Bão bsurdo!


Percebo que uma das características do facebook é exacerbar o sentimento de pertencer. Pertencer a uma tribo específica: tem gente no face que faz questão. E lá também está presente o pertencimento relativo à terra natal, às origens. Afirmar com orgulho, mesmo que seja por meio de piadas ou gozações: Eu sou daqui, desse lugar: Brasília, Goiás, Rio, Manaus... "Sou do mundo, sou Minas Gerais", já cantava Milton Nascimento antes de prever que o face faria exatamente isso: reposicionar a pessoa perante si mesma e perante a comunidade mundial conectada.

Mas estou parecendo uma professora de semiótica, meu Deus! É que ontem assisti a uma palestra sobre games e educação e já fico toda assanhadinha com teorias e dissertações. Preciso voltar urgentemente para o banco da escola. Estou com saudades de pensar. Academicamente, tá? 

Para completar o meu enlevo, recebo da Ana Cristina, amiga de Curitiba, um textinho sobre o prazer de ir para o colégio. Identifiquei-me imediatamente com as palavras da escritora, pois escola para mim nunca foi sinônimo de tédio ou chateação. Eu sempre quis pertencer àquele mundo. Não via a hora de a minha mãe me matricular no jardim de infância. Todos os dias, os irmãos bem mais velhos saiam para estudar e eu ficava ali, chupando o dedo, morta de inveja e fissura. 

A felicidade do primeiro dia de aula jamais vou esquecer. Tia Leonora... Ela era mais alta do que o marido, cabelos pintados de loiro, doçura absoluta. Depois veio tia Vanilda, que me ensinou as frases completas e contar até cem no livro "Sabidinho". A seguir tia Ana, que fazia a gente ler em voz alta lá na frente: "As moças do cafezal", recorda Patty? A gente não sabia se ria, se morria de vergonha ou se levava bronca da professora... 

Tia Carlota (que provocou o meu primeiro trauma escolar, afirmando que eu tinha colado na prova de estudos sociais); tia Diolinda (minha primeira experiência de liderança estudantil incitando o motim na sala por causa da sua demissão)... Olha aí, todas no meu mural de afetos. Todas importantes, essenciais.

Ir para escola sempre foi uma alegria, mesmo quando tinha pela frente professores despreparados para tão nobre função. Eu curto demais as tirinhas do Calvin, mas jamais sofri como ele com a rotina escolar, nem com os deveres de casa. Fui uma estudante feliz, a me refastelar na esfera do colégio Notre Dame, rodeada de crianças da minha idade, de disciplina, de algazarra e das freiras: ora carrancudas, ora bonachonas. Pertenci de corpo e alma àquele universo de relacionamentos e descobertas. Sem arrependimentos.

Ah, o escrever... A gente começa de um jeito e de vez em quando termina de outro, sem nem entender o porquê. Vou ver se dou conta de enganchar o que eu pretendia dizer no início dessa argumentação. Pois então, nesse lance do facebook de marcar território, já me deparei com muitas citações tipo: "se você for de Goiás, sabe o que eu estou dizendo". E lá vem a sacanagem. Mas a verdade é que realmente cada estado tem seu estado de espírito. E dentro dele, uma linguagem apropriada para tal.

Nas férias, comecei um processo de garimpagem com a minha irmã para não deixar morrer as palavras ditas cotidianamente pela mamãe, goiana rural, de família gigantesca. Puxamos pela memória e desenterramos alguns vocábulos inesquecíveis (nem só João Guimarães Rosa era dado a neologismos). A fraternidade Militão tem um rol de goianidades fantásticas, que merece ser registrado para a posteridade da dinâmica língua portuguesa. Taí, falta um espaço assim lá no museu do nosso idioma: regionalismos incríveis de cada parte da federação.

À guisa de coleta, postei algumas dessas palavras no face, provocando os participantes: vocês têm outras pérolas do goianês de raiz? A amiga Jandira veio com drobar e binha. Drobar é dobrar, normal, mas apenas dito em língua da roça, que também fala trabesseiro e bassoura (será que tem algo a ver com o Português medieval?) Binha, segundo Jandira, é vulva. Essa eu não sabia não. Obrigada!

Da mamãe, são dezenas. Perdi muitas nos desvãos do tempo, mas toba era indefectível. Tudo o que a mamãe não encontrava, pronto: "meteu no toba". Os netos que iam nascendo, pronto: "carinha de tobinha". Quando o dia estava nublado: "xi, que sol muguengue!". Algo como esmaecido, tristonho. Podia ser usado para pessoas também: "por que você está tão muguengue hoje?"

