O Oscar vai para... Oscar!





Cintilante sol da manhã verdeja a grama. O dourado intenso fura o bloqueio das copas. Não poderia ser diferente a homenagem ao criador de Brasília. É assim, em plexo solar, que a capital transmite seu esplendor e se despede do grande pai. Niemeyer, enfim, partiu. Parecia não querer abrir mão de seus filhos espalhados pelo planeta. Agora, Brasília fica ameaçadoramente desprotegida dos bicho-papões que querem lhe arrancar a beleza e originalidade. Sinto-me órfã novamente (sentimento persistente, ó céus!).

Quem me acompanha no blog sabe que eu tenho minhas ressalvas em relação a Oscar. Não vou transformá-lo em Deus, mas é impossível negar-lhe a genialidade. A ousadia. A vanguarda em 1960. Não posso esquecer que seu nome elevou o Brasil aos olhos do mundo para além de macacos, florestas, violência e corrupção.

Na cozinha de uma casa de subúrbio típica dos Estados Unidos, em 2001, uma alemã e uma austríaca me inquiriam sobre Oscar Niemeyer. Elas acabavam de saber que eu era de Brasília e tudo o que a dupla européia desejava de mim eram palavras sobre o arquiteto. Fiquei surpresa e orgulha ao mesmo tempo. Meu Brasil brasileiro acabara de se tornar mais lindo, mais civilizado. 

Num dos meus últimos passeios a pé pela cidade, cruzei a Esplanada dos Ministérios junto com meu primo. Descemos na rodoviária central e seguimos até o Palácio do Planalto. Era um sábado de sol e vento. Objetivo: conferir a exposição Caravaggio. Que prazer redescobrir a cidade de quatro rodas numa caminhada! E o Congresso Nacional nunca que chegava... Como é gigante a Esplanada! Dei-me conta de sua majestosa imponência. De sua amplidão exata e verde.

Todavia, a maior revelação foi constatar que o palácio do parlamento escondia todo o resto lá debaixo. Niemeyer acreditava na capacidade de um povo mudar o seu destino-cabresto. O Congresso Nacional altivo, quase discretamente acima dos outros poderes.  Iguais, porém nem tanto. A casa das Marias, Josés, Socorros, Antônios e Luzinetes é soberana.

O comunista dava seu recado de forma sutil, com era de seu traço. Leve como a Costa e Silva (argh, mudemos o nome desta bela ponte!), que paira sobre o lago Paranoá. A impressão é de que podemos carregá-la no colo. Niná-la! Não canso de admirá-la...

Quem nasce em Brasília já tem aula de estética, proporção e bom-gosto desde bebezinho. Cresci dentro da Catedral, vivo nas quadras, trabalho numa obra faraônica de Niemeyer. Esses vãos curvos e ângulos retos moldaram meu senso artístico, minhas aspirações utópicas. Corre no sangue as asas abertas deste pássaro-avião que começa em Lúcio Costa e termina no arquiteto.

Tchau, Niemeyer, paizão cri-cri e autoritário, fazendo valer o direito de criador sobre sua obra mais ilustre. Nós, brasilienses, por te conhecer de dentro, sabemos que não és perfeito. Mas sabemos, também, que tudo o que você fez teve inspiração amorosa nata, única. Proteja Brasília de toda a ganância e ignorância, amém!



Comentários

  1. OI LÚ,

    COM CERTEZA, NINGUÉM VAI ESQUECER NIEMEYER!

    Beijos,

    Marisa Brasiliense de Assunção.

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  2. Amigos,

    uma leva de grandes mentes está indo embora, ou a humanidade começa a se reinventar - ou a humanidade começa a se reinventar...
    A despeito das críticas a respeito do pensamento inflexível, da arquitetura grandiosa, de linhas retas, que tantos (desavisados) denominaram "cosmética"; apesar dos enormes vãos para a circulação do ar - e das pessoas, das ideias e das sensações que esses espaços provocam; apesar da intriga alimentada por alguns com relação a Lucio Costa, que teria sido o verdadeiro mentor da concepção de Brasília (e o foi mesmo, sobretudo como urbanista), sendo o grande arquiteto apenas o decorador que lá baixou com seus monumentos frios e desconectados de um aconchego barroco sonhado pela maioria apegada ao tradicionalismo das formas; apesar da cabeça dura...

    Apesar de...

    Niemeyer foi um gigante, como seus lindos e inusitados monumentos. Foi uma mente genial, teve a verve afiada e o coração cheio de ideais, que se desdobravam em projetos inimitáveis, tão equivocadamente qualificados como frios (não seriam arejados???) e impessoais (não seriam tão corajosamente pessoais que assustavam as gentes????).

    Apesar de...

    A ele, todas as minhas singelas homenagens e, confesso, algumas lágrimas, que gostaria de hoje poder verter na capital federal, onde ele expressa tanto do seu talento, onde felizmente vivi por um breve período.

    Um gênio, quisera pudéssemos produzir mais desses de quando em quando.

    Abraços,
    Ana Cristina de Aguiar Bernardes

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    1. ...]
      No calor do momento, porém, mencionei somente as linhas retas, e não as tão incensadas, sensuais e mundialmente conhecidas curvas que marcaram a obra dele.
      Faço o mea culpa do lapso, mas acho que as linhas retas que menciono são mesmo o símbolo que ficou gravado na minha memória: uma arquitetura sem frufrus, rococós, piriris, pororós; talvez também a "retidão", no sentido de que não se curvou à "boiada" do padrão arquitetônico, como bem diz você...


      Beijos,

      Ana Cristina de Aguiar Bernardes

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  3. Que texto inspirado mesmo pela emoção...

    Uma vez me marcou, nós duas fizemos esse mesmo percurso pela Esplanada, andamos, conversamos, rimos pelo caminho. Subimos a rampa do congresso e encostamos nossas costas cansadas na abóbada côncava...rs. Dormimos em berço explêndido!!! Me marcou essa nossa "intimidade" com um monumento tão fantástico e importante na nossa história! Nossa pessoal e do Brasil! rs

    Bjs
    Patty

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    1. Luzinha,

      hj na sala de aula observando os alunos fazerem prova de recuperação, do nada me veio à mente: Patrícia, vc escreveu esplêndido com X lá no Blog da Luciana! Onde já se viu, que erro grosseiro! Uma profe de Português! Queria que corrigisse prá mim e também (aí é bobeirinha mesmo), ao invés de "dormimos em berço esplêndido", trocar por "deitamos", prá ficar mais fiel ao hino (deitado eternamente...) ok? rs.

      Hipercorreções de uma obsessiva, vc entende.

      Brigada
      Bjs
      Patty

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  4. Só você mesmo. Lu, para homenagear o homem.
    Estou aguardando um convite para ir trabalhar com você...

    Beijos,

    Marcita.

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  5. Lu, adorei...

    Fui lendo e me lembrando da Brasilia que conheci na minha adolescência inocente... Sou como você: o admiro por ter levado o nome do Brasil, mas sobre sua obra não poderia deixar de enxergar seus erros... Afinal, sou mãe de arquiteta, esposa de engenheiro rsrs e designer.

    Beijos,

    Renata.

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  6. Merecidadamente todas as honras ao grande arquiteto Oscar Niemeyer...segui seu cortejo pelo eixão e silenciosamente, me despedi desse grande homem com um leve aceno e gratidão.
    Cynthia

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