Anã de jardim


Para   Marilena e  Rodrigo,
   jardineiros fiéis.


Minha irmã mais velha é uma acumuladora de plantas. Portanto me senti no direito de vasculhar o grande jardim da casa que ela habita e selecionar alguns vasinhos para levar ao meu jardim de concreto: o apartamento. 

Na minha família, apartamento é mesmo uma prisão. Mamãe até tentou viver numa destas celas por algum tempo. Não conseguiu, pois também sofria da mesma mania: acumulava plantas. Foi se esconder, então, em um condomínio que fica pra lá da Papuda, onde Judas já estava andando descalço a horas, pagando suas penitências. 

Os outros cinco irmãos também moram em casas. A maior parte deles tem plantas e bichos em pencas. Mas a caçula escolheu a contramão. Vive em apartamento. Não se sente aprisionada e desconfortável por isso. Gosta até. Não que ela não ame o verde, a amplidão, o silêncio. Porém, não se sente tão sufocada assim no terceiro andar. 

Brasília ajuda, sejamos francos. Se ela fosse viver no terceiro andar em São Paulo, talvez se sentisse realmente oprimida. Todavia, as quadras da Asa Sul são verdadeiros jardins. Públicos, de fato, pero jardins. 

É claro que a filha mais nova gostaria de viver em uma casa. Ela nasceu em uma delas e esparramou a infância e a juventude no espaço sem fim de uma fazenda. Privilégio. 

Entretanto, a moça queria uma casa que não viesse acoplada às inseguranças de um país violento e desigual. Um amor e uma cabana sem necessidade de cerca elétrica. Sem precisar viver ilhada em um condomínio distante, isolada da vida pulsante e real da cidade. 

Por fim, mas não menos imprescindível, sem cachorros de grande porte. Afinal, ninguém merece uma vaquinha no quintal que não dá leite, mas, sim, pulgas, mau cheiro e latidos agressivos para os passantes e convidados. 

Como essa casa no campo idílica da música do Zé Rodrix só existe em sonhos no Brasil, a moça prefere ficar no apartamento e não se neurotizar em excesso com a explosão da violência nas capitais. Hoje,  a menina se sente uma anã de jardim. Alguém que não pertence naturalmente ao mundo urbano, mas que acaba se adaptando à paisagem com certa graça.


Lá nos Estados Unidos, a caçula conheceu algumas casas dos amigos que fez. Eram casulos perdidos no meio de estradinhas minúsculas. Lares livres em sua acepção: nada de grades, cercas... Castelinhos rodeados apenas pela vegetação nativa e pela paz de uma sociedade menos perversa. Assim, viver numa casa é bom! 

Enquanto o hino cantado pela Elis Regina não se torna realidade abaixo da linha do Equador, a jovem senhora busca a claridade sem cortinas, deita na rede fingindo ter uma varanda e, para manter a tradição da família rural, amante da Natureza, cultiva plantinhas dentro do apartamento. 

Agora só resta à caçula sem talentos agrários e paisagísticos torcer para que os vasinhos surrupiados do úmido e divertido jardim da irmã mais velha não se sintam presos no caixote de concreto e sucumbam à depressão, tadinhos. 


Tema do post:





Comentários

  1. Luciana, depois que passei a morar em Brasília estou com mania de comprar plantas! Aos poucos a minha varanda está se transformando num quintal! No meu caso, as plantas na minha varanda e em outros cômodos da minha casa me fazem recordar a minha infância e adolescência onde eu vivia no interior, cercada de gente e de plantas! A varanda é o meu local preferido em casa, é onde me sinto rodeada de alguma coisa que não sei definir...só sei que é boa!! Beijos! Rogelma

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  2. "onde eu possa plantar meus amigos, meus discos e livros e nada mais..."curto muito plantas...casa no campo, mas infelizmente, não tive a oportunidade, de curti-las.Sempre morei em apartamentos, desde o Rio.Tentei cultivar plantas em meu apartamento, e elas simplesmente se recusam a vingar, não sei o que rola...me sinto frustada nesse aspecto, em relação com a energia das plantas.Beijo grande, parabéns pelo texto, grata por compartilhar com a gente...Namastê!
    Cynthia

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  3. Oi Luciana,

    Mais que textinho mais bonitinho!!! ai tambem sou garota de apartamento casada com marido que adora plantas, voce precisa de ver o monte de plantas que eu tenho agora e sao grandes tambem viu!!!

    Escreveria mais, porem tenho que ir, nossa o onibus vai passar e vai levar as minhas meninas, fui!

    Beijos, Eve

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    1. Obrigadinha, Eve!

      Não sabia que o Rob gostava de plantas! Legal ter escrito esse texto e ver que tem muita gente se aventurando de jardineiro nesse mundão!!!

      Um beijo!

      Lulupisces.

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  4. Lú,
    Se a plantinha se recusar a ficar feliz naturalmente, chame um especialista em psicologia da flora para dar um suporte, ok?
    Estou a sua disposição.
    Beijos,
    Rodrigo

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  5. Também tenho tido vontade de comprar plantinhas e enfeitar a mini área que tenho. Comprei mini-cactus (bonitinhos!) Tudo mini...rs.

    Bjs
    Patty

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  6. lindo texto Lu. Acabei de ler e gostei muito, pra variar né? rs.

    Aliás, também adoro e vivo roubando e catando plantas. Para meu apê também.

    Hylda.

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  7. Lembrei da vó Plácida, que tinha mão excelente para plantas e cultivava uma bela varanda cheia de flores-de-maio de todas as cores, como nunca vi por aí.
    Beijos floridos!
    Mônica

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  8. Fundamental para quem quer ter as plantinhas felizes, onde quer que seja: bater papo com elas, de vez em quando (só de vez em quando) levá-las para passear para tomar água (orquídeas, pelo menos) e entender que elas são um pouco narcisistas, no bom sentido: precisam de olhos que as acompanhem, com carinho e admiração, para ver as folhas viçosas ou ressecadas, os brotos, a tonalidade da flor (se tiverem), se há pragas aborrecendo sua tranquilidade. As plantas são muito femininas, sabe?!

    Ana Cristina

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  9. Como sempre, me divirto com seus textos, irmã Lú, a "rapa do tacho", que tanto fala quanto muito escreve, e bem!!!
    Sim, acumulo plantas e gosto de animais, de espaço, de contato direto com a natureza. É necessidade visceral...
    E quanto à plantas belas e viçosas, a Ana Cristina De Aguiar tem toda razão. São seres vivos e precisam de ar, luz, calor e atenção...
    Os meus vasos, quando os esqueço ou não tenho tempo para eles, ficam tristes e feios... adoecem...
    é como o amor, tem que "regar" todo o dia...

    Marilena

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