Pisciana de Juba




Atravesso boa parte das manhãs numa sala de cadeiras vazias. As paredes também estão vazias. A existência de um mundo a minha volta só é perceptível por causa das copas verdes das árvores que balançam do outro lado da janela. Ali, uma vida exterior me espera. Aqui, mergulho cada vez mais dentro da minha fossa abissal. 

Para uma pisciana de juba, como diria um amigo, é muito tentador rumar à profundeza do ser. Abandonar a transparência de peixinho decorativo de coral para se transformar nas criaturas aberrantes que só encontramos no fundo de nós mesmos. Moreia, Peixe diabo-negro, lula vampira do inferno, medusa. No abismo escuro, os monstros nada veem, apenas sentem. Essa realidade sensorial pode assustar quem, desavisadamente, topo com esses espécimes exóticos. 

O alívio para quem flerta com o oculto é a necessidade de subir à superfície para respirar de vez em quando. Mas o raso não atrai tanto quanto o fundo, por mais que eu me pele de medo do mar aberto. O que me salva do breu absoluto é, paradoxalmente, ter uma nadadeira defeituosa como o Nemo. Fragilidade imperativa: não desça muito longe, o fim do poço é sempre falso e você pode não conseguir fazer todo o caminho de volta mais uma vez. 

“Mundo, vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo isso seria uma rima, não uma solução”. O verso icônico de Drummond diz muito sobre essa dicotomia manhã-noite das mulheres-peixe. Um olhar de peixe-morto mirando a lua e o outro apontado para o buraco-negro da alma. 

As paredes são brancas, lisas, escorregadias... Os computadores são negros e cintilantes. Opostos que boiam na cenografia estéril dos escritórios-padrão. Sem esquecer as populares plantas de plástico. A verdade sempre está lá fora e não cá. The X-Files profético... 

Entretanto, é a diária artificialidade das manhãs que impulsiona a mulher com rabo de peixe a criar mais vida dentro dela. Quanto mais exigem que o ser mitológico se enquadre, mais sua cauda ondulante encontra fendas, brechas e pontos cegos. A besta fera toma conta da savana. A sereia canta e singra oceanos e cerrados, na contramão de quem aposta que ela não existe. 


Comentários

  1. Amei ¡!¡!

    Juliana Cruz

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  2. Uau!
    Me ocorreu ainda um "na contramão da contenção racional". E que venham mais figuras, sejam honrosas e dignas. Você e Isabel são dessa estirpe admirável que nos faz deduzir o inesgotável. Fico feliz que tenha olhado com carinho para a figura que sugeri, um tanto mais pelos nexos do que pela pura vaidade (penso eu).

    Wainer.

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  3. Ui!! espero que a sua nova colega tenha um sorriso mais amigável que esse aí!! bjitos linda leonina sereia. :)

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  4. Mas quem tem esse sorriso aí sou eu, cara BelBel!!!! KKKK!! Os desavisados se assustam bastante, porém é puro mecanismo de defesa!! KKK!!

    Beijão,

    Lulupisces.

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  5. Mentira, garota... seu sorriso é lindo e lhe abre portas de simpatia e confiança.
    É o seu "prime"... (aprendi esse conceito domingo por intermédio do Wainer).
    beijos e relax, querida. Sorria mais (fale menos...) e acredite que acreditam na Luciana Assunção.

    Sua fã e amiga,
    Isa

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