Chapéu do Sol



A historinha abaixo foi inspirada no fascínio dos meus sobrinhos pelos jacarés. Um fascínio que sempre me espantou. Afinal, que bicho mais idiota, não? Passa a maior parte do tempo parado como se fosse uma estátua... Mas percebo que há algo de nobre e terrivelmente assustador nesta imobilidade. E é isso que vai continuar fascinando os garotos - principalmente eles - por gerações e gerações.


Para Daniel, Bruno e Diego, a primeira geração apaixonada por jacarés. E também para Tomás e Rômulo, a segunda geração que continua apaixonada por jacarés.


O jacaré papo-amarelo vive de papo para o ar. Junto com seus companheiros répteis, as aves e outros bichos de diferentes espécies, jacaré papo-amarelo mora na borda do rio Água Limpa, na mata Chapéu do Sol. Ali, árvores altas, muito compridas mesmo, fazem uma grande sombra em forma de chapéu (amassado, é verdade) sobre a clareira quando é três da tarde.

Voltando ao jacaré papo amarelo, lá está ele, deitado, só curtindo o sol quente da beira do rio, sem vontade nenhuma de papear. O jacaré papo-amarelo, conhecido pelos amigos como Zé Prepré, leva uma vida nada complicada:

Acorda, nada, come e dorme. Acorda, nada, come e dorme.

Às vezes até parece que o jacaré Zé Prepré virou estátua. Ele consegue ficar quietinho, paradinho, respirando bem fraquinho-devagarzinho por horas e horas. Se a gente olha para o jacaré distraído, pensa que o papo-amarelo morreu.

- Vamos brincar, jacaré? – Convida a cobra coral.
- Não agora, que estou no meu banho de sol.
- Vamos passear na floresta enquanto o lobo-guará não vem? - Atiça o quati.
- Não camarada, prefiro ficar aqui nesta soneca folgada.

Folgadamente, o papo-amarelo vai contando os dias da semana, dos meses, dos anos, sem dar muito papo para ninguém.

- Que bicho preguiçoso!! Cochicha a lagartixa.
- Que bicho sem-graça!! Graceja a garça.

Mas Zé Prepré não se importa porque nota que, na mata Chapéu do Sol, jacaré, assim como todos os bichos, tem seu valor. Um jeito único de ser e viver a vida.

Imagina só, ficar de galho em galho, como o macaco!
Ou cavando túneis na terra fofa, como a minhoca balofa!
E se eu fosse serelepe como a borboleta Penélope?
Bateria minhas asas daqui para ali e dali para lá. Quá, quá, quá!
Sorriu em pensamento, o jacaré sonolento.

E pensando na vida boa de jacaré que gosta de ser jacaré, o sonho chegou. Chegou também às três da tarde, e mais uma sombra chapeluda se formou sobre a clareira na mata. Hora da bicharada trabalhar animada:

O macaco palhaço pulando de galho em galho.
A garça pernalta descansando numa perna só.
A lagartixa artista se arrastando lisa.
A minhoca contando fofoca.
O bem-te-vi comendo pequi.
A borboleta fazendo piruetas.
O sapo pesado coaxando ao lado.
A aranha estranha trançando artimanhas.

Cada um na sua, fazendo sua parte com arte na mata Chapéu do Sol, que fica na beirada do rio Água Limpa, onde o jacaré papo-amarelo – tão belo – se bronzeia, pisca os olhos remelentos e gazeteia:

- Não tenho tempo para papo furado e ficar acordado.




FIM




Comentários

  1. Muito bom, Luciana!

    Bjs.

    Cecilia

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  2. Oi Lu, bom dia em meio ao ultrafog londrino cá no sul!

    Acho tão engraçada essa tua história com os jogos! Como está o Brasil, fazendo bonito ou na média?

    Eu não acompanho, primeiro porque não sou muuuuito esportiva (e tenho dificuldade até para levar na esportiva rsrsrs) e, em segundo lugar, porque o controle da TV não mais me pertence.
    Sempre me lembro de um texto teu no blog falando de filhos tiranos e pais permissivos, é a rotina aqui em casa...

    Teoria sobre jacarés, este é um bom mote. O bocão comilão sorrateiro e certeiro certamente tem a ver, não?

    Beijos,
    Ana.

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    Respostas
    1. Oi dear Ana,

      poizé, já vi algumas fotos de Curitiba em pleno fog... Facebook deixa a gente completamente antenada com tudo!!:) Até com as imbecilidades, infelizmente.

      Eu amo os jogos! Sempre curti esporte. Acho que peguei esse vício com o meu irmão Eduardo. Ele também era muito ligado. Fazia remo, saltos ornamentais, futebol, tênis... Um inquieto esportivo!! KKKK! E aí eu acompanhava tudo de perto, vendo na TV com ele.

      E logo também fui picada pelo vírus do esporte, me interessando por balé, educação física... Você sabe que eu prestei o vestibular para Comunicação e Educação Física? Passei nos dois e optei por Comunicação. Sei não, talvez tivesse tido mais sucesso na Educação Física...

      O Brasil está fazendo feio como sempre. É um vexame um país tão imenso, um celeiro de bons atletas, ter tão poucos representantes expressivos. A Olimpíada aqui vai ser um fiasco em termos de medalha. Ou então vai servir para o país acordar de uma vez por todas para a importância do esporte. Sei lá.

      Eu tenho um texto, aliás, dois textos sobre Olimpíadas no blog. Um deles se chama, exatamente, "Aberta a temporada de torcida pelas zebras". Dê uma espiadinha nele, cê vai gostar, mesmo sendo uma jacaré papo-amarelo que não quer nada com a dureza!!! Hahahaha.

      Está pronta para receber a minha visita? Eu vou ficar aí ou vou ficar na sua prima? Caramba, bem que podia estar um pouquinho mais quente no fim de agosto, né?

      Beijão,

      Lulupisces.

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