Caruru era qualquer verdurinha, um guisadinho de folhas verdes. "Vou fazer um caruru para o almoço..." E no quebra-molas: "é melhor passar com o carro diesguez" (de esgueio, para quem não entendeu a corruptela). Se a noite caía pesada sobre as nossas cabeças, que escuridéu!!!!! E se a gente sentisse medo por causa disso: "deixa de ser bedorréia!!!" (Ou medorréia!!!, segundo a lembrança da minha irmã. A minha é bedorréia e com acento sim, senhor! Para vocês verem como a língua é mesmo uma metamorfose ambulante).

Quando o verão está de matar feito nessa semana, mamãe diria: "que bafume!!!!" (de bafo quente no cangote da gente). E da política brasileira, sempre tão transparente, ela reclamava: "é mesmo um pantame!!!" (bagunça, lamaçal, confusão, sujeira). As expressões eram sempre entremeadas do famoso cruuuuuuuuuzes!! Assim longo, enfático e diário.

Não tem Dicionário Analógico da Língua Portuguesa que bata essas preciosidades, né? Bão bsurdo!  Nada como pertencer - divertidamente - a uma família de malucos.:)

Comentários

  1. Tem dias que me dá uma saudade danada dos velhos tempos de Notre Dame...da invasão ao andar das freias, da corrida no cemitério, da marcha atlética da Rosinha, da descida na rampa gritando:É candelária, é Candelária..., da tabuada da Irmã Servácia, das aulas de Religião da Irmã Lourdes, da Hora Cívica...afff são tantas recordações... Adriani Santos

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    1. Caramba, Dri! Você resgatou em mim o: é Candelária! É Candelária!! Pampampampampampam!!! Muito bom isso, cara!!:) Candelária era quem mesmo? Professora de História??

      Ganhei meu dia hoje! Obrigada!!!!

      Beijão,

      Lulupisces.

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    2. Lu, salvo engano ela era professora de Moral e Cívica na sexta-feira último horário. De história me lembro da professora Hélida.

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  2. Oi Luciana.

    Seu blog faz parte do meu ritual matinal.
    Eu passo por lá, mesmo quando não deixo rastro.

    Tava tentando me lembrar de algo do dialeto particular de mamãe pra te ajudar nesse inventário.

    Mas só consegui pescar umas bobagens bem pessoais, idiossincráticas demais praquilo que você propôs.

    Curioso é que, com exceção do "cruzes" com muitos u, nem mamãe nem as tias do lado de cá usam as que tia Maria usava.
    Há regionalismos até entre os Militão.

    Mamãe sempre diz "medonho", como advérbio de intensidade, não como adjetivo.
    "Tá um calor medonho", ela diz sempre, quando tá muito quente, não porque o calor a assusta.

    E, quando algo combina com outra coisa, ela gosta de dizer que são companheiros.
    "Cadê a blusa companheira dessa saia?"

    Viu? Não tem nada a ver com o tema do post.

    Até.

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    1. Discordo, primo. Tem tudo a ver. São os tais regionalismos ou dialetos familiares.

      Você saiu da barra da sua mãe faz tempo, caro Watson. A Dje diz que a sua mãe fala algumas dessas palavras da mamãe, sim. Talvez não com tanta frequência ou ênfase.

      Obrigada pela sua contribuição ao inventário familiar.

      Beijão,

      Lulupisces.

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    2. Lu,havia esquecido do reeeeensgaaaaaa!Muito bem lembrado pela sua amiga Jandira.
      E quanto a mamãe,também discordo do mano Jr,ela fala muito o tal:que calor medonho!Cruzesssssss que escurideu!kkkkkkk
      Bjos prima querida.
      Dja

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    3. Ei, prima! O que é esse tal de reeeeeeeeeensgaaaaaaaa?

      Dá a explicação pra gente, pois essa palavra mamãe não falava não.

      Beijos,

      Lulupisces.

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  3. Lu, nossos Goiases tão diversos, lindos, amarelos, ocres, azuis profundos dos céus que se misturam com os rosados e lilases dos pores do sol, do cheiro de mato, galinha, cavalo, cachorro, flor e terra molhada vezenquando... ê trem bão, sô! Lá no "meu" Goiás tem um tal de "reeeensga!" que é um "eita ferro!" ou "arrasou!" muito particular. E "drobar", pra mim, é passar uma comida boa pra dentro, comer com prazer um bom prato de galinha com arroz branco e salada de tomate, alface e cebola - por exemplo... rs. Ah, Goiás!

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  4. Ah, dei o maior fora. Não sabia que drobar é passar um bom PF para dentro do bucho!!! Hehehehe.

    Obrigada por enriquecer o vocabulário goianês, Jandirovsky!! Lembrei de outra da minha mãe: "fulustreco dos anzóis de carapuça". Ou seja: criança, coisinha, menino, moleque...

