Famigerada





O dia ainda não amanheceu 

Cinza no horizonte debruça-se sobre as folhas. 

Ela caminha na penumbra, tateando pelo trajeto conhecido. 

Na cozinha tudo paira à espera da rotina 

O ar gélido do freezer atinge o rosto sonolento, despertando-o sem delicadeza. 

Pães de queijo congelados sobre a bancada olham para ela 

Em comunhão suportaram as intempéries do cenário ártico que habitavam há pouco 

As mãos pequenas não conseguem separar os gêmeos siameses tiritando de frio 

Abre a gaveta de talheres e saca uma lâmina pontiaguda 

Tem consciência da péssima ideia às seis da manhã, mas não vislumbra alternativa 

Aos poucos, separa os bolinhos a fórceps. Não sem gemidos e resistência, um a um cai sobre o quartzo marrom. 

Até que um par empaca. A faca pontuda não os amedronta com seu agressivo cavoucar. 

Contudo, a ponta desiste da dureza do gelo, atraída que sempre é pela maciez da carne... 

Num átimo, encontra seu alvo no coração da palma da mão. 

Um grito contido preenche a cozinha. O filete rubro escorre e mancha as inseparáveis bolinhas beges 

Agora ela já pode entender o fetiche do punhal, o prazer do esfaqueador e a dor de quem corta os punhos. É mesmo uma intimidade a faca que penetra... 

Abandona a cena do crime. 

Aconselhável manter distância segura de objetos fálicos famigerados. 


Comentários

  1. Senti arrepios e uma agonia...estranha sensação.
    Namasteeeeeeeeeeê!
    Cynthia

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  2. Pra variar, gostei, rs.
    Bjos,
    Mona

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  3. Ui, Lu! Também já me machuquei tentando separar os pães de queijo... Mas nada tão doído assim... Muito bom o texto, arrepiei!

    Bj,

    Ana Cláudia

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  4. Cuidado para não se acostumar!

    Evelyn

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    Respostas
    1. Hehehe, Evelyn, não deixa de ser tentador!!! Lu, a serial killer!!!!

      Lulupisces

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