Abaixo o engajamento de meia tigela!

Árvores do sul produzem uma fruta estranha,
Sangue nas folhas e sangue nas raízes,
Corpos negros balançando na brisa do sul,
Fruta estranha penduradas nos álamos.

Pastoril cena do valente sul,

Os olhos inchados e a boca torcida,

Perfume de magnólias, doce e fresca,

Depois o repentino cheiro de carne queimada.


Aqui está a fruta para os corvos arrancarem,

Para a chuva recolher, para o vento sugar,

Para o sol apodrecer, para as árvores deixarem cair,

Aqui está a estranha e amarga colheita.


"Strange Fruit", primeira canção antirracista da  
    História, eternizada na voz de Billie Holliday


Se o Lobato era racista? Claro. Quem não era racista naquela época era totalmente subversivo. E Lobato podia ser subversivo para certos temas como "o petróleo é nosso", mas daí elevar as aspirações até o ponto de acreditar que os negros também são filhos de Deus, era forçar a amizade. O racismo era natural até bem pouco tempo atrás. Infelizmente ainda tem gente nesse mundão, em plena Era de Aquário, que não vê mal nenhum em professar a superioridade branca como verdade universal. 

Da minha parte, eu nunca entendi o racismo. Nunca consegui olhar para outro ser humano sem ver outro ser humano. Não quero aqui dizer que eu sou mais evoluída que boa parte da galera do planeta Terra, mas realmente nunca destratei, humilhei, magoei ou evitei alguém por ser amarelo, verde, azul ou preto. Já pentelhei muita gente, mas por causa de equívocos comportamentais, de sacanagens, de falta de ética. Para mim, é o que importa, é o que me desconcerta.


Por isso não dá para engolir esse embate jurídico tentando calar a boca da turma do Sítio. Que coisa mais nonsense!! Vamos batalhar por políticas públicas de inclusão. Vamos para a rua com faixas contra a ignorância política dos brasileiros, mas ficar perdendo tempo dizendo que o Monteiro Lobato era racista é pura redundância. Um factóide. Lobato tem de ser lido de acordo com o contexto da época (coisa óbvia até para mim, que não sou doutora em Pedagogia). 

Se esse reacionarismo travestido de pós-modernidade pegar, vários clássicos da literatura mundial terão de ir pra a fogueira. "Coração das Trevas", por exemplo. "A Cabana do Pai Tomás" e por aí vai... Vamos aproveitar para queimar alguns filmes como "E o Vento Levou", com suas cunhãs maltratadas pela Scarlett... E o "Nascimento de uma Nação", totalmente racista, mas importantíssimo como embrião da indústria do cinema.

O problema real é que nossos professores, tão mal formados, tão pasteurizados, tão maltratados e absurdamente mal pagos não têm cultura geral para explicar Monteiro Lobato para as crianças. Para contextualizar uma obra em seu tempo, seja lá qual ele for. 

Por pura coincidência, ontem Tomás escolheu um livro de Lobato na biblioteca e trouxe para casa. Veja como o autor ainda atrai crianças até hoje! Veja que quando algo é legítimo, é eterno, não? Era a história da criação do Visconde de Sabugosa. Eu me deliciei relendo o livro para os meninos e me lembrando da Emília, que um dia eu também representei no teatrinho da escola. Com muito orgulho, é claro, pois a Emília é quase um ídolo das meninas que se pretendem fora dos padrões (Lobato teria sido um feminista?). 

Encantados, Tomás e Rômulo prestavam total atenção no desenrolar da trama que explicava como Pedrinho transformou uma espiga de milho em um membro da realeza. A escrita não é atual, as observações machistas não são de bom tom, mas o que importa é a narrativa! É a imaginação! É a credibilidade das personagens extremamente bem consolidadas!

Não gosto de censura. Só ser for a favor das porcarias literárias e musicais que a gente é obrigada a ver e ouvir em todos os lugares. Mas mesmo assim, sei que estou sendo elitista ao afirmar isso. Entretanto também creio que se o povo tivesse uma educação básica de qualidade, deixaria de gostar da metade desse lixo cultural que hoje domina a cena social brasileira (quiçá mundial).

Então vamos deixar os clássicos manterem a dignidade. Cortar palavras, capítulos, expressões, é mutilar a História, a evolução(?) social. É limitar a visão das novas gerações sobre as belezas e barbaridades que vêm sendo propagadas desde que abandonamos as pinturas rupestres.

Em um cenário global que convive com trabalho escravo e outras inúmeras variáveis de insanidade e degradação humanas, focar ataques enfáticos e antipáticos nas obras produzidas em séculos passados é estar totalmente míope, tipo assim, uns dez graus em cada olho. 

Tema do post  (isso sim é protesto de verdade, feito em 1939, acreditem!!):





Comentários

  1. Excelente texto!

    Cris Brandão.

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  2. Oi Lu, adorei!!! Eu também nunca entendi o racismo, convivi sempre com negros e brancos em perfeita igualdade.Quando criança tive uma amiguinha daquela do peito mesmo,Ana Lúcia,negrinha linda...e já adulta, uma grande amiga de trabalho Valéria, ela e eu unha e carne, a dupla imbatível, café com leite...e a própria quando estava afim de sacanear, se dizia "eu sou a Branca de Neve"...rs
    bjão!Namastê!
    Cynthia

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    1. Felizes de nós, amada superCynthia, que pudemos conviver com negros maravilhosos como a minha madrinha e algumas amigas de infância e até mesmo meu pai, que era mulato e eu mal conheci, mas era um homem de personalidade!

      Beijos,

      Lulupisces.

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  3. Lu, tb acho despropositada essa idéia de banir obras geniais pq são consideradas inadequadas para os padrões atuais, à exemplo do Sítio e do Tintim. Não há como escapar ao espírito do tempo e a obra, por mais avançado que seja seu autor, sempre vai refletí-lo. Aliás, reside aí justamente um dos méritos da arte a meu ver.
    E pouco importa tb saber se hoje o cara permaneceria racista. Existem artistas excelentes que foram/são péssimos seres humanos, pais/mães, maridos/esposas, cidadãos... É preciso separar o homem da sua obra e bem preparar, no caso de livros infantis, os mediadores (professores, pais) para ampliar a discussão e o entendimento acerca da história ali narrada. bj

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    Respostas

    1. BelBel, saudades!!!

      Sim, você tocou num ponto fundamental: a obra precisa estar desassociada do autor dela... Pois ele nem sempre vale a pena. Sinto muito isso com o Caetano, que acho um boçal... Mas que maravilha de artista, não?

      Beijão,

      Lulupisces.

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  4. Lu,

    AMEI o texto do Lobato e vou espalhar por aí, quem sabe até, sob a forma daqueles cartazetes colados em postes, tipo madame Zoraide-amarração para o amor, pago só após resultado!

    Gente, será ninguém mais sabe o que é contexto? Será que a efemeridade de tudo não consigam entender coisa alguma com mais de 5 minutos de duração??????

    Beijos, bom começo de semana,

    Ana Cristina

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    1. Dear Ana,

      como o maior prazer!! Pode propagar aos quatro ventos. Quem sabe não se transforma em um viral e eu acabo sendo entrevistada pelo Jô? KKK!!

      Beijão,

      Lulupisces.

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