Quantas mais?






Não sou feminista. Deixo a tarefa para meninas mil vezes mais embasadas e aguerridas como Lola Aronovich, Camille Paglia, Pagu, Rita Lee e tantas outras de antes e de agora que estão aí com boca no trombone, não mais rasgando sutiãs, porém aparecendo peladonas na rua para protestar. 

Foi muito interessante ver dois exemplares desse tipo de ativista no primeiro desfile de Sete de Setembro no qual levei meus filhos. Eles puderam ter um vislumbre do que as mulheres podem fazer por uma causa. Se bem que, com a mãe que eles têm em casa, já estejam bastante cientes das habilidades do tal sexo frágil. 

Mas entra ano e sai ano de ativismo feminista e as manchetes dos jornais brasileiros continuam a estampar a mais bárbara e primitiva forma de machismo: os crimes passionais. Fiquei chocada. Não, fiquei triste com o assassinato da vendedora da Pucket no Terraço Shopping porque eu bati papo com ela no fim do ano. Estava procurando um presentinho para a minha afilhada Bibi. E queria dar uma sandália da marca Bibi para ela. A moça foi muito gentil, mas não havia o número para a idade de Bianca e nem o adesivo-brinde com o nome Bibi (que era, de fato, a razão pela qual eu queria comprar o sapatinho). 

Além disso, o Terraço Shopping foi o quintal do meu apartamento por cinco anos. É ali que eu levo meus filhos ao pediatra. É ali que eu vou de vez em quando à caça de presentes (não curto shoppings e o Terraço, por ter arquitetura despojada e aberta, irrita menos o meu coração socialista). Então, um crime passional naquele lugar legalzinho provocou a minha ira duplamente. 

Porque eu nasci irada com esse tipo de crime. Irada. E hoje o maior jornal da cidade estampa mais dois... Os homens continuam a tratar suas mulheres como propriedade. E as mulheres continuam a confundir amor e zelo com doença. Sempre defendi que essa infame modalidade de assassinato deveria ser transformada em crime hediondo inafiançável. Os homens do Brasil precisam entender, a ferro e fogo, que estamos no século 21.

O crime passional é bizarro, bisonho, a começar pela definição: passional? De paixão? O que a paixão tem a ver com isso? Ela serve apenas para minimizar a pena dos agressores, assassinos que premeditam suas ações e depois vêm colocar a culpa no “descontrole emocional, no amor incomensurável e incontrolável, na fúria”. Histórias para boi dormir e para sociedade machista engolir. 

Poucos são os maridos/namorados que matam suas garotas ou ex-garotas durante uma discussão violenta. A maior parte desses horrendos atos acontece de tocaia, na traição, atitude muito comum para esse tipo de homem que tem objeto em casa e casos lá fora. 

E o que acontece com essas mulheres? O que leva uma menina a achar que é melhor estar mal acompanhada do que sozinha? A não levar a sério qualquer ameaça verbal? A retirar as queixas que fazem ,depois de anos de abuso, na Delegacia da Mulher? Que coisa mais estapafúrdica! Não consigo entender os mecanismos mentais dessas moçoilas de abissal baixaestima. 

Mas, como afirmou um estudo que li em algum lugar - muito acertadamente por sinal - as mulheres são criadas para ter a certeza de que precisam agradar seus homens. E até eu estou deixando os meus cabelos crescerem porque meus filhos homens pediram. Tá vendo? A gente precisa reprogramar essa meleca. E olha que a minha mãe fez um bom trabalho comigo, hein!! Eu não costuro, não cozinho, não lavo e não passo!!! KKK!! 

Falando sério, já expliquei que não sou feminista. Não sei defender minhas teses com argumentos sólidos, intelectuais. Apenas estou tentando fazer diferente com os meus filhos, mostrando que um casal funcional divide tarefas e mantém o espaço da individualidade preservado. Que ciúme é uma imbecilidade. Que respeito é bom e todo mundo quer. Mulher não é brinquedo. Não é coisa para usar, quebrar e jogar fora no cemitério mais próximo. 

