Prelúdio




Eu era uma menina que prestava atenção em nomes. Não pela tradição ou status que, por ventura, eles contivessem, mas pela beleza da sonoridade, das combinações. Júlia Beckman Meireles, Elion da Mata Ferreira, Lara Maria Albuquerque e Silva, Marco Antônio Mendes de Moraes, Helana Souza e Silva, Vanessa Demenjour Santos, Cláudio Dorça Stacciarini, Patrícia Franco Rodrigues... Nomes da lista de chamada que eu carrego no bolso da memória. É que desde muito cedo eu sabia o que era a orfandade de pai e de sobrenomes. Alcunhas se entrelaçando umas nas outras. Enleios...

Antônio Dorça Stacciarini. O menino mais bonito da minha infância. Meu vizinho, irmão do colega de sala, Cláudio, e de Clari e Taísa, "os filhotes de anu". Era assim que minha mãe se referia aos quatro filhos de dona Maria Inês porque eles eram muito brancos, penugens. Entretanto, a curuminha aqui encontrava a tribo ideal naquela casa da esquina, espaço lúdico, desenfreado para a livre expressão.

Maria Inês era o modelo vivo da maternidade renascentista. Musa leitosa sentada à relva rodeada por seus descendentes. Placidez em pessoa e gestos. Paciência. Antônio, Toninho... Talvez ele tenha sido o meu primeiro amor platônico. Toninho era uns dois, três anos mais velho e quando a adolescência o pegou desprevenido, se separou dos irmãos e de mim. Sintonizou outras brincadeiras.

Aos poucos, a casa da esquina já não era mais o meu refúgio. Mas inevitavelmente eu passava na frente dela todos os dias. Era o caminho obrigatório para a parada de ônibus. Numa tarde qualquer, fui atingida por um som de piano vindo de lá. Era Toninho, belo e recluso rapagão a tocar com precisão e delicadeza. Chopin era o seu preferido (arranquei dele, tímida e deslumbrada).

Então passei a ansiar pela minha passagem diária rumo aos afazeres extraclasse. A casa da esquina. Número 5, bloco E, 715 sul. Chopin. Romântico. Romance imaginado. Os cachos negros de Toninho em contraste com a pele alvíssima.

Mas, de repente, as notas se calaram. Toninho partira para o Rio Grande do Sul. Desistira da música para ser médico. Todavia doutor também não se formou e voltou para música. E da música se perdeu no universo nebuloso e torturante da esquizofrenia.

Muitos anos depois, soube pelo irmão Cláudio, que Toninho andarilhava pelas bandas de Uberaba, terra natal da avó materna, quando foi covardemente atropelado por um caminhão. Toninho, meu amigo. Antônio, meu primeiro artista amado... Que dor no peito!

Toninho, todas as vezes que eu passo em frente à Uberaba, elevo minhas preces e bênçãos até o céu para alcançar você!

Tema do post:




Comentários

  1. Caramba, é mesmo! Cláudio Dorça... a gente sempre falava o sobrenome junto, acho que por causa do Cláudio Scafuto Filho...rs. Vi uma foto do Elion, se for ele mesmo, e parece que é, virou advogado e tá gato! rsrsrs. Lembra que lá na escola a irmã chamava ele de "Elião"? A gente morria de rir!
    Que romântica a sua história com o pianista... pena que teve um fim trágico, como na maioria dos finais românticos...

    Bjs
    Patty

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  2. Pattygirl,

    esqueci de colocar o seu nome completo no texto... Eu também curtia muito o seu nome de solteira. Vou acrescentar agora!!

    É, triste mesmo o fim do Toninho. Dona Maria Inês não merecia perder um filho assim. Aliás, nenhuma mãe. Mas é que a Dona Maria Inês era minha minha mãe renascentista. Muitos bons momentos e aprendizados ela me proporcionou.

    Um beijo,

    Luzinha.

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  3. Você acaba de me encher de emoção com o "Prelúdio", as lágrimas ficaram contidas. Lembro-me de todos estes nomes que fizeram parte da minha vida e principalmente da D. Maria Inês, um tempo atrás eu fui a pé até o Pão de Açucar da 515 e a vi na rua eu a parei e falei: A senhora vai achar que eu sou doida mas vê-la fez me voltar a adolescência, ao Notre Dame, estudei com o seu filho Cláudio....e ficamos conversando um tempão ela sempre muito simpática!
    Muito obrigada por estas lembranças!

    Bjssssssssssss,

    Adriani.

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  4. Que texto! Que memória! E que fatos tristes também!
    Tempos muito bons aqueles...
    Você trouxe lembranças muito legais.
    Bjs,

    Júlia Beckman.

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    1. Júlia Julia Beckman, há quanto tempo!!

      Que bom te ver por aqui!! Acho que a última vez que lhe vi foi nos corredores da UnB, quando descobri que você fazia Psicologia. Grata pelos elogios.

      E você, o que conta da vida? Casou, mudou, tem filhos?:) Vamos combinar de fazer um brigadeiro para relembrar os velhos tempos!!!

      Beijão!

      Lulupisces.

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  5. Ai, Luciana,

    confesso que passei a tarde pensando no que você escreveu. Achei muito legal lembrar de todos os amigos daquela época, mas achei muito triste também. Meu dia mudou depois de ler o seu texto. Mas ficam as lembranças boas, não é? Obrigada!

