Histórias do breu


Programa da noite na fazenda era tomar banho, forrar a barriga com uma boa comida feita pela mamãe no fogão à lenha e correr para as redes da varanda da velha casa. Limpinhos, meus amigos e eu nos aninhávamos para evitar o frio que sempre vem quando se está no meio do mato. As histórias de terror começavam. Cada um tinha um caso sobrenatural para contar.

– E aquela da mulher que morreu quando o carro caiu no despenhadeiro, mas voltou para a estrada para avisar do acidente?, disparava Marco Antônio.

– Cruzes!!, encolhia-se Lara.

– Mas por que ela voltava?, eu queria saber.

– Porque seu filho estava vivo no carro e ela queria que algum motorista ajudasse a socorrê-lo.

– Nossa! Que coisa! Será que foi verdade mesmo?, desconfiou Dri.

– Quem te contou essa história?, perguntou Dedéia.

– Ah, foi o Peba lá no Notre Dame, respondeu o contador.

– Xiii... o Peba é o maior mentiroso da sala!!, lembrou Bila.

E assim acabava uma e começava outra. Não sei por que tinha de ser de terror. Mas tinha. Acho que era o escuro em volta. No mato, a noite cai como uma lata de tinta preta sobre tudo. Onde a luz elétrica não ilumina, fica um breu danado. A gente não enxerga nem a ponta do nariz. Mas quando tem lua cheia é diferente. O brilho pálido meio prateado dela enche toda a paisagem. A gente vê o contorno das árvores, dos morros, das casas.

Mas as histórias de assombração combinavam mais com as noites escuras, especialmente aquelas do dia 31 de outubro, data bruxuleante.

Nada se via fora da varanda iluminada. Mamãe assistia à tevê lá em cima. E a gente contando e ouvindo casos espantosos.

– Vocês ouviram esse barulho?

– Que barulho Kédyma?, perguntava Lígia, com os olhos apavorados.

– Esse vrum, vrum, vrum...

– Ah, deve ser morcego, disparei, achando graça do medo das duas.

– Ai, eu detesto morcego, chiou Patty, com sua vozinha sumida habitual.

– Pois eu sei uma história superlegal de vampiro!!!, recomeçava Marco Antônio para assustar ainda mais as meninas.

– Ai meu Deus, esses morcegos chupam o sangue da gente????, berrou Lara, dramática que só ela.

– Claro que não, Lara. Estes morcegos não são da espécie vampiro. Esses que vivem na região Centro-Oeste se alimentam apenas de frutas e do sangue de animais como vacas e cavalos, explicou Cacau em seu tom enciclopédico.

E eu, para aumentar ainda mais a adrenalina, concordava:

– É verdade. Eu já vi cavalo com marcas de mordida no pescoço. O pelo do coitado fica todo sujo de sangue.

– Que nojo, Lu! Se esse morcego chupa ou não o sangue de pessoas, eu não quero nem saber. Só sei dizer que não vou ficar esperando ele aparecer na minha frente, ponderou Kédyma, sensata como ela só.

– Então eu acho melhor a gente subir, porque o frio está aumentando e o barulho de morcego também. VRUMMMMMMM!, gritou Marco Antônio, pulando sobre a gente como o conde Drácula.

Nessa hora, foi pernas pra que te quero. O escuro + as histórias de fantasma + os morcegos eram igual a medo, um baita medão. Quando a gente se deu conta, já tinha subido a escada correndo, atropelando uns aos outros. Mamãe viu a gente passar para o quarto naquela correria e, sem querer, adivinhou: 

– Ei, que caras são essas? Parece que viram assombração!




Comentários

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Como é bom recordar as nossas aventuras! Eita tempo bom que não volta atrás!
    Bjs, Dri

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    1. Acho que vc poderia escrever sobre a nossa aventura por dentro do rio, o que acha?

      Dri.

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    2. Dri,

      acho que eu tenho essa por dentro do rio escrita sim! Também vou postar por aqui. Era comédia pura, né? Altas emoções!!! KKK!

      Beijos e obrigada!

      Lulupisces.