Esses lances “não faço isso porque o meu marido não deixa”, “só vou se for com o meu marido”, “meu namorado não gosta que eu pinte as unhas de vermelho...” E ainda por cima propagados com orgulho, como se fosse algo bom (tá vendo como ele gosta de mim e se preocupa comigo?). Mais ainda: xeretar celular, facebook e sei lá mais o quê do outro. Ter contas comuns de e.mail... Vixe!!

Sinal de que a relação está baseada em um tripé manco formado por insegurança, desconfiança e carência. Fórmula que gera infelicidade e, muitas vezes, fatalidade.



Comentários

  1. disse tudo, Lulu!
    bjs, Débora

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  2. Gostei do texto Luciana!

    De certo ha algo de muito errado com a mente de muitas mulheres que ve no controle do homem uma forma de amor. Eu me lembro quando estudava magisterio, uma menina na minha classe tinha deixado de estudar porque o namorado pediu. O que aconteceu? ela nao morreu, mais o namoro terminou, ela ficou sozinha, e voltou a estudar depois de mais velha.
    Detesto quando eu escuto historias de mulheres que dizem assim: ah o meu marido nao deixa eu ir... (Ele me ama demais, o seu deixa? ah ele nao gosta tao assim de voce...)O que esta entre parenteses nao eh dito durante a conversa, mais fica entre as linhas e so uma mulher para entender outra mulher.
    Infelizmente a mente humana cega as mulheres da realidade; ele me bateu de novo, mais foi a minha culpa, foi porque... ou assim: dessa vez vai ser diferente, ele disse que vai mudar...

    O que ha de se fazer? eu como mae de filhas tenho aqui as minhas preocupacoes!!!

    Beijos e boa semana, Evelyn

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  3. Lu, discordo radicalmente com você! Você É SIM uma feminista. O feminismo é a ideia de que as mulheres são seres humanos, têm direitos e deveres igual a qualquer outra categoria de ser humano, ou seja, homens. Você pode até não ser ATIVISTA, MILITANTE, mas já está dando sua contribuição para um mundo menos machista na criação de seus pequenos homens. Ora, como assim, "não sou feminista", rsrs? Assuma seu feminismo, será melhor pra todo mundo! Pode deixar que não serei eu a fazer campanha para que você passe, por isso, a participar das longuíssimas horas de reuniões e marchas sob o sol escaldante... rs. <3 mwah!!

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    1. Oi querida Raibow Jandirobsky!!! Que bom ver você no blog!

      Quis diz que não tenho cacife "intelectual" para ser feminista. Mas a gente faz o que pode, né? Tô tentando, tô fazendo minha parte. E escrevendo no blog e fazendo e cutucando algumas onças (mulheres) com a vara curta!

      Obrigada pelo apoio ao blog e à causa!!

      Beijão,

      Lulupisces.

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  4. Muito bom!!! Repudio todas essas situações mencionadas por você e por todos, sendo assim, sou feminista sim, graças a Deus!!!
    Valeu...Namastê!
    Cynthia

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  5. Querida Lu!
    Que assunto mais triste! Além da dupla jornada, da fragilidade física, da maternidade, dos muitos impostos que pagamos, ainda ter que passar o que essa jovem passou? viver ameaçada? Alguém que literalmente diz que vai estuprá-la? Alguém que tem a falta de humanidade de tirar a vida da mãe de seu filho? Em que mundo estamos? Que monstros essa sociedade está criando? Fico aqui mais triste do que nunca, por saber que todos os dias assistimos à notícias tão repugnantes! analucia

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  6. Luciana,
    eu fiquei duplamente chocada porque um dia antes deste crime hediondo eu tinha recebido a notícia de que no dia 19/12, um bom amigo dos tempos do Banco do Brasil havia sido morto a facadas pelo seu namorado.

