Keskusteluja

 Imaginar é criar realidades...


Domingo perfeito para mim começa com café da manhã com bolo, chá, waffle com xarope de maple (não se vive nos Esteites sem consequências), chocolate quente, baguete tradition da La Boulangerie - caprichada na geleia de morango da Casa de Madeira -, frutas bem tropicais e uma granolinha.

Xi, faz tempo que eu não tenho tempo de tomar um café da manhã perfeito. Quem tem filho pequeno não come, geralmente engole. E a leseira boa de acordar tranquilamente, sentir o sol penetrar pela janela, abrir o jornal e passar horas comendo essas delícias - para almoçar às três da tarde - é substituída por: “já comeu o seu mingau? Para de enrolar e come!”

Mas eu tive um domingo perfeito ontem. Sem o café dos sonhos, mas turbinado com tudo o que eu mais prezo nesse mundo: Arte. Arte sensível e genuína, feita por gente competente, divertida e humana. Depois de quase surtar fazendo os deveres de casa com o menor (quem inventou tarefa de casa para menino de três anos, hein???) era hora de “me dê a mão, vamos sair pra ver o sol...”.

- Prontos para ir ao Museu-bola?
- Museu bola!!!!!!, vibrou Rômulo, que vinha me cobrando outra visita ao disco-voador pousado na Esplanada dos Ministérios.

Em cartaz, “O Brasil na Arte Popular”. Uma exposição magnífica com trabalhos de feras como o mestre Vitalino e Manoel Galdino. Mais de 1.500 peças do mais autêntico retrato da pátria profunda. Vale do Jequitinhonha, Alto do Moura (PE), rio São Francisco... Tudo lá, juntinho, sem precisar percorrer três mil quilômetros de asfalto e terra, mas sentindo o pó entrar pelo nariz por meio daqueles cavalinhos, daquelas noivas, daqueles cangaceiros de barro e madeira.

Foi de doer o coração ver todo aquele Brasil tão cedo na manhã. Atravessou o peito feito flecha, estraçalhou e consumiu o meu afeto. Não queria mais sair dali, presa pela pungente fotografia do mestre Vitalino defronte da tapera onde vivia. Suas calças rotas, um trapo de gente destilando a mais grandiosa dignidade.

Como é dado a algumas pessoas o dom de transcender a miséria dessa maneira inacreditável? Artesanato, não, não. É arte sim! Pura, forte, reveladora. Eu curti, os meninos curtiram, nós curtimos. Nem sabia que existia no Rio de Janeiro um museu com tamanho acervo: a Casa do Pontal. E quantas vezes já estive na cidade maravilhosa e nenhum sinal... Ninguém nem fala desse lugar. Como se a arte que brota da pobreza fosse tão invisível quanto seus artistas.

Logo após o almoço, levei os meninos para brincar no Parque Olhos D’água. A reserva mais bonitinha de Brasília, com suas trilhas sombreadas por legítimo cerrado e mata de galeria. Ali, sentada sobre o lençol que a amiga Lara levou, os pais papearam enquanto seus filhos brincavam nos brinquedos do parquinho de areia. Civilidade a toda prova, cercada de natureza em estado de graça.

E para terminar o dia, um show com a hilária Marisa Orth. Sozinha e alada fui. O único homem a me acompanhar era São Judas Tadeu cravado no medalhão que herdei da minha madrinha. O Centro Cultural Banco do Brasil presenteou a cidade com uma série de espetáculos gratuitos nos fins das tardes de domingo. Que coisa boa perceber que Brasília está ficando artisticamente madura, pronta para receber a diversidade cultural que uma capital precisa ter.

Marisa, deslumbrante em sua faceta Rita Hayworth, transformou músicas cafonas, da mais completa fossa brega, em blues de qualidade, com pitadas de humor refinado. Enorme, vestida de vermelho sensualíssimo, Marisa era a encarnação do “mulherão”. Ainda bem, pois eu estava lá atrás e conseguia vê-la direitinho.

O ponto alto do show coube à impagável “Insanidade Temporária”. Quem é mulher sabe... Confiram aí: http://www.youtube.com/watch?v=rXGmy_3hKxI . Mas já adianto: ao vivo foi muito mais engraçado.

E, quando não podia pedir mais nada de um domingo tão rico de experiências, encontro amiga Isabel que me chama para conferir a peça que começava às 21 horas ali mesmo no CCBB, pela Mostra Internacional de Teatro. Keskusteluja (discussões) era o nome da obra de uma dupla finlandesa. A incomunicabilidade das pessoas na era da comunicação sem fronteiras... Uma peça delicada e angustiante, que não precisou de nenhuma palavra para passar o seu recado (também, em finlandês seria dose, né?).

Diante dessa batelada cultural irreverente e original, duro foi voltar para a realidade medíocre do serviço público na segunda-feira. Tanta gente fazendo tanta coisa linda, louca e diferente por aí e você necas... Fiquei envergonhada de ter um blog chinfrim, sem tempero. Ter a noção inconfundível de que você não faz a diferença, apenas transita... Para a maioria, isso não faz a menor diferença e é bom. Para mim, é prisão.

Comentários

  1. O que é isso minha amiga?!Seu blog está longe de ser chinfrin, e muito mais longe ainda você achar que não faz a diferença...assim como eu, tenho certeza, muitos curtem a sua escrita, se identifica, revê atitudes,desperta um olhar poético e ao mesmo tempo realista da vida, do mundo, tem humor até quando este não está lá muito em alta...que benção ter um domingo desses, recheado de cultura!!! Agradeça e vibre com a "santa e bendita rotina" a gente sempre pode fazê-la de forma diferente...excelente semana...beijo grande...paz profunda...Namastê!
    Cynthia

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  2. É, às vezes dá até para entender essa insanidade temporária da Marisa.... rs. Mas, pelo amor de Deus, se acontecer alguma coisa com meu marido, não fui eu, hein!!!! Não fui eu!!!

    E falar nisso, Luzinha, acho que você também está meio com insanidade temporária... achar que não faz a diferença, que o blog é chinfrin, "pelo amor", né? Nós adoramos o que você escreve, sempre nos enriquece muito e a Cynthia sintetizou de forma excelente os nossos pensamentos e sentimentos. Assassino, ops, não! assino embaixo! rsrsrs

    Continue com o Blog pelo menos até os 100 anos, tá? Passsa rápido!

    Beijos

    Patty

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  3. Eu sei, voce queria que o seu Domingo nao terminasse... ai chegou a segunda-feira e voce entrou em crise de existencia!!! Lembre-se que assim como o Domingo acabou a Segunda-feira ja esta quase no fim e assim eh o ciclo da vida... E nao eh uma beleza em saber que o tempo nao para? que ninguem pode controlar o tempo?

    O Blog esta bem!

    Beijos,

    Evelyn

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  4. Oi galera comentadora,

    a ideia contida no "blog chinfrim" não era a de receber elogios, mas agradeço de coração o incentivo, tá?:)

    Era só mesmo uma constatação de querer fazer a diferença no mundo (bem grande)e não tão micro. De ter uma voz atuante nas transformações da sociedade. De ser artista de verdade.

    Não deu nessa encarnação. Mas já estou na fila para a próxima...:)

    Um grande abraço,

    Lulupisces

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  5. Loo, adorei o texto e compartilhei no Facebook. Mas a gente faz uma diferença de verdade, mesmo que não perceba (eu acredito nisso, vou colar no carro :)
    Beijo.

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