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  3. Ai...ai... só você mesmo prá apaziguar esse meu início de segunda feira já estressadíssimo de aporrinhações de aluno em plena sete da manhã. Que delícia de lembranças e que delícia ser personagem de histórias. Sabia que eu dormi uma vez na parte de cima da beliche e tinha um morcego grudado do teto, pertinho da minha cabeça? Juro! Não falei nada ou se falei, foi depois e com a minha voizinha sumida...rs. Mas morcegos eram fichinhas perto do meu verdadeiro algoz: o BREU... rrsrsrs. Nunca tive medo do escuro, o que eu tenho é fobia. Até hoje e sempre terei, eu acho. Porque tem uma explicação para ela... lá no Notre Dame, na terceira série, quando estudávamos à tarde, eu, uma colega minha de outra turma e ainda um outro menino, ficávamos no saguão, depois da aula, esperando o pai dessa menina vir nos buscar de carro. O pai demorava, acabava caindo a tarde, escurecendo, e esse tal menino, diabólico, apagava as luzes e ficava nos fazendo medo, pregando mil sustos. Ele me colocava apavorada e isso me causou um trauma. Meu subconsciente associou o breu ao pânico. Eu tinha deletado o episódio da minha memória, até que lembrei disso a alguns anos, enquanto lia alguma coisa de psicologia e do nada tive um insight! Lembrei tudo e entendi o meu medo irracional do breu. Que coisa não?
    Mas, voltando a nossa história, obrigada por me trazer essas imagens, com o seu jeitinho especial de contadora. Bom demais recordar!

    Bjs
    Patty

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    1. Pattygirl, pois aguarde!! A próxima será exatamente sobre o seu pavor do breu!!! KKK!! Cê acha que eu não escrevi sobre isso também não, é? KKKK!!

      Fico contente por vocês se divertirem com essas histórias. É uma maneira de mostrar o quanto vocês são importantes para mim!

      Um beijão,

      Lulupisces-Luzinha.

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  4. Olá Lu,
    Saudades de vc e da Ioga!
    Os seus textos, como sempre, muito interessantes. Tenho tomado a liberdade de enviá-los para a minha irmã que tb tem dois filhos, um de 7 e outro de 2. Barra pesadíssima. Como vc disse, uma olimpíada em tempo integral.
    Mil beijos e uma vontade de te encontrar com a Clarice para falarmos bobagem.
    Veja aí na sua atribulada agenda de mãe, esposa e profissional se cabe um tempinho para um encontro.
    Bjks,
    Bruna

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  5. Querida Lu,

    Adorei recordar esses momentos tão intensos da nossa juventude! Realmente as noites nas redes da varanda com uma certa pitada de terror para as já apavoradas amigas eram demais! Se tiver outras histórias desse tempo pode postar pois recordar esses momentos sempre me traz muita alegria!

    Beijos,

    Marco Antônio

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    1. Olá Marquito,

      obrigada! Fico contente em vê-lo aqui no blog e, por boas coincidências do destino, no meu trabalho também.

      Muito bom retomar esse contato e continuar renovando nossos laços de afeto e amizade!

      Escrevo essas histórias, como já disse, para demonstrar o meu apreço por todos vocês que foram meus irmãos, irmãs e até primeiro amor ;), numa infância a adolescência inesquecíveis.

      Abraço apertado,

      Lulupisces.

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  6. Ah que estória gostosa Lu...me fez lembrar também de momentos da minha infância, acho até que ela é bem comum a todos.O escuro nos instiga a falar sobre assombrações...fantasmas...mistérios,vampiros,apura os nossos sentidos ao ponto de nos arrepiarmos dos pés a cabeça, rola até um gostinho prazeroso de sentir medo, claro que sempre de preferência com uma tchurminha,né? senão...ai,ai,ai.
    bjão!
    Namastê!
    Cynthia

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  7. Muito legal, Luzinha, esse resgate de amigos do Notre Dame... fiquei emocionada de ver as mensagens do pessoal no blog. Como um reconhecimento mútuo daquilo que vivemos juntos. Traz um sentimento bom de pertencimento, né... (como se diz na psicologia...rs)

    Mas, estranho, não lembro de Julia Beckman. Nem do sobrenome, nem dela, nem olhando a foto atual. Estou puxando pela memória, mas, nada. Achei que fosse uma amiga sua de faculdade.

    A nossa mente é mesmo muito estranha, não temos controle sobre as seleções que faz. Agora, com certeza, Júlia não participava do nosso "grupão", né... acho que andava com outras meninas.

    Tomara que consiga mais contatos! É muuuito legal!

    Bjs,
    Patty

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