    Julia Beckman

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    1. Julinha, Julia Beckman,

      sim, é triste mesmo o que aconteceu ao Toninho. Eu fui a um recital de piano na última sexta-feira e o Miguel Proença começou tocando Chopin. Imediatamente minha cabeça voltou no tempo e eu revivi todas aquelas emoções infantis/adolescentes...

      O texto saiu no meio do recital, peguei uma filipetas de propaganda e saí escrevendo no verso... Para um escritor é bom saber que o texto da gente mexeu com o leitor. Fico envaidecida e agradecida.

      E confirmo o convite: vamos fazer um brigadeiro na minha casa ou na sua para jogar conversa fora sobre ontem e hoje?

      Beijos!

      Lulupisces.

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  6. Lu,

    Que memória heim? Eu não lembrava dos nomes completos!!! Só você mesmo! Eu adorava a Maria Inês também, até porque eu era muito amigo do Claudio Dorsa, irmaõ do Toninho! Boas lembranças! Triste fim! Que Deus abençõe a caminhada de todos !

    Beijos,

    Marco Antônio

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  7. Oi Luciana,

    Desculpe não responder antes, não andei entrando na internet...
    Muito legal sua homenagem ao Toninho, me emocionei aqui, suas palavras estavam inspiradas!
    Hoje peguei o envelope que deixou aqui, não sei se tocou a campainha, se foi começo da noite eu tava deitado descansando por causa de um tratamento que to fazendo. Minha mãe foi hoje (segunda 13) pra Uberaba ver os pais, quando ela chegar vou mostrar, vai adorar!

    Lembro de ter te mandado email tempo atras, o hotmail as vezes manda pra lixeira ou spam, me passa seu telefone! Não vamos preder o contato, sempre lembro com muito carinho da nossa infancia, acho que tivemos sorte e muita felicidade!

    Bjs,
    Claudio.

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    1. Querido Claudio,

      sim, tivemos mesmo uma infância de sorte e felicidade!!! Que bom que recebeu esta pequena homenagem a tudo que a sua família representou para mim. Tenho muito carinho por todos vocês e quero saber como vão Taísa e Clari...

      Quer dizer que seus avós ainda estão em Uberaba, firmes e fortes? Que legal!!!

      Uberaba era o meu sonho de consumo na infância... Eu morria de inveja porque vocês sempre iam para Uberaba e a cidade cresceu na minha cabeça como uma espécie de paraíso na Terra!! KKK! Só adulta, com dois filhos, é que fiquei hospedada, enfim, em Uberaba. Realizei um sonho infantil!! A cidade é bem bonitinha, né? E vendo o melhor doce de leite do Brasil: o da cooperativa Rádio.

      Um beijão,

      Luciana-Lulupisces.

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  8. Querida menina,

    Que surpresa maravilhosa você me fez com esse texto! Revi todo aquele bom tempo em que tive meus quatro pintainhos debaixo das asas e mais você, que era a minha 5ª filha. Daí a um tempo, vieram também o Rodrigo e a Mariana, para completar o time.
    Mas não lamento o final dessa época, porque ela está guardada em minha vida para sempre; faço como que uma espécie de moldura daqueles anos e costumo reviver aquela fase trabalhosa e plena da alegria de vocês como se fosse um lindo quadro que revejo quando quero.
    Hoje, depois de todas as mudanças que a vida traz, digo a você que a fé em Deus e o amor pelas pessoas queridas, na família e fora dela (e é aí que você entra, querida filha postiça) me motivam a seguir em frente e a ter a esperança e a certeza como meta, principalmente a certeza de que os nossos mortos queridos não estão mortos, mas nos esperam no fim do caminho.
    Um grande beijo. Que Deus a conserve como é e abençoe você e sua família hoje e sempre.

    Maria Inês

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  9. Luciana, que lindo e gostoso relembrar tão alegre fase em nossas vidas. Acabei de achar este lindo texto e o fato é que tocou, emocionou e estendeu a homenagem a todos nós que fizemos parte desses momentos e os vivemos como o melhor de nossa infância. O mostrei para a Elaine que também se emocionou e ficamos relembrando tudo. Constatamos como fomos felizes nessa fase também. Hoje, mesmo encontrei a Dona Maria Inês e pude relembrar suas palavras que a traduziram como era de fato: Uma querida que sempre nos dava espaco em sua casa como dava aos seus quatro meninos branquinhos e carinhosos. Que sempre fazia seu maravilhoso bolo de chocolate de três andares e seu brigadeiro perfeito. Fora as festinhas de aniversários compartilhadas com nossas mães amigas. Tempo muito bom!!! Você também foi muito importante em minha vida, minha melhor amiga de infância. Lembro de tudo que aprontavamos e depois dos casrtigos. KKK. Obrigada por me trazer tamanhas boas lembracas. Ainda moro na mesma casa eespero te ver em breve. Bjs Vanessa e Elaine

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    1. Vanessa e Elaine,

      que emoção ver vocês por aqui!! Fiquei mesmo muito feliz!!

      Sim, nunca me esqueço de vocês nem da nossa infância, que foi tão rica de experiências, de alegrias e de afetos!!

      Vou passar na sua casa para lhe dar um abraço!!

      Beijão,

      Lulupisces.

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  10. Nossa, tô igual mulher traída, agora que vi essa linda homenagem! Que saudades Luciana, Vanessa, Elaine, e de tudo que vivemos juntos na infância. Mas agora entendi porque você, Luciana, brincava com as pirralhas... era tudo por amor kkkkkkk Saudade, beijos mil! Clari.

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