    Não sei se você se lembra dele, de um dos meus aniversários. O Paulo César, que eu sempre chamei de PC, aposentou-se e foi morar em Planaltina de Goiás e nós perdemos o contato. Ele saiu com o tal namorado (um rapaz de 20 anos), discutiram e o cara o deixou desfigurado. Foi preso logo em seguida, mas e daí? Foi muito duro vê-lo nas páginas policiais (eu procurei no Google). Principalmente a foto do corpo todo coberto por um plástico branco com os pés de fora. (Quem mandou eu ir fuçar na internet né?)

    Aproveitando o ensejo, eu também sempre achei que você muito mais bonita de cabelo comprido.

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  7. Lu, li o texto, é isso aí. Triste realidade. Não escolhe cor nem classe social. A violência contra a mulher está presente, e em algumas formas sequer é percebida. Caso da violência psicológica, a chantagem, a diminuição da autoestima.

    Enquanto a física é gritante, a psicológica existe nas entrelinhas. Quantas mulheres não sofrem com ela? O pior de tudo é que os órgãos de proteção estatal parecem fechar os olhos a essa situação. Mas o STF já disse que não precisa de representação, que o agressor deve ser processado independentemente da vontade da vítima.

    Então porque diabos os juízes não seguem a orientação do STF? O que será que precisa acontecer para mudarmos a mentalidade? Não precisamos de mais leis, precisamos de mudança de mentalidade...

    Bjs,

    Ana Claudia.

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    1. Sim, dear Ana Claudia, precisamos de mudança de mentalidade nas crianças, principalmente.

      Nós, mães, temos de criar meninos e meninas para a cultura da igualdade de direitos e deveres. Para a convivência sadia. Não para a competição e exclusão (isso é coisa de menina, isso é coisa de menino). Só assim a gente vai produzir uma sociedade menos machista.

      Mas se esse tipo de crime fosse enquadrado como hediondo e sem direito à fiança (o assassino aguardar preso até o julgamento), acredito que muitos homens (podem ser chamados assim?) iriam pensar duas vezes antes de fazer qualquer coisa.

      Os homens matam porque sabem que não vão ser punidos. Porque vão ser julgados por juízes homens condescendentes. E por um jurado latinoamericano ainda totalmente imerso na cultura do machismo.

      Ninguém está livre mesmo de uma agressão. Aposto com você que quase todas as mulheres já foram ameaçadas ou agredidas de alguma forma (física ou verbalmente) pelos maridos/namorados. Mas isso é muito da América Latina. Cê vê que a estatística desse tipo de crime nos países europeus é pequena. Ali, as mulheres já conseguiram, de fato, um status de igualdade que não retrocede.

      Enquanto isso, no Brasil, quantas mais? Quantas mais?

      Abreijos,

      Lulupisces.

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  8. Pois é. Todas nós temos uma história dessas para contar. Essas histórias acontecem com todo mundo. Só que no nosso nível social elas são mais escondidas. A mulher fica com mais vergonha do que aquela que não tem condições financeiras. Afinal, ela batalhou, venceu profissionalmente, não precisa do dinheiro do marido. Com a minha amiga foi assim. Ela disse que até hoje se sente humilhada. Em ter que contar a vida dela para uma delegada. Para uma juíza. Para um promotor. Enfim, para pessoas que ela não conhece, sabendo que o problema não vai ser resolvido.

    E, quanto a possibilidade de ser capitulado crime hediondo, amiga, esqueça. Os próprios crimes hediondos permitem que o autor responda em liberdade. O princípio da presunção de inocência, neste país de bananas, é levado a conseqüências não aceitas em nenhum outro país do mundo, nem mesmo nos EUA, que é de onde importamos o modelo.

    E inafiançável, pior ainda. Melhor que seja afiançável, aí nós (juízes) poderemos fixar uma fiança de R$ 100 mil, R$ 500 mil para que o canalha possa sair da cadeia. Se for inafiançável, por esse nosso direito lixo, em poucos dias o autor estará de volta as ruas, assinando apenas um compromisso de comparecimento aos atos do processo.

