Ora bolas!

Como o mundo é pequeno e redondo e o símbolo do infinito é esse oito que vai e vem e vem e vai, que nem aquele brinquedo que não por acaso se chamava vai e vem e era uma eterna alegria. Enquanto a natureza demonstra sua face mais inescrupulosa lá no Japão, a gente aqui, nessa bola que flutua no céu e gira, gira, gira e vê e revê e descobre as voltas que a vida dá para ser sempre constante e perfeita, apesar dos tsunamis e tragédias.

Estou parecendo uma maluca, mas é que o pensamento tá assim mesmo, embolado. São as eternas idas e vindas do SIA. Para quem não mora em Brasília – e eu já percebi que tem gente me lendo lá no Alaska e agora também na Rússia (provavelmente na Sibéria, onde não se encontram muitas distrações além daquela de chupar picolé de gelo 365 dias por ano) SIA significa Setor de Indústrias e Abastecimento, ou mais vulgarmente conhecido como “setor das lojas de material de construção”.

“Cuidado com o que você deseja”, nos disse uma vez o diabinho simpático ou seria o anjinho maquiavélico? Mas eu não dei bola (olha o mundo a girar, a girar) e desejei bastante AQUELA reforma do apartamento. Pronto, não tem mais volta. Ah, tem: a gente sempre volta ao SIA. O quebra-quebra nem começou e já passamos umas 50 manhãs de sábado entre granitos, pastilhas, cubas, metais e porcelanatos. De orçamento em orçamento, a família esvazia o bolso... Bem que o André Barcinski - o articulista divertido da Folha - avisou que fazer obra é imergir no conceito do eterno retorno de Nietzsche.

A ideia é muito boa por isso eu a plagio (não é só a Martha Medeiros que pode, não é verdade?). Agora entendo muito bem o que é esse eterno retorno. As idas e vindas do SIA. O carro já em piloto automático... Os orçamentos acumulando nas mãos... O eterno refazer das contas, a eternidade de detalhes que precisam ser REvistos, a infinita possibilidade de mudar a cor dos revestimentos das paredes dos banheiros...

"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"

Como não parecer pirada depois de ler Nietzsche? Até o nome dele nos dá um nó. Nem precisava ter escrito tanta coisa instigante. “Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?” Ir ao SIA ou reformar? Peraí, agora embaralhei tudo. Mas tudo não é apenas as duas faces da mesma moeda (olha o mundo aí a circular, tilintar, rodar). E eu respondo: quero sim! Não me arrependo.

Continuo a acreditar que a reforma é um “pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade”. Pelo menos para a minha, que vem ficando mais zen, mais humilde, mais instruída, à medida que não surta a cada repassar de olhos nos mesmos mostruários; que aprende que hoje já não se fazem mais torneiras com antigamente, e sim, misturadores da Deca, com toda a malemolência que um novo nome e seu megapreço podem acarretar.

E falando no aprendizado do meu projeto-argamassa, descobri mais uma boa. Anota aí pra você não delatar a sua idade ou a sua falta de estilo. Nada de chegar à loja para escolher lustre, tá? Que bola fora! (lá vem o mundo de novo, a rodar, quicar, ainda bem que mais no Japão do que aqui). A “chiquisse” da hora são os pendentes. A gente vai comprar um pendente para a sala de jantar, mas no banheiro da suíte o mais indicado é uma RGB ou um paflon, harmonizado com uma fita de LED, claro! Ou escuro, dependendo da conta fechar ou não.

Nada como fazer o orçamento de um projeto luminotécnico (favor não confundir com pirotécnico, uma vez que os cifrões brilham como fogos de artifício). Mas vamos lá, bola pra frente (planetinha azul, às vezes ovalado: mandala). O mundo não para... Anyway, quem disse que eu quero descer?


Comentários

  1. Oi, Loo!
    Esse texto do Nietzche deve ter dado origem ao Feitiço do Tempo, né não?
    Menina, pior que reforma depois que começa é um tal de "Seu Bernardo", tem que comprar um parafuso, aí você volta do SIA e "Seu Bernardo", precisa duma arruela... Ou o Marcel vai cuidar dessa parte? Tem alguma loja de pequenas coisas que você pode precisar de repente numa obra aí por perto, tipo AC Coelho?
    É isso aí, tudo foi renomeado depois do Marketing, lustre virou pendente, e o resto é o que você falou, você está sabendo mais do que eu, garotinha!
    Boa mudança.
    Beijo,
    Má.

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  2. Esse seu blog é uma vida em festa, Lu...rsrsrs.
    Fluido, fluindo...

    Bom demais o texto!

    Juliana Tavares

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