Derivações sobre o cubo de Mr. Otis





Passei o dia imaginando escrever uma história sobre elevadores. A manicure me notou tristonha: “Você está muito quietinha hoje”. Ah, lançar livro é exaustivo. Um empreendimento físico avassalador. Violenta emoção concretizar um sonho que de tão sonhado, tornara-se fossilizado (“minha alma de sonhar-te, anda perdida”)...

Mas vender livro, aí, sim, vocês não tem ideia. É foda. Tarefa muito mais esquisita do que escrever dez romances. 

Esse lance de se colocar na vitrine é muito tenso e exibido. Nem meu lado leonino me furta da sensação de vergonha, de autopromoção. A editora da Confraria do Vento me alertou: “o elogio tem de vir do outro. Sua tarefa é mostrar o livro, a honestidade dele: tá aqui o resultado do meu trabalho. Você não está se autopromovendo, fique tranquila”. 

Mas quem disse que fico?

Talvez para tentar me aprumar, a manicure contou: “Ontem à noite eu estava rindo sozinha lendo o seu livro. Meu marido me perguntou por que é que eu tava rindo e eu disse: aqui, com umas histórias da minha cliente”. 

É um prazer fazer alguém sorrir. Fato. Não sou uma pessoa inerentemente bem-humorada e divertida. Portanto, saber que algumas crônicas tiraram esse feitiço lá do fundo de mim é um presente.

Entrei no elevador no subsolo ruminando essas coisas todas e, no térreo, uma colega que reconheço de corredores embarcou. Ela é das antigas como eu, porém nunca havíamos trocado palavra. “Você é aquela moça que lançou um livro, não?” Eu, que seguia de cabeça baixa, acabrunhada, levantei os olhos e respondi afirmativamente. 

“Eu vou querer o seu livro. Eu gosto de prestigiar os colegas da Casa”. Maria Bárbara comprou minha obra e me deu um abraço. A viagem vertical frutificara.

Os elevadores guardam surpresas e sustos incríveis. Rômulo produziu um flyer anunciando o livro da mãe e colocou em todos os cubículos metálicos do nosso prédio. Ê filho diligente, sem tempo ruim.

A professora de inglês dos meninos tomou o elevador lá de casa com dois muçulmanos que iam para o sexto andar (aquela família da embaixada do Quênia que recebe 300 conterrâneos por mês no hostel 606). Um deles trajava um paramento de pastor, com uma espécie de quepe na cabeça, descreveu a teacher. “Ele não parava de murmurar algo como se fosse uma prece. O outro só ficava no celular. E eu fiquei com medo”. Imagino. Nosso olhar ocidental vê um seguidor do Islã e caraminhola atentados suicidas. 

Tenho uma amigona que sofre com fobia de elevador. Descobri há alguns anos, quando trabalhávamos juntas e eu me espremi para entrar no cubo, mas ela acabou ficando para trás. Muitos minutos depois, vejo-a esbaforida a subir os sete ou oito andares de escada, pois não pegava elevador sozinha. 

Há umas duas crônicas no “As Desventuras de uma mulher que levou um susto e sobreviveu” que têm o elevador como cenário. Sem dúvida um meio de transporte para conhecer gente, trocar amenidades, fazer sexo, ficar preso com um demônio, levar uma rajada de balas ou passar apertos (literais e metafóricos).

Da minha parte, não reclamo da invenção de Mr. Otis, a não ser pela eterna apreensão de segundos entre o abrir e o fechar da porta de metal. O frio na barriga que me acomete ao pensar que vai brotar dali, entrando ou saindo, um psicopata de peruca loira e óculos escuros a empunhar uma faca para me estripar. Porém, nesse caso, a culpa não é da máquina, mas do Brian de Palma, né?


Comentários

  1. Ah, o elevador desperta várias emoções, ao meu ver. Quando eu era "mais nova" andar de elevador não era nenhum incômodo, mas, hoje, a gente vai ficando meio besta, aí pensa um monte de bobagens kkkkk
    Li esse post enquanto almoçava rsrs...

    Márcia Romão

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  2. Sempre me divirto com seus textos.

    Cynthia Chaybb

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  3. Eu moro no 12o andar. Adoro elevador!

    Karla Mendes

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  4. Kkkkkkkkk
    A esbaforida que não andava sozinha de elevador era eu?
    Adorei o conto! Não terminei o livro porque não quero que ele acabe! Está tão bom... Papai também está adorando!

    Ceci

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  5. Odeio andar de elevador sozinha.

    Andreya

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