Quem tem medo de casamento de verdade?

O medo de amar é o medo de ser
Livre para o que der e vier
Livre para sempre estar onde o justo estiver
O medo de amar é o medo de ter
De a todo momento escolher
Com acerto e precisão a melhor direção
O sol levantou mais cedo e quis
Em nossa casa fechada entrar pra ficar
O medo de amar é não arriscar
Esperando que façam por nós
O que é nosso dever: recusar o poder
O sol levantou mais cedo e cegou
O medo nos olhos de quem foi ver
Tanta luz

Beto  Guedes

Eu não queria escrever mais um texto clichê sobre amor exemplar, mas como resistir ao sonho de resistir ao lado de alguém por toda a vida... Não é assim que canta Vinícius, que poetisa Neruda, que enobrece Adélia Prado, que imagina todo mundo que está aí na batalha para encontrar a cara-metade?

Mas eu aposto que meus tios Abelina e Dito não pensaram em nada disso quando eles se casaram há 60 anos. Em 1952 as mulheres podiam até nutrir delírios de romance (os homens, ainda mais machistas e pragmáticos não deviam dar muita bola para essas firulas), porém era raro um casamento acontecer por amor. Os casais se juntavam por necessidade, imposição familiar, porque era assim que tinha de ser e pronto.

E sem lacinho cor-de-rosa e arroubos cinematográficos, meus tios foram tocando suas vidas juntos. Nove filhos (também não planejados), sei lá quantos netos e agora dois bisnetos. Meus tios encararam o caminho pela frente e decidiram que era melhor estar junto do que separado. Que a falta de dinheiro, de estudo, de conforto, de futuro mais promissor era parte da trajetória, sem dramas. Eles não tinham tempo para pensar em contos de fadas com príncipes galantes e princesas douradas (se bem que a tia tenha um legítimo par de olhos azuis digno de qualquer realeza Disney).

Então eu acho que é aí que reside o segredo da longevidade do casamento: não ter segredo nenhum. Não esperar demais, não se intoxicar de irrealidades. Não que eu esteja abrindo mão de alguma dose de romance, frescor e viagens internacionais, mas acho que a gente hoje em dia fica criando cabelo em ovo por tudo. Ninguém se aguenta porque o nível de exigência extrapolou qualquer medida razoável. 

Hoje que a mulherada trabalha, tem salão de beleza, aparelhos domésticos incríveis, carro do ano e quase sempre pelo menos uma faxineira à mão, sobrou espaço para ficar de bobeira colocando sob lupa os defeitos dos maridos. A premissa também vale para os homens. Outro dia eu encontrei uma moça linda, dentista, mãe de gêmeos de três anos que já estava separada. Aquilo me deu uma dó!! Criar gêmeos pela metade... Tão pequeninas!!

É tão rotineiro esse lance de separar que daqui a pouco eu não serei apenas um ser extraterrestre porque tive meus filhos por partos normais. Também vou ser peça de museu por estar casada há quase 20 anos. Taí, parir como a natureza ensinou e ficar casada por mais de dois anos: coisas demodê como a própria expressão demodê. 

Enxergo um paralelo entre a pulsão do parto e a pulsão do casamento. As mulheres ficam assustadas com a visceralidade do parto vaginal. Não querem ficar feias, não querem suar, não querem sentir dor, não querem agir como donas do seu destino.

Nos casamentos de hoje não é diferente: ninguém quer batalhar um pouco mais, fazer uma forcinha maior, sentir as agruras e as delícias de conviver com alguém intimamente por mais um mês sequer. O tal medo da intimidade que só parir entranhas e um longo relacionamento nos reserva.

Porque ficar 60 anos juntos é perder o viço, o sex appeal, o amor idealizado e cair na real, com rugas, mãos calejadas e, claro, muitas frustrações na bagagem. Entretanto é construir uma casa de alvenaria como o porquinho esperto. É viver para contar o número de descendentes que vão louvar a dádiva de ter tido árvore genealógica tão obstinada, frutificando a terra com a bênção de um amor eterno. É dar o exemplo sim, e daí?


Tema do post:








Comentários

  1. que seja uma linda peça de museu... lindo texto, casamento é isso cumplicidade, misturado com respeito, amizade, amor, tolerância, sonho, realidade...a vida que querem que vivemos hoje não tenho a certeza que se tornará uma peça de museu...ela corroe quem entra no seu ritmo...e acaba destruindo o que está a sua volta... gosto da forma como a mulher se posiciona, mas detesto esse consumismo e essa falsa forma feliz de se viver que os meios de comunicação vendem. prefiro a tranquilidade mansa da vida familiar...a essa da exposição.

    Renata.

    ResponderExcluir
  2. Lindo Lú...concordo com tudo....bjks.

    Marina.

    ResponderExcluir
  3. Você é uma das poucas pessoas que ainda acredita no casamento!!! É fácil casar , mais ficar no casamento é para os mais fortes!!!!
    Parabéns aos seus tios!!

    Evelyn.

    ResponderExcluir
  4. Casamento é cortar bolo de glacê de açucar, vestido branco,
    pardinhas e mardinhos?

    Não sei. Já sonhei com isso, mas parece que a vida só quer me dá ARCO-ÍRIS.

    Davi.

    ResponderExcluir
  5. Ai, como eu valorizo meu casamento, my family. O único nó e ter que comprar o livro de auto-ajuda urgente: "Como não deixar que seu marido vire só seu amigo"...rs! Acho que não deixar o casamento cair de cabeça na amizade e companheirismo o mais difícil, concordas?

    Bjs
    Patty

    ResponderExcluir
    Respostas

    1. Concordo, Pattygirl!! Ai entram as viagens de lua-de-mel de fim de semana... Viajar a dois é preciso!!! Pena que Bernardo e eu andamos tão apertados!!!!

      Beijão,

      Luzinha-Lulupisces.

      Excluir
  6. Lindo Luciana, realmente o verdadeiro casamento é isso. Mas como já dizia Clarice Lispector "o que mata é o cotidiano"...esse cotidiano a que ela se referia já destruiu muitos casamentos e às vezes por esse cotidiano as pessoas traem, tem suas vidas paralelas mas já se acostumaram a viverem juntas e pronto, simples assim.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ousadia

Presentim de Natal

Horizonte de Eventos