Patrimônio imateral




Passeando os olhos em busca de uma vaga. Mesmo antes das oito da manhã, encontrar um espaço para carro leva algum tempo. Uma brecha na lateral, ao lado da calçada! É apertada, o exato tamanho do Honda Fit. Arrisco dizer que boa parte das mulheres desistiria da missão de fazer uma baliza. Eu, não, porque tive uma grande mestra: mamãe. 

Todas as vezes que faço baliza agradeço as tantas coisas interessantes que mamãe me ensinou a fazer. Provavelmente muito mais do que eu tenha consciência. Com certeza há muitas delas lá no fundo do cérebro que estão impregnadas em tantos anos de convivência. Claro, isso não é novidade pra ninguém. Tô chovendo no molhado. Todavia, a redundância também é parte do processo de reflexão. 

Não gosto de dirigir, não me considero um ás do volante. Mas faço uma baliza bem bonitinha. O Honda Fit está lá, encaixadinho, um palmo de folga para cada lado. Perfeito. Nenhum instrutor de autoescola foi mais eficaz do que dona Maria: “Emparelhe seu carro na lateral do outro; comece a dar ré e quando o seu carro estiver na metade do outro, vire todo o volante para a direita ou para a esquerda, dependendo do caso. Depois, é só acertar o carro na vaga”. Provável que não tenham sido essas as exatas palavras, mas foi o que a minha mente guardou. Daí, reproduzo e tenho sucesso sempre. 

Mães, mães... Ensinam tanto, ensinam tudo? Nessa semana vi uma entrevista com o escritor Márcio Vassalo. Um dos novos livros infantis dele é dedicado à mãe. Chama-se “Minha praia até o Japão”. Ele explicou que a mãe nunca cavou um buraco fundo na praia junto com ele, como o pai sempre fazia, mas que lhe ensinou a ter um olhar profundo sobre as coisas e merecia essa homenagem. 

Nossa, o relato dele me tocou! Quem é mãe de menino talvez tenha essa dificuldade de “brincar” com o(s) filho(s). Eu tenho um pouco. Também não sento na areia para fazer castelos com eles como o pai sempre faz. Não monto Lego, não aposto corrida de Hot Wheels. E obviamente me sinto um cadiquim culpada por não gostar dessas brincadeiras com mais testosterona. 

Vejo os três irmanados no videogame, no bete, no chão montando quebra-cabeças. Ai que mãe chata que tem preguiça de surfar nessas ondas... Mas se for para olhar o céu, tirar uma foto da flor, ler aquela historinha de noite, juntinho-na-cama-sentindo-o-cheirinho-morno-de-filho-prestes-a-dormir... Se for pra fazer momento-dança com a música da Lady Gaga ou da Madonna no último volume, dar uma aula de yoga, andar de bicicleta, contem comigo! 

Então espero que meus filhos também compreendam que eu não vou cavar fundo nenhum buraco na praia (até o momento pelo menos). Que não vou jogar frescobol ou batalha naval. Porém, que eu tento oferecer aos dois um olhar mais agudo sobre as subjetividades da vida. Que eles aprendam algo com a mãe, nem que seja colocar a roupa suja no cesto, perto da máquina de lavar. E que se lembrem disso com carinho lá na frente. 



Comentários

  1. Bom dia, Lu!

    Pois eu já cavei grandes buracos, fiz muitos castelos com filhos e netos... Até já os enterrei até o pescoço como brincadeira e pra esconder do sol quente de Salvador...Mas cada mãe é cada mãe. Cada um no seu estilo de vida...

    Bjs.,

    tia Leila.

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  2. Muito legal Luciana! É bem assim mesmo.
    Eu tenho com a Ana Olivia, às vezes, uma relação quase maternal também.
    Porque eu gosto - e ainda consigo - pegá-la no colo!
    Uma coisa gostosa, um aperto bom.
    Mas é claro que existem os momentos em que só serve se for a mãe mesmo.
    Algumas conversas femininas que rolam entre elas...
    Um ditado mais do que óbvio: Mãe é mãe.
    As "Mães" com as quais convivi são admiráveis: a minha própria, a minha tia Maria, as minhas irmãs e a Eliane. Muito dedicadas e perceptivas.
    A Eliane, às vezes fala que eu amo tanto a Ana Olivia, mas nem sempre percebo alguma coisa que está se passando com ela.
    Nós homens, e mesmo quando pais, somos menos sensíveis por natureza, e não por opção. Por isso que é bom que o filho tenha os dois pais, ali com ele.
    Dá até pra viver sem o pai, como eu próprio vivi. Mas sem a a mãe, é muito difícil!!

