Laços sangrentos




Não sei por qual motivo eu fiquei com a pulga atrás da orelha com a possibilidade do fim do mundo realmente acontecer nessa sexta-feira, o melhor dia da semana para qualquer coisa, até para a aniquilação dos seres humanos, que estão cada dia menos humanos.

Mas é muito amargo pensar nessas coisas tão perto do Natal. Tão quando tantas pessoas me dizem: “Seus filhos são lindos!” São mesmo, é verdade. Sem modéstia alguma. Às vezes a genética é caridosa com a gente, às vezes não. Misturas de tatu com cobra de repente dão certo e, em outros casos, príncipes e princesas geram sapinhos esquisitos. 

Todavia, fiquei pensando que o fim do mundo poderia mesmo se abater sobre nós porque, enfim, fechei uma Gestalt complexa ontem. Você pensa que só existe esse tipo de coisa em filme ou série. E logo eu que me amarro em histórias de tribunal, num bom debate jurídico e coisas de detetive, estava ali, vivendo na prática a sordidez do mundo dos advogados. 

Engravatados dos dois lados sentados numa mesa de reunião. Meus irmãos e eu cercados por tubarões bem ardilosos. Trabalhar no Judiciário há tantos anos me deu uma boa noção do que esses caras acham e do tanto que eles se acham. Eles estavam rindo de nós por dentro, pois aquela briga idiota repleta de rancores e traumas familiares só servia mesmo à causa deles, ou seja, dinheiro, muito dinheiro na conta. Presente ressentido de Papai Noel. 

Aquilo me deu náusea. Provocou horror. Eram quatro advogados e cinco herdeiros. Um desequilíbrio patente. Horas debruçadas num acordo de inventário. Toda a vida do meu pai e da minha mãe, a luta para garantir um futuro melhor para os filhos, transformada em cláusulas amargas. Em tentativa de tornar amigáveis laços de sangue desfeitos para sempre. 

A cena era tão fictícia que teve direito até ao clímax. Uma explosão bem encenada por mim, a artista visceral dessa demanda. “É impossível aguentar esse cinismo!” Esbravejei e saí para o jardim, em busca da bela tarde sol que nada tinha a ver com os patéticos detalhes mesquinhos daquela trama. 

Ao fim de seis horas, estávamos todos vencidos. Não há vencedores quando irmãos brigam por causa de herança. Cem páginas rubricadas e um acordo que nada recordava os momentos felizes que vivemos em família. Essas memórias, sim, são reais. Quanto ao episódio de ontem, vou guardar como o fim de temporada de uma série que não emplacou. 

Comentários

  1. Puxa, Luciana,

    que drama hem... Não pensei que poderia resultar em uma cena tão bem detalhada quanto a descrita no texto... Me emocionei mesmo. Mas vida que segue. Eu cada vez mais acredito que família são aquelas pessoas que escolhemos para conviver, dividir conosco, nossas alegrias e tristezas, e são essas as que ficam em nossos corações.

    Bjss,

    Ana Claudia.

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  2. É, querida Ana Claudia,

    não é brincadeira não... Ao final de seis horas, um caminhão tinha passado por cima de mim. Só uma banana split ao lado da minha irmã mais velha foi capaz de amenizar um pouco toda aquela loucura. Mas agora é bola pra frente, né? Ainda fiquei com 3 irmãos e suas famílias...

    O bom de ter muitos irmãos é que a gente pode se dar ao luxo de abrir mão de alguns. KKK!!! Só fazendo piada para não chorar mesmo...

    Beijocaspipocas,

    Lulupisces.

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  3. Enfim resolveu esse inventário, Lu?

    Todos concordaram em assinar, inclusive o Ricardo? Aleluia!

    Acabar com essa tortura de mexer com advogados é muito bom pra começar o ano de 2013 mais leve.

    Beijos,

    tia Leila

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  4. Cheguei a me emocionar, Lu...
    Feliz 2013 pra você e sua tropa, que gosto tanto. E paz em 2013!

    Boa viagem!

    Ana Luiza.

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  5. Lu,
    Que bom que isso vai terminar. Sei - com a experiência acumulada de cinco inventários antes dos 40 anos - que o alívio que vem agora é imenso.
    E a vida segue.
    Bjo e força,

    Mônica

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  6. Gostei demais desse texto, Lu!

    Temo passar por algo parecido, pois já vi tantas histórias como a que você relatou... é uma pena...

    Abraços,

    Fabiana.

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