Menos barroca, mais contemporânea

Alguém aí tem um desempenador de gente? Dá para emprestar? Devolvo quando puder... E se minhas costas destruídas permitirem. Pois é, mudei para o meu acampamento. Estou me sentindo quase como uma candanga, vivendo sob condições adversas para erguer um sonho a partir do zero. Nossa, agora esse texto está digno de um Pulitzer, vamos combinar... Aliás, não dá para combinar nada por enquanto. Trecho interditado para reformas. Garota, interrompida. Desculpe o meu transtorno, mas é isso aí.

Tô lá, rodeada de caixas por todos os lados. Uma ilha em forma de apartamento de 40 anos, original, como se Brasília tivesse sido inaugurada ontem. Como se fosse uma pioneira chegando de mala e cuia em busca de uma vida melhor para a família. Mudar para esse apê foi o verdadeiro túnel do tempo. Recordei a infância, quando morava numa casa-cortiço da 715 sul, mas sonhava com prédio de seis andares ("E você passa de noite e sempre vê apartamentos acesos"). Renatinho Russo, que também morou nesse prédio, sacava tudo dessa angústia e utopia calangas. Ave, Legião Urbana!

Entretanto, já previa que mudar seria a parte mais literalmente dolorida da reforma. Não me importo de estar vivendo o "eterno retorno" ao SIA (rende textos divertidos). Mas fazer mudança devia entrar na lista das 10 coisas mais detestáveis e inevitáveis que você vai passar na sua vida. E o mais grave: não se trata de um evento isolado. Reflita: quantas vezes você teve que tirar tudo de um lugar para ir para o outro? Eu já perdi a conta. Só que dessa vez o volume de caixas de repente quadriplicou! O que dois filhos fazem com a gente! Só de brinquedos...

Porém, como toda aporrinhação tem o seu lado positivo (porque assim a vida cumpre sua rota circular) a gente também tira lições de uma mudança. A primeira delas - a mais óbvia e, por isso mesmo, a que a gente menos leva em consideração - é: pra quê ter tantas coisas? É inacreditável o quanto a gente acumula ao longo dos anos...

Da quitinete em que vivíamos na sobreloja da Octogonal; ao apê de 1 quarto em Sampa; ao de dois quartos no Sudoeste econômico; depois, ao de três dormitórios no Sudoeste superquadraBarradaTijuca ao, enfim, sonhado quatro quartos na Asa Sul, a gente melhora de vida e agrega mais e mais bugigangas ao nosso modo de viver. Cheguei a conclusão de que preciso ser menos barroca e mais contemporânea para o bem de mim mesma.

E eu não sou dessas apegadas não!!!!! Eu não tenho o menor grilo em sair me desfazendo de tudo o que não uso mais, não quero mais, não necessito. Ainda assim, percebi que tenho muito mais do que é legal para existir. Meus filhos têm muito mais brinquedos para ficar encostados do que brincou uns 20 meninos da minha geração em suas infâncias e adolescências. Não é possível uma sociedade consumir dessa maneira estúpida. Fiquei estarrecida comigo, que nem sou louca por compras, mas me encontro afogada em minhas próprias aquisições.

É bem verdade que um bocado das caixas transportadas são consequência do acúmulo de papéis e fotografias. Palavras e imagens que me remetem aos guardados afetivos: cartões de Natal, de aniversário, de datas de casamento, nascimento dos filhos, postais... Fotos de viagens... Tantas e tão significativas. Agendas dos anos passados que não consegui me desvencilhar por esse apego infinito à nostalgia (ô Portugal!). Mas corajosamente decidi me livrar de boa parte dessa tralha!

Imperiosa essa medida drástica. Não quero transformar a minha casa em arquivo bolorento e morto. Precisamos tirar partido da aporrinhação da mudança, pois, às vezes, só ela é capaz de movimentar a energia estagnada nessas miudezas empoeiradas. Como diz a personagem de George Clooney no interessante "Amor sem escalas": "Esvazie sua mochila da vida e tenha mais leveza para ir e vir". Sintomático que eu tenha assistido a esse filme ao fim deste sábado atolado em caixas: minhas mochilas lotadas de sentimentos em forma de coleções e trequinhos. Levei, sim, para o lado pessoal. Foi um sinal.

