O Amor nos tempos do Poliamor



“Você lembra, lembra, naquele tempo eu tinha estrelas nos olhos...” Recordando e vivendo e morrendo de rir das coisas que fazíamos em nossos loucos momentos de amor juvenis. Como será a adolescência dos meus filhos? Como atravessarão as primeiras dores de cotovelo, a intensíssima primeira paixão? Terá mudado a essência desses sentimentos com as novas interações instantâneas ou essa galerinha vai penar e definhar como a gente ao lado do telefone? Esperando a carta ou o encontro no portão?

OK, sem carta, sem telefonema, sem espera no portão. Mas era tão bom! “O meu primeiro amor e eu sentávamos numa pedra que havia num terreno baldio entre as nossas casas”, assim afirma Mario Quintana no poema obra-prima chamado “Indivisíveis”. Meu primeiro amor e eu sentávamos num banquinho da quadra vizinha da minha, a 714 sul, mais chique, destinada aos funcionários do Banco do Brasil.

Na minha, não havia banquinho, só parquinho. E naqueles 14 anos, os balanços já não me faziam falta. Só se fossem os balanços das minhas mãos apertadas nas dele, o desengonçado garoto comprido que tinha vindo de Recife.

Depois veio a fase da fartura: a safra do segundo grau. Tantos olhares, flertes banais e deliciosos. Cabelão, calças jeans apertadas tamanho 38, cintura de pilão. Quando um menino do terceiro ano ficava de olho em você era a glória! Mas meu primeiro namorado firme mesmo foi o colega de sala repetente. Claro, ser mais velho era a senha para a conquista.

Entre um beijo e outro, rolava a turma de amigos. Os longos telefonemas que irritavam de morte nossos pais. E a discagem naquele telefone pesado... O chiadinho do disco era a trilha sonora da expectativa em ouvir a voz amada do outro lado da linha. 242-0581: este era o número da casa onde nasci e cresci. Uma cerquinha baixa na frente mudava de cor de tempos em tempos, mas algo não mudava nunca: era sempre poleiro de adolescentes em jogos de cena.

Então veio a faculdade e as portas abertas da liberdade... O amor ficou mais maduro, mas não menos denso. Esbarrões no Minhocão da UnB, festas no teto que, comparadas às atuais, parecem mais com um chá de bebê do que reunião de universitários.

O namorado vai embora para outro estado fazer mestrado, ó dor! Os telefonemas agora são noturnos, depois das 22h00 (tarifa mais barata) e vêm do orelhão da praça perto da rua Dr. Quirino, em Campinas/SP. Meu corpo era como a espera do Pequeno Príncipe: duas horas antes já queimava na ânsia do trim...

Os carteiros se transformam nos seus melhores amigos e a conta mensal de selos, cartõezinhos apaixonados e presentinhos enviados nas caixinhas amarelas também exasperam seus pais. O amor balança na ponte rodoviária entre Brasília e São Paulo. Até hoje, o nome Rápido Federal me provoca espasmos de angústia.

Coleção de papéis de carta; canetas de todas as cores; fitas-cassete gravadas com fúria e melodrama. Romantic songs para os amassos no carro, no quarto, na lua... Não sei se os meus filhos gozarão dessa inocência. A gente acreditando que ousava, lado a lado com a indecência. HaHaHa... Fico corada em descobrir como éramos pueris diante dessa geração de raves, pegação, ficadas. Garotada das transas convulsas, lépidas e inúmeras.

Agora você pode declarar sua avassaladora paixão todo momento pelo WhatsApp. Postar fotos, mensagens e beijinhos no FB. O Instagram revela qualquer um. A ausência perdeu a razão de ser. Nada de cartas de amor ridiculamente grandes, escritas na sofreguidão da saudade e do tesão recolhido. Hoje não dá nem pra sentir saudade, né? E tesão, dá? Você pode estar com quem você quiser o tempo inteiro, a cada minuto...

Como está sendo desenhado o mapa de afetos dessa nova juventude dos Emoticons; das gargalhadas gráficas, do curtir or not curtir? Meninos e meninas que desconhecem tempo de encubação. Será que as mocinhas ainda gostam de bichos de pelúcia, ursinhos abraçados a corações vermelhos, coelhos e cachorrinhos acompanhados de uma declaração de amor escrita à mão? À mão? Estou chegando às raias do delírio...

