Os textos que você fez para mim




Mamãe, fica um pouquinho comigo... Você nunca mais cantou aquela música... Eu cantei para você ontem, meu filho... Não, aquela música... Qual? A que termina tipo assim... “e um alegre despertar...” Ah... 

“Tá na hora de dormir, não espere mamãe mandar... Boa noite, Romulito e um alegre despertar...” O que um bom jingle não faz! Atravessa gerações e serve de canção de ninar para novos niños. 

“Porque cantar parece com não sofrer, é igual a não se esquecer que a vida aqui tem razão”. Foi a primeira música que ouvi hoje, primeiro dia do Outono de 2013. E a gente que pensava que o ano 2000 era coisa de ficção científica. Curti Ednardo e voltei no tempo da MPB de elevada inspiração poética. Belchior, Fagner, Amelinha, Zé Ramalho... Anos 70... Recordações que encharcam os olhos. 

Queria gravar o pedido diário do meu filho que logo mais não será diário, não será. Não existirá a não ser na minha lembrança. Mas se eu começar a sofrer de Alzheimer e me esquecer de que ele pede todas noites: Mamãe, fica um pouquinho comigo... Não conseguir acessar a entonação, o timbre, a sonolência de sua boquinha vermelha... 

Preciso registrar e postar no facebook, no youtube. Nem que seja para um gozo superficial. Uma memória instantânea, mas, ainda assim, memória. Por que temos tanta necessidade de segurar nossas vivências, de reparti-las, ofertá-las? Para legitimá-las? Se a gente não recorda de algo é porque esse algo não existiu? “O Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças” já discutiu o tema muito melhor do que eu. 

A mim cabe apenas registrar meus sentimentos nessas linhas. Deixar alguma marca de valor sem pudores. Revelar minha alma para que eu mesma me permita conhecê-la. E que essa alma aberta seja lida pelos meus filhos quando lhes for conveniente. Tenho buracos significativos de memórias imprescindíveis. Meu pai parece ter sido apagado das recordações familiares. 

Acho que meus irmãos e minha mãe deram um pulo na Recall e fizeram um implante de esquecimento. Ou todos, sem a minha permissão, participaram do tratamento experimental oferecido à Clementine. Aí eu fico igual ao Joel, tentando encaixar meu pai em memórias fabricadas. E assim vou criando meu Frankenstein, minha colcha de retalhos paterna. 

Outro dia descobri que o nome Rondon Herculano de Assunção está gravado numa placa alusiva à primeira turma de Direito da Universidade Federal de Goiás. Agora correrei atrás desse tesouro. Resgatarei uma das pedras fundamentais da história de meu pai que não me foi compartilhada. Vou de frente para trás, avanço. Importante é preencher as lacunas. 

Por isso escrevo aqui, posto ali, registro acolá. Meus filhos não serão órfãos de minhas vivências. Não mendigarão fotos, causos, cartas, risos e choros deles e meus. Minha casa é um relicário. Meu blog, a única herança que vale a pena. Um jornal diário cuja manchete principal é: Vivo! 



Comentários

  1. Lú,

    Lindo... Você é pura emoção...vá em busca da placa, coloque os sorrisos e bocas do seus filhos... Se a vida não é vivida, pra mim não vale a pena.
    Sou um pouco como você... Posso te garantir que o tempo não vai apagar as travessuras, carinhos, do seus filhos.
    Tem gente que bloqueia as emoções, não é o seu caso. Muito bom repartir as vivências, sempre apendemos com o outro. Se observarmos, é mais fácil que vivenciar muitas vezes.

    Bjs.,

    Renata.

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  2. Lu, se meu paizinho estivesse vivo, hoje (26) faria 83 anos...muitas saudades, e as lembranças passam como um filminho em nossa tela mental.Tão bacana o seu blog, com seus registros, seus albuns de família, que você compartilha com todos nós, nos trazendo reflexões sobre a nossa própria vida.Grata sempre!
    bj.Namastê!
    Cynthia

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