    Um beijo e bom fim-de-semana pra você, para os meninos e para o Bernardo.

    Paulo Magno.

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  3. Penso que a mulher contribui para o despertar da "porção mulher" no homem, que muitas vezes já vem camuflada pelo preconceito de que " homem que é homem" não chora, não dança, não brinca de bonecas...e por aí vai.Por mais elevada que seja a nossa testosterona, a nossa real natureza, vem para desmistificar e criar um novo ser, uma versão melhor do ser homem, bem descrita na canção do sábio Gilberto Gil,"um dia vivi a ilusão de que ser homem bastaria..."
    Beijo grande amiga, e continue sempre nos proporcionando essa terapia da reflexao, para que possamos nos tornar seres melhores...
    Namastê!
    Cynthia

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  4. que foto luminosa!

    Beijo,

    Giovana.

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  5. Sabe, apesar da Bruna ser menina, eu não tinha muita paciência prás brincadeiras, nem o Gustavo, infelizmente. Brincava meio no automático e me arrependo extremamente disso. Quem a salvou porque adorava brincar de verdade foi a avó... minha mãe virava criança junto com ela. Então ela teve a sua dose de interatividade lúdica e saudável com um adulto. Eu não tinha a metade da consciência que tenho hj, senão teria feito tantas coisas! Aquele ser ali, receptivo a tudo, bastava eu me interessar. Estou lendo o "Precisamos falar sobre o Kevin" e aí enquanto vc lê sobre a criação dele pela mãe (tô aqui abstraindo bastante da questão da sociopatia do menino), me atendo somente aos cuidados e modo de educá-lo, vou de forma instintiva lembrando de mim como mãe da Bruna criança e acho que deixei a desejar. Aí vc pergunta, mas vc deixou de ser mãe dela hj em dia? Não pode fazer mais nada? Claro que posso! Ao menos tento... porque a criança não tem nem um pedacinho do véu intransponível que o adolescente interpõe entre vc e ele. Tudo é mais difícil e ele difícilmente estará aberto para vc sempre, ele vai filtrar o que quer ouvir, o que quer aprender contigo, o que vai seguir vindo de vc. Então temos que aproveitar ao máximo a infância deles, porque quando a criança "morre" (o sentimento é esse), aos poucos vc percebe que precisará esperar que seu filho saia da adolescência para voltar de braços abertos prá vc.
    Bjs
    Patty

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    Respostas
    1. Tem toda razão, Pattygirl!!

      Eu sei que estou perdendo momentos preciosos... E sei que estou construindo outros. Não dá pra ser tudo, infelizmente! Sou melhor mãe agora do que fui quando os meus filhos eram bebês, por exemplo. Tomás foi um choque: primeiro filho depois de 11 anos de vida A DOIS. Foi uma adaptação complexa demais!!! Além disso, mamãe e a história do câncer... Aí veio o Rômulo e a volta do câncer da mamãe junto com o câncer da minha madrinha. Tadinho dos meninos... Minha cabeça tão atarantada... Hoje procuro curtir mais. Estou claramente menos tensa, menos neurotizada, menos triste e deprimida. Melhor não pensar em tudo o que eu deixei de fazer. E apenas tornar tudo de agora em diante mais interessante. Ontem, por exemplo, dançamos loucamente no tapete da sala ao som de Adele e depois de R.E.M. É assim que eu quero que eles saibam que eu vou ser a mãe deles pra sempre!

      Beijão,

      Luzinha, Lulupisces.

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  6. Contramor
    Adélia Prado

    O amor tomava a carne das horas
    e sentava-se entre nós.
    Era ele mesmo a cadeira, o ar, o tom da voz:
    Você gosta mesmo de mim?
    Entre pergunta e resposta, vi o dedo,
    o meu, este que, dentro de minha mãe,
    a expensas dela formou-se
    e sem ter aonde ir fica comigo,
    serviçal e carente.
    Onde estás agora?
    Sou-lhe tão grata, mãe,
    sinto tanta saudade da senhora...
    Fiz-lhe uma pergunta simples, disse o noivo.
    Por que esse choro agora?

    Bernardo Mello

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  7. Luciana,

    você sempre diz que você não é mãezona e eu até sinto um certo desprezo quando você cita as mulheres que o são.
    Mas quem acompanha suas aventuras com os meninos por aí, constata que isso tudo é só falácia. Você se diverte com eles e está sempre presente.
    Creio que eles vão ter muitas histórias para contar.

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