Vice-versa



Ameaçadora a página em branco. Então a urgência de maculá-la com qualquer ideia. Mas quando o insight não vem, o que se faz? O sol está tão bonito lá fora... Comemora-se o Dia Internacional da Mulher e é aniversário de uma boa amiga, exemplar digno de ter nascido nesse dia em que o feminismo e o feminino se encontram, se abraçam e se unem para gritar basta! Queremos ser apenas o que somos. Libertas de rótulos, de cabrestos, de discursos que nos protejam ou nos enalteçam como algo extraordinário. Existimos. Homens, convivam com isso! 

Só que eu não quero escrever panfletos. Quero a manhã para ficar deitada na grama. Para ouvir meu filho rindo gostoso das besteiras que ele mesmo inventa. Sonhei que estava num brechó com outra amiga e acordei divertida. Tasquei U2 – The Joshua Tree – no último volume no carro e fiz uma garagem de ré, mostrando que mulher também sabe dirigir quando está a fim. E se não sabe, quantas rugas de preocupação... 

Todavia, no Dia Internacional da Mulher, quem foi agredido foi um homem. Meu irmão. Roubaram seu carro e lhe deram coronhadas na cabeça e olhos. Coitado. Tive dó. Tive vontade de colocar o marmanjo no colo e dá-lhe abrigo do mundo mau. Meu coração se agitou como beija-flor ao ouvir a notícia. Que medo deve ter sentido ele daqueles meninos-homens-moleques armados. Crianças ameaçadoras. Que coisa torta! Será que pensou: hoje despeço-me de minhas filhas, do meu filho? Repito a morte de meu pai, deixando-me sozinho na adolescência? 

Não tenho como dimensionar o terror que se instalou sobre ele. Só quem passa por tamanha violência sabe o que é perder a crença na bondade da raça humana. Quando tinha 15 anos, ganhei a suprema felicidade da minha mãe de presente de aniversário: uma mochila emborrachada da Company e um relógio que trocava pulseiras da Champion. Época de ligar para marcas, de pensar em bando. 

Na parada de ônibus, um grupo de meninotes, pivetes, tentou tirar de mim o que de melhor eu tinha para me exibir. Travei intensa briga com eles porque, naquele tempo, os garotos eram apenas garotos cheios de marra. Eles não tinham sido tragados pelas atrocidades da desumanização. Eles não atiravam somente para se sentir vivos. Eles não eram zumbis. 

“Seu irmão não reagiu, não fez nada, por que bateram nele?”, chorava, minha cunhada. Porque eles precisam sentir o gosto de sangue. São as bizarrices criadas por uma máquina cruel: capitalismo truculento. Quando não se é gente, como reconhecer o semelhante? “Narciso acha feio o que não é espelho”, recordam? Eles nos creem monstros e vice-versa. Dois lados da mesma moeda. 

Construímos cidades-condomínios, ruas cercadas por muros de arame farpado. Isso, sim, já é a vivência do apocalipse. A perda do espaço comunitário público é a derrocada da civilização. 

Nessas horas, dá vontade de ser finlandês, norueguês, sueco ou até alemão, povos que aparentemente  se reinventaram e, de algum modo, vivem em relativa saúde. Mas não há saída fácil para quem nasceu abaixo da linha do Equador, num país chamado Brasil. 



Comentários

  1. Curti mas não curti. Que chato. Minha solidariedade ao Edu.

    Beijos,

    Má.

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  2. Eu nao gosto que falem mal do Obama ou que falem mal do Brazil, nao gosto que falem mal de quem nao pode se defender. Estava gostando muito do seu texto ate chegar na ultima linha.
    Outros paises tambem tem seus problemas, la tambem tem crime, ou voce acha que ha algum lugar perfeito nesse mundo?

    Que coisa triste que aconteceu com o seu irmao, espero que ele possa encontrar uma maneira de lidar com essa experiencia, que com certeza deve ter marcado ele para sempre.

    Nao vamos poluir um pais inteiro por causa de uma certa porcentagem da populacao. Facil falar mal ne? falar bem? ninguem perde tempo.

    Eu briguei com um amigo por causa do Obama e eu nem sou fan do Obama. Uma questao de principio e nada mais!!!

    Melhoras para o seu irmao,

    Evelyn

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  3. Oi dear Eve,

    meu irmão está bem, fique tranquila. O susto foi grande, mas não passou de um susto humilhante. Pelo menos não deram um tiro na cara dele. Porque isso acontece todos os dias no Brasil por nada. Aliás, por um tênis, um relógio, uma bolsa... Ninharias.

    Quem não pode se defender, o Brasil? O Brasil pode se defender sim. Pode ser um país menos corrupto, menos injusto, menos mentiroso, menos desorganizado, menos elitista, mais comprometido com a Educação, pois só a Educação pública de qualidade vai mudar essa cena de guerra civil, onde os excluídos matam os abonados. Onde a classe média acha que se esconde em condomínios, mas são assassinados na porta deles.

    Eu amo o meu país, mas é um país desigual. Se não fizermos nosso mea culpa, se não tivermos autocrítica e não exigirmos mudanças e também fazermos a nossa parte, nunca mudaremos esse estado de coisas.

    Um abraço,

    Lulupisces.

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  4. Oi dear Luciana,

    Eu pensei assim: sera que eu eu respondo a esse texto no blog ou deixo quieto? se eu deixar quieto eu não vou causar polêmica, mas, por outro lado, eu acho que você como escritora prefere a critica do que a indiferenca do leitor.
    Luciana, aqui também é um pais desigual. Aqui as pessoas são empurradas na plataforma de trem por motivo banal. Aqui, no metrô de NY, vão implantar aquelas paredes de vidro que tem no metro em São Paulo para evitar que esse tipo de crime acontença novamente. Como é que a humanidade chegou a esse ponto de empurrar uns aos outros na frente de um trem passando?

    Você quer mudar o Brasil? Não exija mudança! Seja a mudança!

    Um abraco,

    Eve.

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    Respostas
    1. Querida Eve,

      claro que você pode e deve comentar, sempre! Não quero que os meus leitores sempre concordem comigo. Esse debate é importante. Eu cresço com vocês, com opiniões diferentes da minha.

      A humanidade está completamente louca, Eve. Os EUA são um país desigual, sim. Mas o Brasil é mais. Os EUA, por ser rico como é, deveria estar no patamar da Noruega... Entretanto é um país enorme, difícil de administrar, com grandes diferenças culturais e climáticas... É como o Brasil. Um tipo de solução não atinge a todo mundo.

      Eu faço a minha parte, eu sou a mudança no meu trabalho, na minha casa, no meu blog. Eu tive coragem de colocar meu filho numa escola pública e lutar por ela durante cinco anos... Quem da classe média faz isso?

      Eu não me vendo no meu trabalho. Quem tem coragem de fazer isso?

      As ações são pequenas, de formiguinha, mas eu sigo. A minha consciência está em paz.

      Obrigada por sempre comentar meus textos. Repito: gosto muito das suas participações!

      Beijos,

      Lulupisces.

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