A inveja quase me mata

Apertando o reward, estamos na fila de embarque para retornar à Brasília depois do feriado de Páscoa no Rio. Ano: 2008. Galeão Antônio Carlos Jobim lotado. Filas intermináveis nos esperam e, ao aportar no nosso lugar, bem no final, Tomás (na delícia de seus quatro anos) premia os pais com um sonoro anúncio:

-  EU VOU FAZER COCÔ LÁ NA MINHA CASA!!!

A senhora que está logo à frente da gente se vira e sorri com simpatia para ele. Imediatamente cutuquei meu marido e cochichei: “Ela é a Nélida Piñon”. Algo que ele não tinha a menor idéia, é evidente. Que inusitado compartilhar a fila da Gol com uma escritora consagrada, ganhadora de prêmios importantes como o Príncipe das Astúrias.

- Essa é a fila para São Paulo? – pergunta Nélida.
- Não sei, vamos pra Brasília, mas vou checar para a senhora – respondo.
- Você é muito gentil, obrigada!

Troca de sorrisos para lá e para cá e eu deixo a fila para comprar umas lembranças de última hora. Quando retorno, Nélida Piñon já está numa bifurcação da nossa fila. Ela me sorri e eu aperto sua mão e digo:

- Boa viagem! Continue escrevendo bons livros!
- E vocês continuem sendo leitores de excelente gosto!, responde a escritora.

Nossa, quase perdi o fôlego. Meu marido, então, matou minha curiosidade e me deixou mooooooooorta de inveja ao narrar a deliciosa conversa de fila que teve com Nélida, que estava embarcando para São Paulo  a fim de lançar o novo livro e dar uma palestra sobre Pedro Páramo.

Pedro Páramo é a obra-marco do realismo fantástico latinoamericano. Eu li, tá? O autor, Juan Rulfo, escreveu um único livro e entrou para a história da literatura. Nélida explicou que esse gênero literário mágico está em crise, sendo Gabriel Garcia Márquez o último grande escritor de fantasias surreais como as que encontramos em Cem Anos de Solidão (eu também li, tá?).

Prosearam, também, sobre Incidente em Antares, do Érico Veríssimo e debateram a falta de gentileza no mundo de hoje e do mau gosto que impera na arte, na música e na vida. Ah, tá. Entendi, então, o porquê do elogio "leitores de excelente gosto". Mas eu sou uma besta, né? Deixei o Bernardo na fila com a Nélida. Ele, quem nem sabia quem ela era, que nem gostou de Incidente em Antares, que só leu Cem Anos de Solidão porque eu  dei pra ele de presente de namoro.

Logo eu, metida a escrever para viver fui me infurnar em loja de aeroporto como uma típica perua consumista que eu não sou, relegando Nélida a um mero físico fazedor de equações de Maxwell!!!!! Que idiota eu fui! Nunca mais compro lembrancinha pra ninguém. Prefiro morrer mal educada do que perder uma conversa desse quilate!!

Até hoje não acredito que perdir tudo isso. Mas, fazer o quê? Foi só um Rio que passou na minha vida e no Rio tudo é possível. Só mesmo um bom bate-papo de fila para eternizar os dias tão especiais que passamos junto aos cariocas. Ô cidade porreta de linda é essa capital de mar e montanhas que não se desgrudam dos olhos da gente!

Quando vou ao Rio sempre volto com a certeza de que os versos de Gilberto Gil ainda são completamente atuais: "O Rio de Janeiro continua lindo”. “Do Leme ao Pontal, não há nada igual”. Concordo Tim.

