UPP para o transporte público no Brasil


Toda vez que eu pego ônibus aqui em Brasília é para me aborrecer. Não sei que pecado os pobres de salário cometeram para serem tratados dessa maneira selvagem diariamente. O transporte público na cidade é uma aberração antiga. A capital do país é o exemplo dos motoristas mal treinados, dos veículos maltrapilhos, da incivilidade que envergonha e nos mostra, claramente, que ainda estamos muito longe de ser uma comunidade de primeiro mundo, como alguns ficam a propagar por aí. 

De vez em quando vou de ônibus (táxi também é absurdo na capital da opulência de preços e tarifas). Ontem voltava do dentista. Minha irmã me deu uma carona de ida e decidi pegar o ônibus na volta. Não tenho nenhum problema em andar de ônibus ou metrô. Aliás, é aliviador e são trocar a direção alucinada do carro nas grandes cidades, pelo descompromisso com vaga e atenção com a pista que o transporte público oferece. Ou pelo menos deveria oferecer.

As cidades bem planejadas, urbanizadas e sadias do mundo lhe dão essa opção segura, econômica e civilizada de locomoção. Carro é para fim de semana, para viagens mais longas, para emergências, se for o caso. Ir e vir do trabalho, ir ao médico, à aula de inglês ou de natação, seria tarefa para os ônibus e metrôs, pondo fim aos congestionamentos, aos acidentes de trânsito graves e mesmo fatais, à falta crônica de estacionamentos e outras mazelas típicas dos nossos centros urbanos.

Porém, crescemos à sombra dos Estados Unidos, país que sempre privilegiou o privado e particular em detrimento do público e coletivo. Mas, mesmo assim, lá os ônibus funcionam muito bem, obrigado. Morei em NY e só pegava o Honda velhinho para passear nos fins de semana pelos condados vizinhos. Todas as terças e quintas ia para o ponto já sabendo que o motorista passaria naquele horário estipulado. 

Com no máximo cinco minutos de atraso, lá estava o ônibus. Parava tranquilamente na parada. Um sistema de rebaixamento dos degraus era acionado e eu entrava, segura, sem precisar me preocupar em sair me segurando no primeiro mastro que desse. O motorista jamais arrancava bruscamente. Jamais ultrapassava o limite de velocidade da via ou da segurança dos passageiros e, obviamente, jamais freava como se estivesse no rali Paris-Dakar.

A mesma civilidade coletiva era experimentada nos trens. Nada de atrasos, de sustos, de superlotação. O metrô ficava cheio nas horas de rush, claro, mas nunca fui prensada como atum ralado em lata dentro do vagão. Algo que desagradavelmente já me aconteceu em São Paulo algumas vezes. E Nova York também é uma metrópole gigantesca. A diferença está no número de linhas e no investimento perene na qualidade da prestação de serviço. 

Entretanto a população brasileira, a que purga seus pecados diários nos ônibus, trens ou metrôs, não vota em quem tem como proposta a melhoria real do transporte público. Não dá ibope. Aliás, nunca vi nenhum prefeito, governador, ministro ou presidente tratar do tema com a seriedade que convém. Nunca vi político discursar fervorosamente sobre a importância dos ônibus decentes e motoristas idem nas ruas das cidades.

E assim a gente vai levando essa vida de gado. Talvez pior até que a de gado, porco ou galinha, porque nesse tipo de transporte, caso a carga morra de estresse ou por acidente, o dono da transportadora vai desembolsar multa e indenização. Qual é o dono de empresa de ônibus que já foi para a cadeia ou faliu por causa disso? A lei brasileira protege mais o patrimônio do que o ser humano, isso todos nós sabemos.

O que me deixa mais entristecida e revoltada é saber que na minha cidade, patrimônio cultural da humanidade, não existe a mínima humanidade no transporte público. Já pensou os turistas estrangeiros tentando pegar um ônibus por aqui? Os motoristas correm tanto, que não conseguem parar no ponto quando avistam o sinal dos passageiros. Se param, arrancam violentamente. Muita gente cai do ônibus ou se machuca dentro do próprio veículo. Conheço uma amiga que ficou com sérios problemas na bacia porque caiu no corredor do ônibus após uma freada animalesca.

