Minha bandeira

Escrevo neste blog sem nenhuma obrigação de seguir temas específicos ou linkar, para usar os termos internáuticos, o meu texto com assuntos da atualidade. Escrevo, pois, o que me dá na telha e minha telha é de vidro, cerâmica, amianto, palha... O que sinto vai para o papel e isso é um grande barato. Mas hoje vou falar de algo que combina perfeitamente com o Dia das Crianças e o Dia do Professor, celebrados em outubro.

Assim como me meto nas conversas alheias, às vezes também participo de cursos alheios à minha área de formação e foi em um deles, o Congresso Internacional de Psicanálise e Direito, que assisti a uma das mais interessantes palestras em defesa da escola da minha vida.

Bem, isso não quer dizer muita coisa em um país que não dá a mínima para a escola. Quantos discursos maneiros a gente corre o risco de ouvir por aí quando Educação não é pauta séria em nenhum jornal, nenhum programa de TV ou em algum meio de comunicação que tenha visibilidade de fato?

Os programas educativos da Rede Globo passam aos sábados, a partir das sete da matina. Quem vê? O Globo Rural, que também é bastante educativo, vanguardista na questão da proteção ambiental, é transmitido às oito da manhã de domingo. Quem se liga? Eu e mais alguns doidos de plantão. Entretanto voltemos à palestra que foi proferida pelo senador Cristovam Buarque.

Olha, o Cristovam pode ter todos os defeitos do mundo, fez até defesa indefensável daquele esquema das passagens aéreas no Congresso, mas ninguém pode dizer que o cara não tem um discurso sério quando o que importa é defender a educação pública de qualidade.

Gostam de criticá-lo afirmando que o homem é samba de uma nota só. Mas e daí? Se a nota só for em favor da qualidade do que nossos filhos e netos vão aprender na escola, eu fico do lado dele e ponto final. Pelo menos ele é o único que está sempre no palanque, nas universidades, na porta de escolas, nos congressos, levando suas palavras bem articuladas em prol da transformação deste território de oito milhões de km2 em nação. Porque nação é bem diferente de país, sabe? Nação é onde todos têm no coração o sentimento de pertencer a algo sólido, unido e justo para a maioria. E este tripé a gente só consegue educando nossas crianças de forma decente.

Cristovam foi convidado pela Escola Lacaniana de Psicanálise de Brasília para falar sobre a manutenção da maioridade penal. O professor-doutor já começou a palestra cutucando todo mundo: “Somos um país dividido: uma casta superior e uma casta inferior. O conceito de povo só serve para os excluídos e as crianças do povo não são crianças, são meninos de rua, pivete, prostituta infantil, avião, pedinte... Só descobrimos as crianças pobres quando elas se tornam infratoras”. Dá-lhe!!

Cristovam lascou o pau nas nossas escolas públicas de “fachada”, nos nossos índices de matrícula que são altos, mas que na verdade não querem dizer nada, porque não existe frequência escolar, a criança não vai à aula todos os dias (corroborando o que escrevi no texto anterior). Além disso, a escola é um lixo, sem infraestrutura adequada; salas e banheiros destruídos, degradados. Semi-escolas que não atraem alunos, mas moscas e baratas.

“Nós somos um crematório de cérebros no Brasil. Estamos preocupados com as queimadas, mas queimamos neurônios das crianças que abandonam a escola sem culpa nenhuma. Sessenta meninos e meninas deixam a escola por minuto. É uma tragédia nacional. E com um investimento ridículo, a gente poderia implementar uma escola integral em 250 cidades, só para começar. A escola de ensino fundamental é para a descoberta da afetividade, para descobrir a existência do outro, da cidadania”, disparou.

E a cada nova frase proferida por Cristovam, mais emocionada pela qualidade da palestra e triste pela realidade purulenta eu ficava, pensando: por que somos assim? “Nós não vamos para a rua lutar pela escola de qualidade. Não entra em nossa cesta de bandeiras políticas”, ironizou o senador.

Os números pavorosos iam saltando da boca do palestrante: “Apenas 1/3 das nossas crianças terminam o ensino médio. Hoje ninguém quer ser professor. A carreira mais nobre de um país está jogada no lixo, pois os dez por cento menos capacitados, os que não passam em outros cursos, vão fazer Pedagogia. Na Finlândia, só os dez por cento que se destacam em seus cursos de graduação podem fazer concurso para a carreira do magistério”.

Para finalizar, Cristovam deu o recado: “Reduzir a maioridade penal para 14,15,16 ou 17 não vai funcionar. O medo da punição não existe. Essas crianças perderam o medo de tudo. Ser preso pode representar, ao menos, a garantia de vida, de cama, de comida. A falência da escola leva as pessoas a acreditarem neste discurso fácil de levar nossos adolescentes para a cadeia. Sugiro, isso sim, “prender” o jovem na escola até os 18 anos", enfatizou.

E concluiu: "Aumentar o tempo na escola ao invés de reduzir a idade para que eles possam ir para nos presídios. Não abro mão da maioridade aos 18 anos, com exceção apenas para os adolescentes que sejam reincidentes ou que possuam problemas psiquiátricos ou mentais. Nestes casos, precisamos transformar a repressão em terapia”.

Sem outras palavras que possam ser mais acertadas do que estas, também paro por aqui.

Comentários

  1. Gosto muito do Cristóvam. Sempre voto e continuarei votando nele. Outro dia eu estava lendo um comentário do Ray no Facebook sobre um discurso do Cristóvam. Ele fez questão de reproduzir o texto na página dele. Um jornalista tinha provocado o Cristóvam num desses fóruns mundiais, pedindo que ele como humanista e não como brasileiro falasse sobre a internacionalização da Amazônia. E o Cristóvam deu um show na resposta. Quem não conhece dê uma procurada no Google. Vale à pena.

    Quanto aos programas exibidos na TV, faço minha parte. Não, eu não acordo de madrugada para ver Globo Rural. Sou mais radical! Simplesmente não vejo TV. Se a gente não desse audiência, as emissoras obrigatoriamente teriam que mudar a programação.

    Mas parabéns pelo esforço de acompanhar os raros programas educativos.

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  2. Ah! Para quem não sabe quem é o Ray, o que me chamou a atenção foi o fato de um Porto Riquenho estar elogiando um político brasileiro...

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  3. Olá Larinha,

    depois dos filhos, quem disse que eu tenho tempo de ver algum programa educativo na TV? Quando sobra tempo, é fim da noite já e aí eu me alieno com alguma série na TV paga...:)

    Mas é triste saber que nossa TV pública está tão mal de programação. É muito irresponsabilidade. Se as TVs cumprissem sua missão educativa pelo menos em parte, já estaríamos bem mais conscientes do valor do estudo na vida.

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