Outro aprendizado interessante nessa mudança provisória, é que, exatamente por ser um lar transitório, não vou rechear as paredes e bancadas com meus apetrechos decorativos. Vamos viver 4,5 meses no minimalismo salutar da vastidão branca (ou amarelada, dado os 40 anos de existência do apartamento em estado de... 40 anos). Será uma perspectiva, no mínimo, instigante. Estou curtindo essa história de "menos é mais". Certamente meu novo-reformado-apê não vai ser mais abrigo de quinquilharias, "museu do artesanato".

E simbora meu povo! Ao infinito e além! (Agora mais japonesa do que portuguesa). Foi dada a marretada inicial: caiu o primeiro pedaço de parede. A reforma começou hoje, segunda-feira, o marco oficial do começo de todas as resoluções transformadoras. Numa data de sorte para mim: 21. Meu dia, meu desaniversário e o inverso do dia do nascimento de Bernardo.

Todavia, não custa acender uma vela para a "estátua" (como chamou o funcionário da mudança ao se referir à imagem de São Judas Tadeu que herdei da Dindinha).Um santo providencial para uma causa quase impossível como é a de reformar casa e existência simultaneamente.

Comentários

  1. Oi Luzinha!

    Nossa, desconjuro-vá-de-reto-pé-de-pato-mangalô-três-vezes de fazer mudança! A minha no ano passado também foi osso duro de roer (além das tralhas, houve um mal entendido com o senhor com o qual combinamos a nossa mudança, sobre como a mesma teria que ser feita no meu prédio, que os móveis não poderiam passar pela portaria, mas pela garagem, em função das normas do condomínio; resultado: o homem se empombou com isso no dia da mudança, e na hora H foi embora!!! Deu as costas prá gente, num sábado, com tudo encaixotado! Tivemos que arrumar alguém de urgência, pagando o preço que fosse)... é cada uma, né?

    Bom eu sou a rainha das tralhas... mesmo jogando parte delas fora, com dor no coração, lá estão mais e mais tralhas novas na minha frente... e papéis? Recibos de compras, tikets de supermercados, papéizinhos que me entregam na rua? São toneladas! Me arrepio de fazer bota-fora. Ah, eu queria ser diferente, viu... absolutamente CLEAN!...rs...

    Ah, hoje é o seu desaniversário, né? Pois da Bruna é o pleno aniversário!!! 14 anos! Aí mais uma coincidência telúrica. Que hoje seja o início de tudo o que é bom!!!

    Beijos,

    Patty

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  2. Oi Pattygirl,

    você também tem o bichinho da nostalgia no coração, né? Mas é bom fazer uma faxina interna e externa de vez em sempre. É mesmo!!! Dia 21 é o dia da Bruna... Lembro que fiquei contente por ela ter nascido no mesmo dia da "tia".
    Um superparabéns para ela! E um grande beijo pra você!
    Amiga, cê acredita que o meu apê já está todo destruído? Incrível como eles são rápidos para colocar tudo abaixo. Em apenas 1 dia de serviço, o apartamento virou zona de guerra. Um caos de cacos e pó. Ruínas...

    Luzinha-Lulupisces

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  3. Talvez Manoel de Barros possa te ajudar. O cara que inventou o "alargador de horizontes", entre outras traquitanas, talvez tenha um desempenador de gente.
    Agora é torcer para que estes 4,5 meses passem como passaram os 3 primeiros meses do ano: voando.

    Beijos.

    Valdeir Jr

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  4. Queridinha, dou o maior apoio a sua revisão material no sentido de uma vida mais leve e despreendida. Inclusive, se quiser passar adiante alguns dos seus quadros ou objetinhos legais de decoração lembre-se de mim, ok?
    bjitos de uma amiga totalmente desinteressada e em prol do aprimoramento humano :))
    Isa

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  5. Hahahaha!! Engraçadinha, né? Tá querendo meu Bianchetti, né?;) Mas que disse que estou nesse nível de desapego? Meus quadros eu não dou não!!!!:)
    Agora o excesso de coisinhas pequenininhas deve ser defenestrado mesmo. Quando rolar, você será a primeira a escolher no queima, tá BelBel?

    Beijos,

    Lulupisces

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