Pepitas







Esses objetos do desejo, os livros. Recuso-me terminantemente a crer que eles vão se acabar. Será? Será? Pergunto, relutante e arrogante, ao Bernardo enquanto folheio, embevecida, as novidades literárias da Livraria Cultura.

Meu marido tecnológico afirma, com todas as letras gigantes, (Rômulo questionou à mesa do café por que as letras são pequenas, por que não há letras gigantes) que SIM! E eu quero responder: NÃO! (Do tamanho da imaginação sem amarras do caçula).

Não posso admitir que os tais e-books vieram mesmo para substituir o prazer indescritível da folha de papel. Não tem volta? Não tem coexistência? Por que um tem de, obrigatoriamente, tomar o lugar do outro? Eu ainda acredito que esse alarde todo é mais uma dessas teorias da conspiração. Que os livros tradicionais vão continuar nascendo, crescendo e se multiplicando, talvez não na mesma velocidade ou pluralidade, mas na medida suficiente para manter os apaixonados por seu peso, cheiro, tamanho e cores, apascentados.

Não sei quando meu amor pelos livros começou, mas ele é legítimo e incondicional. Quem sabe brotou no momento no qual fui chamada a decorar um texto grande para a apresentação do Dia do Livro. Tinha nove anos e a professora de Artes disse que eu seria uma Emília perfeita. Eu? Emília? A “ídola” da minha infância? Claro, é pra já. E ela me colocou aquele monte de palavras nas mãos. Três parágrafos para ser recitados na ponta da língua.

Estremeci, mas não esmoreci. Aceitei o desafio e, na hora H, lá estava Luciana toda serelepe, devidamente travestida de boneca-gente, bem bonitinha com os cabelos cheios de laços de fita, meia de balé remendada, boquinha de coração a recitar: “Há livros pequenos, há livros grandes, há livros de todo jeito. Mas de um jeito ou de outro, os livros são sempre úteis”. Momento maior da minha carreira artística que não foi registrado a não ser pelas lentes de minha pequenina alma.

Acho que foi ali que eu me dei conta que ler era a maior viagem, a mais incrível liberdade, a mais louca invenção que tinha ao meu dispor. Eu lia, logo existia. Não precisava dar satisfação a ninguém das minhas traquinagens mentais. E com a leitura, ganhava o mundo e gostava cada vez mais de descobrir histórias e de escrever sobre meus sentimentos.

Desse modo me sinto até hoje quando entro num templo dedicado ao consumo amoroso do livro, caso da Livraria Cultura. Ali, tudo é feito para você se apaixonar pelo produto. Mas nem precisava, né? Impossível sair daquele templo com as mãos abanando. A maior parte das mulheres do mundo não resiste aos sapatos e bolsas (taí, não me provocam nenhum descontrole financeiro). Não que eu não adore roupinhas originais e pratarias (essas, sim, objetos do desejo), mas com livro é certo: sempre quero ter um novo em casa.

Eu gosto de tê-los ao meu alcance para eventuais consultas. Leio livros emprestados, mas é comum experimentar certo coito interrompido por não poder marcar as frases que me são caras e elucidativas. Já houve casos de comprar exemplar igual para o amigo emprestador porque, simplesmente, não deu para controlar: grifei sim, tá entendendo?

Livro, para mim, não é apenas enfeite de muito bom gosto, como também utensílio doméstico e ferramenta terapêutica. Se eu vivo de escrever, é preciso que eu faça dele o meu companheiro fiel. Livros me dão ideias, me dão conselhos, me dão medo, desconforto, alegria, tesão.

E tem de ter capa bonita, diagramação fluida, tipologia elegante, folhas de densidade agradável ao toque e, fundamental, título de arrepiar como “Há quem prefira urtigas”. Gente, não dá ganas de ler um livro com um chamariz desses? Às vezes eu compro um livro só pelo título e acabo me fascinando pelo o autor.