    Bão demais!!

    Beijocas,

    Lulupisces.

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  5. Oi Luzinha querida!

    Cheguei atrasada, mas estou aqui. Estou na correria de uma escola para a outra. Não estou mais no Notre Dame, mas até hoje não saí da escola, né? rsrsrs

    Claro, me lembro e mesmo nunca esqueci das "moças do cafezal" As nossas vozes em coro na leitura não duravam muito, logo sendo substituídas pelos risos frouxos em coro! rsrsrs

    Me lembro da campanha "Fica Deolinda" (apelidei agora) e o pátio que pintamos inteirinho com mensagens de protesto pela perda da professora querida. Lembro que foi a primeira vez que ouvi a exressão "aviso prévio". Aquilo foi uma comoção geral, né? Tenho uma cena especial na memória: A tia Deolinda, quando voltava para a nossa sala após uma breve saída, me dava um tapinha no bumbum para me dar um susto e brincava: "Nem assim tu grita, menina!" Lembra do sotaque gaúcho? E não era ela que tinha uma filha chorona e também aluna na nossa sala? A menina chorava e ficava vermelha feito um pimentão! (isso eu só me lembrei agora, remexendo o arcabouço de lembranças...

    Lembra daqueles banquinhos vermelhinhos em roda que a gente ficava pulando, perto do portão de saída? Um dia ali você vibrou porque eu tinha dado um tapinha na Maristela! Ficou repetindo isso: A Patty bateu na Maristela! rsrsrs

    Lembranças que a minha mente escolheu, interessante, né? Há alguns bons anos quando fui à Brasília, eu e minha amiga Márcia tentamos entrar lá no Notre Dame para rever a escola (a Márcia também estudou lá um tempo). Mas simplesmente fomos interditadas na porta. Não permitiram nossa viagem ao passado. Não tínhamos um motivo "concreto" para a tal visita. Triste, né?

    Beijos da cafeeira de cá, rs
    Patty

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    1. É, Patty, cada um guarda uma coisa dessa rica experiência Notre Dame.

      A filha chorona da tia Diolinda (ou seria mesmo Deolinda?) era minha xará: Luciana. E a outra mais nova se chamava Juliana. Sabia que eu fui convidada pela tia para ir passar um dia na casa dela? Poizé, conheci o lar da tia Diolinda, que era linda. O marido era militar e eles moravam naquelas casas térreas do Setor Militar Urbano.
      Nunca curti muito a minha xará, chorona e metidinha, por ser loira e filha da professora. Eu era uma espécie de Mônica na quela época: durona, mandona... Mas foi bem legal passar o dia por lá brincando com as duas.

      Adorei suas reminiscências!! Obrigada por me levar nesse túnel do tempo, amiga!

      Beijão,

      Luzinha Lulupisces.

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  6. Boa noite Lu, sempre li seu Blog.

    Interessante o jeito que você escreve com tanta facilidade. É de dar inveja, acho ótimo...
    Leio no intervalo, depois que eu almoço no trabalho. Continue escrevendo que você vai longe!

    Bjs a todos dessa casa que eu amo com muito carinho...

    Leila.

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  7. Oi Luciana,

    acho que todos temos lembranças curiosas desses primeiros anos de escola, por ser algo que marca a vida de todos nós. As minhas lembranças são boas também.
    Só que... quando a minha mãe me colocou, pela primeira vez na escola, no "pré", acho eu, eu fugi da escola, e não quiz voltar mais.
    A minha irmã do meio (que já faleceu) começou a me "dar aulas" em casa mesmo. Me lembro da pequena lousa.

    Mas quando chegou a hora da escola oficial (1º ano) tudo se acertou.

    O relato da Silvia Pandini, me lembrou dos caminhos que eu tinha que percorrer pra chegar às minhas escolas.

    Em Caldas, onde comecei, era um morro daqueles. Pra ir eu descia, era fácil. Mas pra voltar....

    Quando fui pra Pouso Alegre, a escola que a mamãe me colocou (ótima, pública, novinha) era tão longe que todo mundo ia de ônibus.
    Menos eu e dois colegas. A gente fazia quastão de ir a pé. Era longe. A gente passava por bairros "impróprios", atravessava pinguela, andava um pouco no mato. Tinha o caminho por ruas normais, mas era mais longe, então a gente ia "cortando caminho".
    Aí chegávamos. E depois de tudo isso, a gente fazia questão de jogar futebol, tudo antes de começar as aulas.
    Por mais frio que estivesse, a gente NUNCA ia de agasalho, porque a gente tava sempre suando muito.

