostar de Ler”, que formou mais de uma geração de brasileiros. “A Ilha Perdida”, “Éramos Seis”, “O caso da Borboleta Atíria”, “O Escaravelho do Diabo”, “O cachorrinho Samba”... A série somou 108 títulos, obrigatórios para quem foi criança na década de 70, 80. 

Docemente, resgatei minhas memórias sobre a “Coleção Vovô Felício”. História de bichos e animais... Por que a girafa é muda? Porque curiosa que era, não aguentou esperar a surpresa da festa, subiu numa árvore para ver a organização, derrapou e fico presa pelo pescoço que foi ficando comprido, comprido enquanto o peso do corpo dela esmagava as cordas vocais... 

“A Montanha Encantada” e sua cidade perdida de anões... “Eu quero um vestido de arco-íris!”E eu um de céu estrelado”! “Polianna”... Nossa, eu detestava Polianna, diz a bota de Natal. Pois eu amava, li nove vezes, declara a Samaritana. 

Ai veio a recordação do meu estrelato infantil: o papel de Emília nas celebrações do Dia do Livro no colégio Inei. Veio também as quedas das árvores, dos cavalos, as brincadeiras no prédio abandonado da 213 sul... As picadas de marimbondo, os caixotes no mar, as crueldades escolares: "Me chamavam de boca de jacaré! E eu de orelhuda! No meu caso, era cara de batata, dente de vampiro! 

E desse modo as memórias se transformaram em palavras, em risadas, em fortalecimento dos laços além das atribuições profissionais. As armaduras e cicatrizes da vida adulta caíram por terra. Os corações voltaram a ser puros e divertidos como só as criancices nos deixam ser. O dia ficou perfeito!




Comentários

  1. Olá, Lu!

    Quantas saudades dessas criancices... Você teve uma criancice mais cheia de peripécias, mais brinquedos etc... Quanto a mim, só brincadeiras de rodas, bonecas de panos... Tudo foi ótimo, sem maldades, só saudades mesmo! Eita tempo bom...

    Beijos,

    Eni.

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  2. A apresentação de ballet da Larissa este ano foi antecipada porque a professora vai ter neném. O tema foi Brincadeira de Criança. Logo no início o narrador tenta resgatar brincadeiras como amaralinha, boneca, fita etc. que hoje são relegadas a sei lá que plano, porque as crianças só querem saber do mundo virtual. Uma pena...

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  3. Adorei, Lu,
    Muito legal ver nossas reminiscências infantis eternizadas na net!
    Beijo,
    “A Bota”

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  4. Lu!
    Adorei o texto sobre nossa conversa ontem. Fora, de fato, hilário relembrar a infância de cada um de nós - apesar de ter apenas 23 anos, e não fazer taaaanto tempo assim que minha infância passou.
    Bjo!

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