Com Amós Oz foi assim. Jazia perdido no meio da pilha de obras na feirinha “Conhecer uma mulher”. O título me fisgou e voilá: adorei a obra e o escritor desde então. Com “O rastro dos cantos” aconteceu similar fenômeno. Depois fiquei sabendo que Bruce Chatwin já era consagrado por ter escrito “Na Patagônia”, que ainda não li, mas está na lista.

Sem falar nos livros infantis, esses, de fato, um apelo ao bom senso do orçamento doméstico. Preciso ser arrancada da seção ilustrada. Começo a futucar, futucar, ler e reparar na riqueza das ilustrações; no autor da história e se os desenhos estão à altura do texto, vice-versa, e aí entro numa quarta dimensão.

Resultado: saí da livraria uns cem reais mais rica. Do garimpo, encontrei lindas pepitas: “As intermitências da morte”, do Saramago; “O velho e o mar”, de Hemingway (que absurdo ainda não ter lido nada desse cara!) e “Romeu e Julieta”, de Ruth Rocha.

Ainda fiquei namorando “O último suspiro do mouro”, de Salman Rushdie e “Trudi e Kiki”, da Eva Furnari, escritora-ilustradora maluquetes adorável. Infelizmente, os bolsos andam magros. Foi duro deixá-los ali, abandonados no balcão.

Ficarão para a próxima garimpagem, pois não.


Comentários

  1. Eu também espero que isso nunca venha acontecer Luciana, pois o prazer de pegar um livro e passar suas páginas e insubstituível .

    Beijos,

    Cecília

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  2. Blog de cara nova, moça?

    Falando em livros, terminei "A filha do coveiro". Se tiver interesse, disposição e fôlego para atravessar as 600 páginas, te empresto com gosto. Meu palpite é que cê vai gostar. A parte final (que dá uma ginada na forma como a história vinha se desenvolvendo até ali) me fez lembrar demais na forma meio torta que a gente (você e eu) começou a se conhecer.

    Até.

    Valdeir Jr.

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    1. Poizé,primo, fazendo umas experimentações de layout, mas esse ficou muito azul... Sei lá, tá parecendo quarto de bebê menino, sacas? Acho que vou trocar de novo.

      Sim, eu quero, mas ando cada dia mais lenta para ler... Vou demorar mil anos pra te devolver, tá?

      Beijo,

      prima.

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  3. Lu,jamais isso irá acontecer, me recuso acreditar, que seja possível...e-books substituir o nosso amado livro, com sua textura,peso e cheiro...lembro-me de meu pai, um leitor fisurado, voraz, ele tinha a mania de cheirar os livros...achava bom o seu cheiro!!!E quanto ao grifar passagens do livro, fique tranquila, o que lhe emprestei pode mandar ver,viu? Eu também tenho essa mania, Caca fica louco!!!
    Bjão!Namastê!
    Cynthia

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  4. Lá no Rio sempre corro para a Livraria da Travessa, um verdadeiro templo literário! Com poltronas confortáveis para passarmos horas "bicando" as leituras que nos agradam. Tenho uma mania: Não descanso enquanto não leio o título do livro que algum desconhecido está lendo. É tão difícil ver brasileiro ler na rua, né? Também adoro o cheiro dos livros, das revistas de educação que assino, cheiro tudo! Meu entendimento começa assim, pelo olfato... é algo orgânico, rs.
    bjs
    Patty

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  5. E aí,quando comecei a ler,lá pelos tantos, às vezes não admitia que outros conseguissem viver sem VIAJAR! Quando comentava algum devaneio meu ou do autor ou da personalidade do mesmo,e não encontrava retorno,pensava: "Ou eu sou louco ou esses são uns otários".

    Hoje,digo que continuo com o mesmo pensamento, ou será devaneio,ou será viagem ?!!! Massa, Emília!Sabia que você me fez voltar a ler mais? Linda!!!

    Marcelo Melo.

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    1. Ah, com certeza os outros são uns otários, queridíssimo Marcelo!!!:)

      Sigamos, pois, viajando bastante. Em todos os sentidos.

      Abração afetuoso e obrigada pelo apoio. Nenhum elogio é maior para o escritor do que saber que seus leitores estão lendo mais.

