Um bode à janela






Tô totalmente no moody pinturas de Andrew Wyeth hoje. Moody... Taí uma palavra que transmite à perfeição seu significado. A letra O dobrada, dando clareza ao espírito arrastado, denso. Por isso ranzinza, rabugento ou temperamental não são correlatos interessantes. Moody é moody. Assim como cool é cool e saudade é saudade. Palavras definitivas, infinitivas. 

Moody é uma espécie de “radiação do corpo negro”. Desculpe-me os físicos, mas as expressões que vocês alcunham são magníficas para ser utilizadas fora do contexto científico (vide o uso da quântica em vão por canastrões holísticos de toda natureza). 

As janelas de Andrew; a desolação e frieza de Andrew. Um sol esmaecido. Vidas congeladas num fim de mundo qualquer. 

Precisei ler textos de autoajuda hoje. Confesso que recorri à importância da coragem, da aprendizagem contínua, da poesia do cotidiano. Ouvi uns podcasts chatos (como é que esse formato faz sucesso, gente?) sobre o caminho de Santiago de Compostela. Tentei me arribar, mas nada... 

Desci para tomar outra xícara de café na lanchonete. Sentei-me de frente para elas, as janelas de blindex que me mostram um mundo de possibilidades verdes e azuis. Três pedaços de mamão, uma fatia de abacaxi. Natureza-morta de Pancetti: Luciana-morta. Prefiro, na verdade, a expressão inglesa: still life, bem Andrew e bem Hopper. Tudo suspenso, em suspense. A existência estagnada, mas pronta para ser desconstruída pelo efeito da pedrinha quicando no espelho d´água ou pelo agitar das asas da borboleta lá em Wisconsin. 

Tava ali, naquela de autopiedade, o café ruim, quando passa por mim uma boazuda esguia e ciente de seus abalos sísmicos. As mulheres têm vindo trabalhar como se fossem conquistar um império nos dias atuais. Mandaram o tal dress-code do mundo corporativo às favas. Chegam chegando. Ai de você, mãe de família depois do feriado prolongado. 

Peguei o elevador e me elevei ao nono andar. Não tinha mais pisado por ali depois que o lugar deixou de ser a minha brother fisioterapia de tantos anos, para dar vazão ao ego de algum ex-ministro sedento pelo poder emanado da verticalidade. Seguranças por todos os lados, muitas estações de trabalho, tapetes persas e locais de acesso proibidos ao proletariado. Ainda mais para aquela operária trajando calça-jeans. 

Mas os seguranças do turno se lembravam de mim. Captaram resquícios do que foi aquela jovem jornalista ávida que, por tantos anos, habitou o mundo dos gabinetes ministeriais. “Você não trabalhava na Imprensa?” Sim, sou o fantasma dos Natais do século 20. 

Daí que me permitiram rodar por todo o andar e ainda tirar umas fotos lá de cima. Brasília é linda dali! Do outro lado de outro blindex, uma conhecida me deu um tchauzinho animado. Retribuí. Não deixa de se reconfortante ter sido reconhecida. Tipo estrela de cinema decadente colhendo afagos esparsos. 

Voltei pelos corredores à procura do sentido da vida. Nem me arrisco a buscar o tempo perdido, vixe Maria, daria um bode ainda maior. Ué, bode! Bode pode ser a exata tradução para moody? Maybe. 

Segui pensando nas janelas. Saí das catacumbas por causa delas. Em matéria de motivação para a nova atividade: zero. Porém, cá estou, apta a ver o sol varando a vidraça... 

Todavia,  foi a danada escrita que me fez encontrar no fundo do poço o reflexo da superfície, mais uma vez. Li um texto sobre janelas, um texto bom, cheio de referências incríveis como a que me relembrou Andrew e sua pintura melancólica maravilhosa. 

Daí resolvi escrever o meu. Não tão bom e nem tão cheio de referências originais. Mas precioso na medida em que já me esqueci do bode que estava ao meu lado, exalando nhaca e ranhetice.



Comentários

  1. Um bode estacionou ao meu lado o dia todo também. Agora estou melhorzinha.

    Adriana Capelloza

    ResponderExcluir
  2. Sinto-me andando com vc pelo STJ, à procura de motivação em meio a burocracia é a pompa do Judiciário! O poder corrompe, já dizia Maquiavel. Entretanto, quero crer que podemos fazer a diferença! Tratar com correição as tarefas que nos são afetas e educar nossos filhos podem sim plantar uma sociedade melhor! Por hora, tudo isso não passa de mais auto ajuda!!!! Rsrsrs

    ResponderExcluir
  3. 👏👏👏👏mais uma pérola 😍

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ousadia

Presentim de Natal

Horizonte de Eventos