Ando de ônibus em quase todas as cidades que visito. Na Europa, no Brasil, no Estados Unidos, na Argentina... Brasília, disparadamente, está em primeiro lugar no ranking do pior serviço de transporte público que eu conheço. Nunca fui tão humilhada e maltratada dentro do ônibus como sou aqui, quando tento levar uma vida com mais consciência ambiental e social e deixo meu carro na garagem. Sempre me arrependo.

Ontem, o motorista ignorou o sinal para descer porque, simplesmente, corria de forma tão irresponsável que ao tentar parar no ponto, percebeu que outro ônibus estava saindo e que ele iria bater. Diante disso, passou direto e só me deixou na próxima parada. Chovia e eu estava sem guarda-chuva. Tive de caminhar três vezes mais do que caminharia se tive descido no lugar certo. Imagino os milhares de candangos que vivem situações de constrangimento iguais ou piores do que essa todo santo (ou seria maldito?) dia.

Em tempo: e o vexame dos trens no Rio de Janeiro, hein!!! Entra ano e sai ano e os passageiros pendurados do lado de fora do vagão; trens quebrados semanalmente, atrasos recorrentes... Quando é que vamos pacificar o transporte público no Brasil?

Comentários

  1. Nem me fale em ônibus... odeio entrar em ônibus lotado e neste ano é o que mais vou fazer. Dois ônibus para ir para uma escola, dois prá voltar prá casa. E para a outra escola na zona rural, é uma hora de viagem de ida, mais uma de volta, isso três vezes na semana. Tenho que tomar Dramim para não enjoar, pois são 76 curvas até a escola. Devido ao efeito sonífero do remédio, praticamente durmo em pé no ônibus (dormir em pé é uma experiência nova prá mim). Bom demais, né?
    Os motoristas daqui até que são razoáveis, mas o trânsito está um caos. Alguns ônibus são velhos e barulhentos, uma tortura a mais.

    Bjs
    Patty

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  2. Taí uma perguntinha boa de se ter resposta! Sei não, viu Lulu, tem investimentos públicos que são de uma importância tão óbvia para a sociedade inteira que a leseira governamental fica mais espantosa ainda. (gostei muito da expressão "pobres de salário"...) Bjs, Débora

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  3. Luciana,

    meu pai uma vez inventou de deixar o carro na garagem para economizar combustível. Não durou uma semana!

    E eu, na época em que me endividei com o pagamento das parcelas da kit do sudoeste, vendi meu carro e me coloquei de castigo para aprender a não ser tão consumista. Consegui manter a punição por 6 meses, mas em seguida financei um carro novo.

    E não me arrependi. Com a vida louca que eu tenho, jamais conseguiria fazer tudo o que preciso em um dia, se dependesse de transporte público.

    Quando isso vai mudar?

    Perguntinha difícil hein?!?

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  4. Viu a reportagem de hoje? É sobre uma provável sabotagem nos trens do metrô... E por aí vai. O povo, sempre pagando. A gente (que é povo também, mas com um pouquinho mais de condições, vá lá...) finge que o problema não existe e se desgasta no trânsito cada dia pior. Tudo bem, no Brasil conseguir comprar um carrinho também é sinônimo de sucesso na vida, não é mesmo? Sigamos... Bj, Ana Cláudia

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  5. Parabéns pelo artigo, Luciana. Perfeito. Eu ainda insisto em andar de ônibus na capital federal. Pra quem só se desloca pelo plano, como eu, até que dá pra sobreviver, passando um pouco de raiva. Mas quando vejo os ônibus entupidos para as cidades satélites, fico indignado. Enquanto a classe média não enfrentar o problema, usando o transporte coletivo e reclamando sempre que o usuário for desrespeitado, não teremos a solução. Andar de carro há muito tempo não é tão confortável assim, sem falar dos problemas ambientais.

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