O “Amor nos Tempos do Cólera” transmutou-se em Amor nos Tempos do Poliamor: piração abundante e descompromissada. Tudo é too much que fica too boring... Sei lá, talvez seja apenas a minha miopia posando de saudosista clássica: no meu tempo era melhor... Era? Mais íntimo, sim. Mais delicado, provavelmente.

Entretanto, posso estar redondamente enganada. Agora, nesse instante, uma guria de cabelo comprido talvez esteja molhando o travesseiro ao som de alguma canção torturante, como fazíamos há 20, 30 anos, sem tirar nem pôr.



Comentários

  1. É verdade, Lu! Como antigamente era bom de namorar... Havia mais encanto, mais suspense, borboletas na boca do estômago na hora do encontro... Tudo tinha mais valor! Acredito que hoje os momentos ficaram banais. Tudo muito fácil!!!!

    Beijos,

    tia Leila.

    ResponderExcluir
  2. Bateu a maior saudade...nostalgia...belo texto!
    Namastê!
    Cynthia

    ResponderExcluir
  3. Basta ouvir as músicas de hoje para a gente perceber que não existe mais emoção! Cadê o PARA OUVIR E AMAR? Cadê Air Supply, Chicago, Lionel Richie, Richard Marx? Uma pena...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Poizé, Larinha, bem lembrado: Para Ouvir e Amar!! O romantismo foi mesmo para o beleléu... Essa garotada de hoje é pelo pragmatismo. Sei não o que vai ser dessa futura sociedade que cresceu no hedonismo, carpe diem total. Fico apreensiva por que isso gera um individualismo muito grande. Bem, é pagar pra ver!

      Beijocas!

      Lulupisces.

      Excluir
  4. Vc lembrou bem, Lu! Quem diria que nos comunicávamos assim? Que eu escrevia cartas para as minhas amigas que não conseguia encontrar durante a semana, para o namorado, enfim, para todo mundo! kkkk ai que saudade...

    Ana Cláudia.

    ResponderExcluir
  5. Li seus últimos textos "no atacado", como você costuma dizer, Lu… Mas não sei o que se passa que eu não consigo comentar!! snif snif… Escrevo um tantão de coisa, me identifico, mando publicar e… some tudo!! E olha que sou uma pessoa tecnológica, kkkk

    Mônica Emery

    ResponderExcluir
  6. Lú, muito boa suas memórias! Me lembrei da minha adolescência e dos meus pais dizendo que a época deles era melhor...
    O amor continua igual, sentido da mesma forma, só a forma de comunicá-lo que mudou. Minha jovem filha passou pelas mesmas aflições, alegrias, suores que passei e ainda passa. As mulheres mudaram, cresceram, avançaram, criaram suas filhas mais seguras, mais donas de si. Mas essas mesmas mães que avançaram para criar suas filhas, ficaram paradas no tempo para criar seus filhos, que hoje, perto da mulherada, não sabem ainda lidar com suas emoções. Que Deus te ilumine a criar homens sensíveis e competentes nas emoções! Que o medo não se faça presente na vida deles! Que os ranços do certo e o errado sejam tirados! Que a liberdade com responsabilidade sempre é o caminho. Não tenha dó deles, os acolha sempre. Irão amar da diversas formas que se existe e namorarão não só na adolescência, mas durante uma vida toda. Mulheres quebram tabus. Agora nunca vi, ou pelo menos não estou lembrada, de ver um homem quebrar um tabu.

    Renata.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Mandou muito bem, prima! Estou aqui nessa batalha para criar meninos sensíveis... Semana passada, Tomás debutou em sua primeira ópera: La Traviata. Não sabia se chorava porque essa é ópera mais linda de todas ou se chorava de orgulho pela carinha de satisfação dele. E no final, ele disse: "é mais legal ainda ao vivo do que ouvir só o disco, né?" Vamos que vamos, prima! Não é fácil não ensinar aos garotos que eles também podem ser leves, delicados e Homens.

      Um beijão,

      Lulupisces.

      Excluir
  7. Como diz a Mônica Ramos Emery, espero o tempo sobrar e leio tudo no atacado. Amei esse texto. Acho que é porque minha memória é falha, preciso de estímulo para lembrar. E os bilhetinhos deixados no para-brisas do carro? Eram os meus preferidos! Muito bom, Loo!

    Marisa.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ousadia

Presentim de Natal

Horizonte de Eventos