Comentários

  1. Ai Luzinha, entendo o seu arrependimento. Às vezes a gente dá uma bobeira, né? Eu sou mestra nesse quesito. Numa situação não esperada e em que há algum tipo de emoção envolvida, eu sempre dou bobeira. É porque demora a cair a minha ficha por causa da emoção e não sou boa em improvisos. No caso, eu iria mesmo era fugir da Nélida (eu gosto dela, ela tem um sorrisão e parece ser super simpática e também simples, ao memso tempo elegante, como a Fernanda Montenegro, não é?). Pois bem, meu coração iria bater forte e eu iria fugir da Nélida e fazer mil compras de lembrancinhas, para também me arrepender depois...rs. Caso contrário, só se eu fosse uma vidente e soubesse do encontro casual com antecedência, para me preparar para ele. Odeio isso em mim, ter que me preparar para as coisas. Por exemplo, numa discussão, num embate com alguém, na hora do vamos ver, não me vem nenhum argumento forte à cabeça, me fogem as idéias... passado o calor daquele momento, já sozinha, tudo o que eu teria que dizer me vem à mente e fico ruminando dias: por que não disse isso, por que não disse aquilo. É torturante. Entrou emoção, seja ela positiva ou negativa, ferrou. Compartilho com você a frustração de saber que aquele momento com Nélida não voltará mais. Ao menos o Bernardo conversou com ela, né... sorte dele e dela também, tiveram um bom papo. Imagine se ela pegasse algum daqueles chatos de fila?...rs. Ah, quando ela disse: continuem sendo leitores de bom gosto, achei que ela estivesse se referindo aos livros dela somente... rs. Teria sido uma sacada bem uma humorada da escritora.

    Beijos
    Patty

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  2. Bem... Eu nunca li nada desta escritora, mas vi uma entrevista dela num destes programas culturais que passam tarde da noite. Gostei dela. Talvez pela forte ligação que ela disse ter com o pai. O nome dela é o mesmo do dele, somente trocando a posição das letras (ele se chamava Daniel, obviamente). Ela disse que era um acrônimo perfeito e que ele morreu sem saber disso. Foi tocante!

    Pensei que nunca ia concorda que algum livro considerado de bom gosto pelos intelectuais fosse bom. Mas também li Incidente em Antares (no sécuo passado, claro) e adorei!

    Cem anos de soldião eu larguei no caminho...

    Quanto ao vacilo, Luciana, é normal. Na hora H parece que a gente não sabe bem o que fazer. Não quer parecer fã idiota e perde a chance de uma vida. Já aconteceu comigo duas vezes: quando eu peguei o mesmo vôo que o Oswaldo Montenegro (e nem falei com ele) e em Porto Rico quando eu dei passagem ao Johnny sem nem tirar uma casquinha (ah! se arrependimento matasse...)

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  3. Oi Larinha, oi Pattygirl,

    pois acreditem, eu também nunca li nada dela. Por isso eu não entendi quando ela falou "continue sendo leitores de excelente gosto". Eu achei, como a Patty também sugeriu, que ela estava falando dos livros dela mesmo... E aí eu fiquei pensando: como? O Bernardo mentindo nessa altura do campeonato?:)

    Ao contrário de vocês, eu sempre tive uma péssima impressão da Nélida Piñon. Sempre achei que ela fosse pedante e pernóstica... Mas aí, com esse encontro na fila, tudo se desfez. E agora eu vou ler um livro dela, com certeza. Não sei qual... Talvez o que ganhou o prêmio Príncipe das Astúrias.

    Beijão,

    Lulupisces.

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  4. Ô Gente... pobre físico fazedor de equações de Maxwell!! haha! Adorei, Lu. A história. Fiquei tão passada quanto você por você não ter ficado na fila! ;-) Eu teria SECADO de raivinha... Continue escrevendo bons posts, poemas e histórias!

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  5. Nélida é ridícula. A literaturazinha fuleira dessa dona só deu certo porque existem pessoas gentis, que dão elogios a coisas medíocres por caridade.

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Tão querida Luciana, lindo o que escreveu de Nélida . Ela é esta gentileza e alegria. Fiz um filme sobre ela! Vou postar em sua página um link do trailer, se me permite. abraços do Julio Lellis. O nome do filme è " Mapas dos Afetos"
    http://www.youtube.com/watch?v=AlnE0nVSjEA

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    Respostas
    1. Caro Julio,

      obrigada por aparecer aqui no blog com tão graciosa contribuição. Verei o filme, sim, com todo o prazer!!

      Abraços,

      Lulupisces.

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  8. Amei o texto, como sempre e, morri de rir da sua inveja, eu tb teria com certeza...acho a Nelida muito simpática e gostava de ler suas crônicas no jornal, inclusive lembro de ter lido a história do seu cachorrinho!

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