    Triste realidade. Mas mesmo assim seguimos, trabalhando por e esperando um futuro melhor para nossos filhos...

    Bjs,

    Ana Claudia.

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  9. Lu, a propósito do tema, encaminho a carta que essa amiga minha enviou à Promotora do processo da violência doméstica.

    A Lei Maria da Penha prevê a possibilidade de o juiz deferir medidas que visem proteger a vítima das agressões do réu. No caso do ex-marido dela (pessoa bastante agressiva, arrogante, e que anda armado), o processo vai ficar suspenso por 02 anos, e ao final desse prazo, será arquivado (olha que beleza para o réu! Isso contrariando o entendimento do STF, que determina que o agressor deve ser processado).

    Nós achávamos razoável que a medida que a protege (proibição de que ele mantenha contato com ela, bem como mantenha distância dela) durasse o prazo de 02 anos, período do processo, em que ela teria pelo menos a sensação de que estaria protegida. Todavia, a juíza (aquela que pagou o maior sapo para ela em audiência) prorrogou por apenas mais 02 meses, e ela somente teve apoio de um dos Promotores do caso, que disse que não poderia fazer nada por agora. Então ela resolveu pôr a público o descaso que a Justiça tem com as vítimas de violência doméstica, e me autorizou encaminhar a você, que tem um blog, o conteúdo da carta.

    Só pediu que mantivesse sigilo quanto ao nome. Então, se você ainda estiver disposta a falar neste assunto, na qualidade de jornalista, envio a vc o teor da carta. Se não, fica apenas a título de curiosidade...

    Bjs,
    Ana Claudia


    Brasília, 1º de março de 2013.



    À Senhora Promotora de Justiça
    ADALGIZA MARIA AGUIAR HORTÊNCIO DE MEDEIROS
    Terceira Promotoria dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

    Senhora Promotora,

    Vivo a vida contando os dias. Isso por que, enquanto subsiste o período de 60 ou 90 dias (vigência da Medida Protetiva), conto um dia após o outro, na expectativa de que o meu cotidiano seguirá um rumo normal.
    Não que a medida protetiva equivalha-se a uma certeza de que nada mais vai me acontecer. Mas, sim, em virtude de ser um efetivo instrumento que confere, certamente, uma paz na alma, amparando-me do constante temor de, novamente, submeter-me ao constrangimento e à agressão física e moral por que passei.
    Todavia, ao contrário dos princípios que norteiam a Lei Maria da Penha, preciso insistentemente reclamar a intervenção do Estado, para que me assegure um dos direitos essenciais da pessoa humana: a vida, a liberdade e a segurança.
    Para tanto, ao final de cada vigência da Protetiva, necessito passar pela dificuldade de extrair as mais profundas emoções, e trazer à memória lembranças que me causam traumas, medo e angústia. Tal exigência assemelha-se à própria ofensa sofrida, uma vez que aflora um sentimento de vergonha, humilhação, timidez e embaraço. Ademais, tenho que a condição de vítima afigura-se ainda sensibilizada, como se estivéssemos pedindo um favor ao Estado.
    Por fim, assevero que não faço desta a oportunidade, nem a intenção de culpar ou apontar nenhuma parte envolvida na relação processual. Pretendo, apenas, deixar consignado que nenhuma condenação, bem como nenhuma suspensão condicional do processo, erradicará a minha fragilidade.
    Assim, um exíguo prazo de sessenta dias é incapaz de proporcional um descanso, acalmar os ânimos, diminuir a ansiedade, e tratar a mente, terapeuticamente, para seguir adiante e saber lidar, no futuro, com situações tais.
    Deixo aqui os meus sinceros sentimentos de frustração e anseio por uma resposta da prestação jurisdicional.

    Atenciosamente,

    XXXX



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