Random Access Mother (RAM)



O vento. O rio. A asa. A estrada. O joelho. O riso.
 Com isso poderias compor 999 poemas...
Mas basta compor um filho.
(Mario Quintana)
 

Se eu disser que tenho saudades desta fase, estaria mentindo. Mas gostaria, sim, de ter retido na memória ao menos o quíntuplo de instantes significativos dos rebentos na primeira infância. Há coisas sobre as quais não tenho a menor ideia de como se deram. Largar as fraldas, por exemplo. Foi fácil para um, difícil para o outro? Não sei. Não guardo nem um átimo desse processo. O primeiro dente do Tomás, quando caiu? Do Rômulo? Passou batido. 

Meus filhos nasceram e deram seus primeiros passos no mundo à sombra da doença terminal de minha mãe. Sincronia injusta da vida. Era dar atenção completa a ela ou completa a eles? Acho que encontrei um certo equilíbrio na insanidade daqueles tempos, mas não sem perder muitos neurônios e lembranças. 

Não recordo qual foi a primeira palavra que os dois falaram, por exemplo. E nem em que exato minuto largaram minha mão para caminhar sozinhos e cambaleantes pelas descobertas da existência. 

Então olho estes retratos guardados na velha carteira - toda mãe que se preza tem fotozinhas dos filhos para exibir aos incautos - e me pego tentando resgatar cada idade congelada em seu diminuto espaço-tempo. Romulito no uniforme do maternal no colégio Cema, a golinha azul da camiseta amarela. Ali, sofreu seu mais sério acidente até hoje: quatro pontos na lateral direita do olho. Um rostinho inchado, roxo que fez chorar o sensível irmão mais velho: “Rômulo vai morrer?” 

Tomás banguela (cadê seus dentinhos-de-leite?) e em outra ainda bebê, 1 ano e pouco, de camisetinha vermelha. A primeira foto 3X4 de sua história, clicada pelo pai corujíssimo... 

A gente troca de carteira e se melancoliza, pois é apegada ao objeto verde de bolinhas brancas. Porque é feita de retalhos e flashes de sentimentos diversos acoplados numa simples carteira. Porque amamos fotos já desgastadas de uma época em que ainda se revelavam fotografias. 

Ao se tornar mãe, o cérebro da mulher deveria evoluir para um HD com capacidade de armazenamento interminável. Nele, as memórias maternais RAM seriam infinitas, em quatro dimensões e revivíeis na velocidade da luz. 

Abrir e fechar as gavetinhas aleatórias e sentir o cheirinho da roupinha do seu bebê assim do nada, no meio daquela reunião chata pra cacete, que doçura! Sentir o aperto da mãozinha no seu dedo, enquanto o guri mamava, que serenidade! 

Os filmes pós-apocalípticos sempre sombrios ainda não exploraram tais possibilidades. É porque faltam, certamente, roteiristas e, o mais grave, roteiristas-mães!



Comentários

  1. Eu sou meio nostálgica... não tenho muitas lembranças dessa época, primeira troca de dentes...primeira fala...pois era muito jovem...mas sabe que às vezes pinta uma saudadinha desse tempo...e rola até uma certa frustração de não ter estado mais presente a esses momentos que passam num piscar de olhos.Fotinhas lindas...Feliz Dia das Mães😘🙏🌷

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  2. Ainda bem que não sou só eu que me pego questionando em que idade um fez isso é o outro aquilo! Mas ser mãe é exatamente isso ai! Nostalgia pela proximidade e dependência ( quase uma simbiose) entre os filhos e nós! Certo é que, para aquelas que decidem ser mães, não há mais felicidade comparável às conquistas dos filhos! Feliz dia das mães!!!!!!!

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