Esbarrão com a Oráculo



Cassandra and the Birds by Trudi Doyle


Já preparou a caneta bem bonita? A pergunta da amiga foi providencial. Não, nem havia pensado em caneta nesses dias ansiosos pré-lançamento do livro. Claro, boa ideia! Afinal, basta ser canhota e escrever como uma neanderthal. 

Canhotos geralmente pegam nas esferográficas como se quisessem estrangulá-las. E mais: viram o caderno de ponta à cabeça para escrever ou entortam o punho como se sofressem com alguma doença neurológica. Em resumo: é feio. 

A foto clássica do casamento a empunhar a caneta como uma criança que está aprendendo a escrever o próprio nome. Quase peço para o fotógrafo desistir do registro. 

Só me senti redimida quando vi o ex-presidente Barack Obama, símbolo de elegância e de inteligência, assinar o documento de posse no cargo mais importante do mundo e fazer troça de seu jeito sinistro de ser. Eternizava-se, ali, a bronquice dos canhotos com muita altivez. 

Mas eu curto escrever com a mão esquerda apesar dos pesares. E ter essa conexão telúrica com Obama é bamba. 

Sábado passado, fui atrás da tal caneta especial. Não por acaso foi essa mesma amiga quem me presenteou com uma linda caneta repleta de gaivotinhas faz algum tempo. Onde foi parar? Perdi, é claro. Se há um lado fortemente pisciano em mim é aquele que desaparece chaves e canetas. 

As bolsas são sempre grandes e cheias de bolsos como a Amarela da personagem Raquel de Lygia Bojunga. Porém, cadê a caneta na hora que a gente precisa? Sem falar naquela mania de pegar a do balcão para preencher qualquer coisa e sair com ela porta afora. Ladra de ocasião. 

As que tenho na estação de trabalho são fáceis de identificar: tampas torturadas, pois não me satisfaço somente em sufocar a pena, é preciso mastigar as tampas. Talvez a única compulsão 100% infantil que não consigo debelar. Ainda bem que hoje não mais escrevo meus textos à mão. Caso contrário, já teria perdido os dentes. 

Entrei na papelaria e expliquei para a atendente que procurava uma caneta bonita, todavia não muito clássica, algo diferente. Havia algumas bacanas da marca Crown, que eu nem sabia que eram das mais conceituadas (para uma publicitária, sou bem desligada desses assuntos mercadológicos). Testei uma lilás, outra rosa bordô, uma prateada com pedrinhas de brilhantes para o meu amor passar… 

Nossa, eram pesadas ou eu perdera a noção de como é escrever deslizando o objeto pelo papel? Acabei optando pela mais sem graça porque era a mais diáfana. Contei à vendedora que iria lançar um livro. Ela, muito simpática e juvenil, me parabenizou e perguntou o título da obra. Aproveitei a deixa e perguntei o nome dela: 

- Cassandra. 

Uau, aquela revelação teve um forte impacto sobre mim. Logo a mitológica jovem grega de ouvidos tão sensíveis que lhes permitiam escutar as vozes dos deuses? 

Cassandra, amaldiçoada por Apolo ao se recusar a dormir com ele (assédio é assédio desde a Grécia Antiga). Tornou-se uma profetisa desacreditada por todos. Ninguém levou a sério suas previsões sobre o Cavalo de Troia. Deu no que deu. 

- É o seu primeiro livro? 

- Sim! 

- Muito legal! Sucesso pra você! 

Cassandra querida, não se desespere. Dessa vez, vou acreditar. 



Comentários

  1. Muito legal!

    Débora Cronemberger

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  2. Amei!
    Vai dar tudo certo!

    Karla Mendes

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  3. Sim vai dar e já deu certo. Adorei a citação da Bolsa amarela, essa história é especial. Detalhe: sou canhota. Minha letra parece de criança até hoje. :)

    Rúbia

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  4. Inicio a semana com uma “estrelinha” me convidando para o maior evento da Terra, o livro da Lu!Êeeeeee, viva!!!!

    Cynthia Chayb

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  5. Querida amiga, que você se sinta muito realizada e plena na noite de lançamento do seu livro. Sei o quanto representa pra você. Te desejo todo o sucesso que merece.

    Márcia Renault

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  6. Que o lançamento seja mais um momento delicioso da sua vida!! Tenho percebido o quanto sou pisciana: tb perco e roubo canetas kkk chaves e tudo mais

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  7. No meu tempo de escola, as carteiras eram para destros. Uma tábua pequenina que mal dava pra apoiar o caderno. Os canhotos tinham que se retorcer todinhos para poder escrever. A má postura na fase adulta e a suposta letra feita devem ser consequência daquela época.

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  8. Que seja um dia especial pra você, com caneta ou sem caneta!

    Eliane

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  9. Lindo o texto, Lu!

    Tá ansiosa?

    Clarice Veras

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  10. Estaremos lá, no Ernesto Cafés Especiais, na noite desta quinta, dia 9, comemorando sua estreia no mundo literário impresso. Que prazer, amiga! O primeiro livro dentre muitos de Luciana Assunção, certamente. Beijocas! :) Marcita.

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