Patronímicos





"Conversa de velho é cheia de parênteses e esses parênteses são cheios de parentes...”
(Mario Quintana)


Anos atrás, sei lá, uns vinte e oito, Teresa (nome lindo, que também batiza uma das minhas dezenas de primas, afilhada de minha mãe), a filha de Webster (nome maluco, na verdade sobrenome que batiza uma rede bancária nos EUA e o famoso dicionário), ainda era uma menina de colo. Chegávamos ao pilotis do prédio quadrado da 107 norte. Ali, uma bela menininha de seus dois, três anos, corre em minha direção e me agarra as pernas. É loira e é down. 

Olho para ela, que já olhava para mim. Estava longe de ser mãe, mas adorável era aquela troca de olhares, abruptamente desconcentrada pelo chamado: - Venha aqui, Bibiana! Ela tinha graça e a mesma graça (antiga e maravilhosa) do irmão mais velho de meu pai! Bibiano: o único que realmente experimentou a velhice, morrendo depois dos oitenta. Por isso, um dos poucos que cheguei a conhecer na minha juventude. 

Meu pai também tinha um irmão de nome Teodoro (adoro!), que casa ser o mesmo nome dado ao quinto e caçula filho de Andrea, amiga de infância. 

Não sei quando começou minha fixação por nomes. Talvez por ter sido alertada pelo professor Setti, da UnB, de que deveria ter um nome menos comum do que Luciana, dada a minha aparência exótica de cucaracha brasileña. 

Hoje, muitos amigos e parentes estão cientes do meu TOC e até o alimentam, compartilhando comigo as alcunhas engraçadas, esdrúxulas, horrendas ou surpreendentes com as quais esbarram por aí no dia a dia dos empregos, escolas, festas... 

Dois deles viraram recentemente um conto do qual me orgulho de ter escrito: Mundéu. Ana Brisa e Maria Neblina existem de verdade. Não são irmãs. Uma é adulta; outra ainda criança (e nunca as vi na real), mas bem que poderiam ser gêmeas idênticas com seus nomes atmosféricos. 

Minha filha se chamaria Aurora, nome da cafuza velha Aurora, que viveu na fazenda de meus pais a vida quase toda. Analfabeta, cabelos presos em coque, mas desciam indígenas até a lombar em raros momentos. Marcou minha infância como a avó que não tive. Suas rugas, sua sapiência matuta, seu cheiro de fogão à lenha, seu linguajar neologista composto de “chuvaciriços”. 

Depois, meu primeiro filho nasceu. Se fosse menina, seria Tarsila, a culta, poderosa, vanguardista, feminista e talentosa Tarsila do Amaral. Menino, seria Tomás, outro nome “de velho” do velho e inspirador pai da amiga Elisabeth, a diva do Teatro Municipal de São Paulo. 

Tomás se apaixonou pela bela adormecida princesa Aurora. E, grávida de novo, decidi, novamente, que se menina fosse, seria novamente Aurora. Mas o destino não queria homenagens. E veio Rômulo, que quase se chamou Érico. Rômulo, muitos pensaram se tratar de homenagem a algum avô, de tão velho e esquisito que era para batizar um bebê dos anos 2000. 

Bem que eu gostaria de reverenciar meu sogro, replicando seu nome em um de seus netos. Mas Agenor, vamos combinar, é um nome de velho feiozinho. Não rolou. O mesmo não ocorre com Bernardo, nome do bisavó paterno dos meus filhos, do meu marido e de mais quatro xarás na família Melo. 

Todavia, consegui homenagear alguém, enfim, e foi o meu pai. Rondon era o seu primeiro nome, entretanto se trata de sobrenome estranho e forte, tornado famoso pós-Marechal Rondon. Voltou a ser sobrenome, portanto, na certidão de nascimento dos meus guris. 

Embora esse lance de homenagem possa sair pela culatra. É o caso da tia Leila Sebastiana, que detesta o Sebastiana, nome da mãe falecida (minha avó materna). Não sei se a tia Ambrosina gosta de ter o mesmo nome da minha bisavó materna, comum em outros séculos, que sempre me remete à ambrosia... De qualquer modo, ela ganhou um apelido bacana: Book, pois gostava de ler. Gostar de ler no interior de Goiás, numa família de fazendeiros, merecia mesmo um nickname desse porte. 

Elódia (que tem um vento eólico dentro dele), era o nome da avó materna de Bernardo que, por sua vez, também foi escolhido pela prima Juliana para nomear o mais novo neto de tia Leila. Agora, estou cercada por Bernardos nas duas famílias. 

Poderia seguir enovelando todos os nomes e virar uma bíblia. Falando em bíblia, lembrei da Kédyma, que foi minha amiga. Eis o primeiro nome esquisito a conviver comigo na infância. Muito depois descobri que fora pescado do velho testamento. Minto, com uma irmã chamada Vanja, não poderia achar Kédyma tão estranho assim. Coisa de papai, encantado com a atriz Vanja Orico no papel de Maria Bonita, companheira de Lampião, no cinema. 

Sem falar na tia materna que se chama Terezina, mas que eu pensava se chamar Teresinha! Teria sido homenagem à capital do Piauí, que depois de tantos anos faria parte da minha vida e coração? 

Nunca saberemos porque meus avós maternos estão enterrados em Nova Veneza/Goiás. Suas fotos em P&B lindas a emoldurar a lápide. A avó Sebastiana que não tive o prazer de conhecer. O avô José, Zequinha, cuja mão craquelada ainda pedi bênção. 

Para terminar a lista de sugestões de prenomes para o seu futuro bebê (com significados), não poderia deixar de mencionar o susto que levei ao receber de uma amiga um antenome que ela encontrou como parte num processo: Telúryca Lucrécya!!!! 

Penso seriamente em adotá-lo como um heterônimo daqui para frente. Seria uma justa homenagem a alguém que, nesse mundo, acredita nas conexões telúricas (meu marido odeia o meu bordão), além de mim. 


Comentários

  1. Luciana,

    de fato existem nomes bastante não-usuais.

    Isso, por si mesmo não tem nada de mais. Mas, existem alguns nomes que chamam a atenção, e que podem, eventualmente, se tornar um peso pra pessoa.


    Não conheço pessoas com nomes assim. Só me veio à mente uma professora daqui da AFA - que não se encontra mais entre nós - que se chamava Fleuma. Ela era muito legal.


    Um beijo.

    Paulo.

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  2. Bernardo é mesmo um nome em alta agora...

    Rogelma

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  3. AMEI. Vc sabe que tb curto um nome próprio, me diverti demais com suas reflexões! Para quem é mãe de um Frederico, que homenageia Fred Flintstone (e não algum monarca da Baviera), e uma Catarina, em homenagem ao fato de eu ser de Santa Catarina (e não a poderosa imperatriz), o texto cai mto bem!

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  4. Eita! Achei o máximo a sua narrativa sobre as "homenagens"!!! Na adolescência eu ODIAVA meu nome... Eu lá queria saber de homenagear minha vó materna?!!rsrsrs Tinha vergonha mesmo. Nos bailes matinês, inventava outros nomes!! kkkk Hoje não. Ambrosina aos 65 anos é justo!!! hehehe. Melhor que TERESINA ou ABELINA!!!

    Ambrosina

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  5. Li o texto agora. Adorei a Teluryca Lucrécya!!! Tô rindo até agora!!!

    Dedéia

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