Cozidinho desastradinho



Rosemeire morava na fazenda. Filha de dona Lourdes e "Seu" Geraldo. Eles também tinham outros filhos, mas a Meire é quem era minha amiga. Era só chegar à fazenda para ir logo procurá-la. Mesma idade, morenas, sapecas, espoletas. Duas meninas que adoravam brincar de casinha no terreiro de terra batida na porta da casa humilde, como são quase todas as casas das fazendas de Goiás.

Fogãozinho, panelinhas, ideias mirabolantes. Nossa casinha era lugar para grandes almoços. Folhas de boldo, ervas daninhas das vizinhanças, flores de hibisco, água da bica, sementes de urucum, pitadas de terra aqui, gotas de limão ali. Tudo o que estava a nossa volta ia para a panela. Fazíamos expedições pelo mato para encontrar os melhores petiscos. Das plantas mais coloridas e mais exóticas roubávamos pedaços. O Cerrado é um ótimo laboratório para invenções.

Numa dessas brincadeiras, Meire e eu encontramos uma frutinha redonda, vermelha, brilhante. Arregalamos os olhos e vibramos com nossa descoberta. Oba, vamos pegar algumas para o nosso cozidinho! Vai ficar uma delícia!

Enchemos as mãos com a preciosa iguaria e voltamos às nossas panelas para preparar caprichado almoço. Primeiro, amassamos as frutinhas vermelhas. Socamos, socamos e socamos com uma pedra pesada e conseguimos uma bela pasta. Humm... o cheiro que ela soltava era tão gostoso! Era ardido, forte, penetrava em nossas narinas e não saía mais. 

Com a pasta pronta, acrescentamos água, flores e folhas diversas. O resultado ficou tão bonito que eu desisti de comê-lo. Transformei a pasta multicolorida em creme de beleza para o rosto. Meire preferiu comer. Achamos que não tinha nada demais. Uma fruta tão bonita, tão cheirosa não podia fazer mal, não seria venenosa. Por que não comer um bocadinho?

Enquanto eu fazia uma máscara facial igual àquelas que víamos nas revistas de moda das mães, Meire saboreava uma bela colherada de nosso cozidinho pastoso. Não passou nem um segundo do início do menu degustação quando da boca de Rosemeire saiu um grito alto, horrível:

– Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! Minha língua está pegando fogo!

Ela pulava, esperneava e gritava tanto que eu custei um pouco a perceber que o meu rosto também estava pegando fogo. Tudo ardia e eu comecei a arrancar aquela pasta das bochechas. Obviamente o unguento  secara e não pretendia sair.  Aos berros, fomos correndo em busca do socorro de dona Lourdes.

A mulher bonachona, gorducha e tranquila lavava roupa na bica e levou um susto danado. Rosemeire, com a língua de fora parecendo um cachorro com sede, e eu, de cara vermelha, bufando. Logo que a mãe de Meire se aproximou descobriu o que tinha acontecido.

– Que cheiro de pimenta bode! Mas o que vocês inventaram? Passaram pimenta na cara! Eu tentei me defender tirando vantagem: Pior foi a Meire, que comeu!

Imediatamente, Dona Lourdes pôs as duas embaixo da água corrente da bica e nos deu um baita banho. Mas o ardor ainda ficou nas minhas bochechas e na boca de Meire por todo aquele dia. O remédio foi mastigar ovo cozido para abrandar a queimação da língua e creme da mamãe para aliviar a pele. E, é claro, um bom castigo para  "nunca mais inventar o que não presta” pôs fim às nossas pretensões gourmet.



Comentários

  1. Oi Lu! Direto da Costa do Sauipe...hoje tive uma experiencia parecida com a do seu texto.Ao me servir de um molho vinagrete,que em nenhum lugar do mundo,exceto na Bahia,e na India,levava pimenta,so que eu nao sabia,e mandei ver em cima da salada...na primeira garfada,fui a lua ...por onde passou desceu queimando tudo...horrivel!
    bj.Namaste!
    Cynthia

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