    Escola é muito bom.
    E fico feliz de ver o quanto a Ana Olivia gosta!
    E os meninos? Gostam também?

    Legal!
    Um beijo,
    Paulo.

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  8. Eeeeee, dona Lu, só você para nos deliciar com suas artimanhas naturais de uma filos-gramatico-linguístico-social belíssimas.

    Até hoje me lembro do primeiro dia que entrei na escola -- foi só choro, lágrimas ao vento, querendo ir pra casa. Eu tinha sete anos. E, tb, me lembro do meu último dia na faculdade, depois da pós-graduação: mais lágrimas. Aqui, foram lágrimas de saudade de tudo por que passei.Da idade... não me lembro não...

    Quanto ao linguajar nosso de cada dia, tenho uma mãe, também, que me surpreende quando pronuncia os velhos ditados. Eu vivo lhe dizendo que farei um livro deles rs.

    Um grande abraço de um colega de trabalho. Adivinha quem é?

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  9. Oi Luciana, tudo bem?

    Finalmente consegui um tempinho para passar por aqui. Além de muito trabalho, agora estou usando todo o tempo livre para estudar. E estou gostando! Acho que também estava sentindo falta de exercitar o cérebro.

    Impressionante como esta nossa máquina funciona bem. Tudo o que a gente realmente já aprendeu um dia, volta com facilidade. A gente vai lendo os textos e descobrindo que somos velhos conhecidos.

    Patty, eu também tive uma experiência ruim no Notre Dame depois de adulta. Coloquei a Larissa para estudar um semestre lá. Além de o colégio não prestar mais, as freiras e as professoras nem se interessavam quando eu tentava contar alguma reminiscência. Fiquei triste... Acabei tirando a Larissa de lá, o que foi ótimo!

    Do passado até tenho boas lembranças, mas sempre com os amigos. Até hoje não consegui perdoar o colégio por frustrar nossa viagem tão esperada da 8ª série. Coisa feia né? Espírita tem a obrigação de não guardar mágoa, mas esta ficou encravada dentro de mim. Acho que é porque as marcas mais profundas da minha vida aconteceram todas nesta mesma época. Daí meu subconsciente deve ter associado tudo: separação dos pais, rompimento com a mãe, traição da escola etc. etc. etc. Talvez por isso eu não sinta saudade de ser criança. Da adolescência até sinto um pouco... Da fase Menudo, claro!

    Mas gosto da fase atual. Só queria poder parar o tempo... Não era nem para não envelhecer... Era só para poder ter a Larissa com 5/6 anos o tempo todo. Como não tem jeito vou curtindo ao máximo este tempo com ela.

    Amanhã é sábado e não vai haver estudo, casa, problemas... Amanhã é só Larissa! Adoro sábado!

    Beijos

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    1. Pois é Lara, que pena que tudo está tão mudado, né?
      Vivas, apena as nossas lembranças... então viva as nossas lembranças! rs
      Beijos
      Patty

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  10. Lu, O Zinho e o Pedro fizeram o "Dicionário Seu Ernani"! Tem um monte de palavras e expressões que o papai sempre usa e que eles acham super engraçadas...
    Uma pequena demonstração:
    Burecha: "fulano está achando que é o berecha", o cara que se acha o tal;
    Trapizunga: "arruma suas trapizungas", arrumar a bagunça, suas coisas;
    Boroca: oficialmente era a "marmita" que o peão levava pro mato, mas meu pai adaptou pra qualquer "frasqueira" que você carregue com os seus pertences;
    Zé telo: "O seu namorado é esse Zé Telo? (pronuncia Zé Télo)", um cara pequeno, magricelo, sem graça;
    Sungrilo: sinônimo de Zé telo.
    De trerrevés: "o barco saiu de trerrevés", escorregando de lado;
    De anconha:masi ou menos o mesmo que "de trerrevés";
    "Tirívi, Incrívi e Impossívi!": expressão usada como comentário de alguma história mirabolante.

    Enfim, estamos ainda completando o dicionário...
    Beijos,
    Ceci

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    1. Cecizinha Boom,

      muito bom o dicionário do Seu Ernani!! Adorei!!! Obrigada por contribuição tão delicada ao nosso tema. Lembrei de outras coisas da mamãe, que vão chegando assim, de mansinho, dos tais desvãos da memória:

      Esquentar a piolhenta: esquentar a cabeça
      Esbaforida: atabalhoada, atrapalhada, apressada
      Cherêrê: chuvinha fina que não passa, chororô
      Chuvaciriço: muita chuva
      Filhote de anú: pessoa muito branca, daquelas transparentes.

      Manoel de Barros ia gostar dessas trocas, né não?:)

      Abreijo fraterno e eterno,

      Lúgabirú.

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