      Lulupisces.

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  6. Oi Luciana,

    Se o Bernardo esta certo eu nao sei, mais se ele estiver vai demorar muiiiitos anos para os livros sumirem de vez. Cada vez que eu entro na Barnes and Nobles eu me pergunto para onde que vao parar todos esses livros?
    Beijos,

    Eve

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  7. Minha linda!
    Nuncatevievouteverqualquerhoradessas...
    Você é uma pepita de ouro... Mas dessas bem puras e pesadas!
    Bjos,

    AnaLu.

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  8. Amiga,

    esta é uma paixão que temos em comum! E eu me recuso a acreditar que vou ter que deitar no meu sofá surrado com um tablet na mão. Nem pensar!

    Inventei de estudar para concursos e desde o dia 27/01 não me dou ao prazer de uma boa leitura. É só direito, atualidades, informática... Já está me dando urticária!

    Neste final de semana, sem falta, eu compro um livro!

    Os últimos que li foram Quarto da Emma Donoghue e A última música do Nicholas Sparks. Quarto é excelente! Mas é forte. Fala de um sequestro de uma forma muito original.

    A última música é denso. Mas chorei até me acabar... Não vou dizer o porquê, afinal alguém pode ainda querer ler o livro.

    A propósito, estou aqui matando minha sede de literatura lendo seus textos.

    Abraços!

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    1. Larinha,

      quero esse "Quarto" emprestado, viu? É, eu sei que você é das minhas... Aliás, acho que todas nós nessa meia idade (cruzes) não gostamos da ideia de ver os livros de papel sumirem da face da Terra.

      Beijos,

      Lulupisces.

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  9. Oi amiga Lu,

    Seu blog tá muito legal! Sempre que posso venho aqui... Mas são visitas rápidas tipo come e vai embora antes da sobremesa até...rsrs.
    Saio sem deixar nem um comentário, mas ideia e vontade sobram...
    Adorei o artigo sobre seu amor pelos livros... Será que já conseguiu ver a animação?

    bjão,
    Marcia

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  10. Lindo texto Lu, é exatamente assim que penso...adoro ler ,livros de papel ,gosto de tudo, da textura, encadernação,ilustrações e até do cheiro me lembra muito a minha infância pois o meu pai era um leitor voraz e ele adorava cheirar livros e nós eu meus irmãos achávamos aquilo muito bizarro e ficamos rindo no cantinho...e hoje me vejo cafungando livros.

    Cynthia

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  11. Muito bacana essa sua declaração de amor aos livros, Luciana. Também dessa paixão. Meu sonho é ter uma casa com uma biblioteca imensa. Outra coisa : o livro impresso não vai acabar. O livro de papel é como escova de dente, nenhuma tecnologia pode produzir algo mais mais prático.

    Jailton

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  12. Pra escrever bem como vc, só pode ser apaixonada mesmo por livros!! Lindo isso! Pena não ter registrado a boneca Emília! ! Aos nove anos já atuando, belo!! Tá explicado seus filhos gostarem de literatura tbm. Muito orgulho, né?

    Bjs,

    Ambrosina

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  13. Seu artigo é muito bonito, forte e tocante, como costumam ser!

    Guti

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  14. Que delícia de texto, Lu! Também acho que os livros impressos não irão perecer neste turbilhão tecnológico. Essa semana devorei um livro, um romance espírita de 443 páginas! Li em 3 dias kkkkkkkkk!

    Márcia Romão

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  15. Legal demais, Lu!
    Te digo que a mega blaster Cultura do Recife antigo fechou também. Quantas mais fecharão?
    Eu gosto de ir lá pegar e escolher, não de comprar pela internet. E o livro digital, não me rendi ainda porque também gosto dos de papel.
    Esse ano estou propondo em todas as confras trocas de livros já lidos. Ontem mesmo adquiri um!

    Beijão,

    Rosa Carolina

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  16. O livro na vai se acabar, enquanto houver um ser que aspire por suas belezas e realizações. Unimo-nos!!!

    Karla Melo

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