Jesus e outros amigos

E, quando os apóstolos lhe mostraram a magnífica estrutura do Templo (de Jerusalém), disse Jesus: "Não vedes tudo isto? Em verdade vos digo que não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derribada."(Mateus, 23:37-39 e 24:1-2)

Guardada as devidas proporções, tenho a impressão de que Bernardo está chocado com a destruição do templo dele. Sua toca, seu refúgio. O apartamento 306 da 303 sul é destruição, pó, cenário bombardeado pelo rigor das marretas, pela fúria rápida da destruição. Em um dia, metade da minha casa tinha parado não chão. Desmoronar é fácil mesmo. Empalidece.


Nossa sala era assim...

Mas meu marido é canceriano, apegado às tradições, ao lar. Além disso, é um número cinco do Eneagrama, o que faz dele uma pessoa que gosta de manter tudo sob controle. E uma obra, à primeira vista, parece qualquer coisa, menos controlada. Tudo o que podemos apreciar é o movimento caótico de tijolos partidos, cerâmicas quebradas e pedaços de madeira.


Agora está assim... E vai ficar????

Do meu lado, estou cem por cento em paz. Acredito que o ioga e as visitas regulares ao Templo Budista (a gente quebra um e ergue outro) tem me tornado um ser humano mais desapegado a cada dia. Às vezes nem me reconheço... Essa reforma em andamento e eu aqui: sem ansiedade, sem nervosismo, sem histeria. Estou curtindo; estou dando tempo ao tempo, esperando pacientemente que tudo se destrua para depois reconstruir. É um período de renovação interna e externa. Sincronia muito interessante.

Rômulo se diverte no entulho

Mas eu sou pisciana com alma de cigana. Gosto de revoluções, de mudança, de desafios, de perder o chão. A reforma para mim tem esse gosto eletrizante de porvir, de que vou ganhar uma nova-velha casa. Não sofro por partir, deixar para trás... Só se for pessoas; não objetos, possessões.

Aqui ficava um corredor...

O meu coleguinha novinho de trabalho ficou impressionado com a minha calma após ter tido o celular furtado. Mas eu estava mesmo tranquila. Não fiquei raivosa ou emputecida por ter sido furtada. A sensação foi apenas de desilusão em saber que o aparelho tinha sido levado por algum colega que, provavelmente, me vê todos os dias. Alguém do convívio.


Surpresa! Além do pilar, 3 canos de água no caminho

Então, sigo estóica. A reforma não vai abalar os meus alicerces. Mas a crise de abstinência de comprinhas, admito, é grande. Uma mulher que não compra uma blusinha em três meses!!!!! Não tenho feito nem window shopping a fim de não cair na tentação dos vendilhões do templo. Quanto penar! Essa carestia de sapato preto, de brincos e anéis... Todo o dinheiro canalizado para vultosos cheques de dez mil, oito mil, dois mil...

Meu guarda-roupa congelado no tempo em nome de um piso romano travertino 120x60 para os banheiros. Do revestimento "fall" da Portobello e da cerâmica jatobá (blergh, a associação com aquela madrasta-da-Branca-de-Neve da Isabela é inevitável. Quase desisti da marca) que vai alegrar meus pés no box da suíte do casal porque lembra seixos de rio, do rio Corumbá da minha infância, mato de molecagens.

Observo impressionada a força revolucionária da marreta

Textura agora só por meio dos porcelanatos, das bancadas em quartizito marrom absoluto e dos 120 metros quadrados de taco em madeira cumaru. Passo a mão, aliso, sinto, posso até cheirar. Tento aplacar a sanha do consumo feminino decidindo se o armário da cozinha vai ser revestido em bege maple ou bege linho.

É como se estivesse parando de fumar e inventando cicletes e balinhas de hortelã. Tudo por uma boa causa: esta que vai me dar um lar cheirando a novo, um templinho despojado, pero aconchegante, para receber Jesus, São Judas Tadeu, São José, Buda, Shiva, Lakshmi, Ganhesha, Brahma, Kali, Krishna, Saraswati, Chico Xavier e outros amigos desta e das outras encarnações. Namastê!