Multitemática e internética*

Então a minha alma entrou no 41º ano de vida neste plano (inclinado muitas das vezes). Cá estou eu, apta a subir e descer as ladeiras da existência. Os anos ainda não pesam na “cacunda”, mas algo me diz - principalmente os 23 exames que a médica pediu - que estou mesmo na idade da razão.

Metade daquela lista eu nunca vi. Siglazinhas e bilirrubinas mil. Não é fofo? Bilirrubinas Total e Frações, Feritina, TGP (não confunda com GVT). Agora sou - de fato- uma jovem senhora que precisa se cuidar. Acabou o prazo para brincar de viver. Ou a gente vive ou se perde. A partir de hoje meu nome é pronto. E agradeço a prima Jôsy por essa revelação.

Se bem que nunca fui de adiar nada mesmo. E nem de me fazer de rogada. Na lista de arrependimentos terríveis, só o curso de Antropologia abandonado. No mais, pecadilhos e orgulhozinhos que já se desvaneceram. Porque eu posso ser irada, mas não sou rancorosa. Bênção.

Nesse ano, comemorei o aniversário duas vezes. Não tive medo de parecer gulosa aos olhos de Deus. Comprei um bolo e reparti com os amigos de Brasília. Ganhei outro e compartilhei com os primos em Inhumas/GO, terra dos meus ancestrais que ali formaram seus pastos e famílias numerosas. Muitos tios e primos que não cabem num abraço, nem nas visitas tímidas entre parentes que carregam semelhantes genes, porém bagagens distintas.

Foi a primeira vez que resolvi passar meu aniversário com os primos de primeiro grau de afeto. Escolha acertada. Revi irmãos da minha mãe dos quais não recordava mais o rosto. Gente humilde mesmo, da roça. Mãos calosas que apertaram meus dedos pequenos com a satisfação de receber esse povo fino da cidade grande.

“O que tem lá em Inhumas?” Perguntou uma amiga, surpresa com a minha escolha de Carnaval. A parentada apenas, respondi. Mas isso já é de grande valia. Entender nossa genealogia, nossas esquisitices, nossas sapiências. Eles estão tão longe, mas tão perto... Olho para todos e vejo mamãe: sua garra; sua espontaneidade; os olhinhos miúdos, claros e vivos; a sabedoria rural; a brancura da pele curtida pelo sol.

Vejo meu avô, a casa da fazenda. Vejo a bisavó Ambrosina na foto do retrato desgastado e raro e alcanço o rosto da minha irmã Marisa. O sangue é de fato algo poderoso e inexplicável. Todo mundo ali é parte de mim e eu sou parte daquele todo, fragmentado ao longo desses 41 anos de distância.

Ganhei pamonha frita em banha de porco. E de repente meu filho de sete anos era eu ali aos sete anos, correndo por aquele mesmo terreiro vermelho do tempo em que viver era muito longo. Cada panela de alumínio amassada contando uma história de festa de casamento. Cada lenha crepitando no fogo, acalento.

Tia Isabel cantou parabéns pra mim com voz de menina. As rugas se apagando a cada acorde. Tio "Cândio" (Cândido) fez jus ao seu nome e só lembrou das coisas boas de meu pai. Tia Catarina me deu pouso mais galinhada e os primos, cumplicidade e risadas.

E depois voltar dos grotões da memória e encarar o facebook com sua leviana alegria. Ter a certeza de que muita gente ainda vive fora desse mundo online e - mesmo assim - é conectada com o que o mundo tem de grande: fraternidade e honra.

Receber parabéns dos amigos virtuais e reais e me ver reconhecida - também - como parte desta tribo global. Ser definida como multitemática e internética* - para a menina que se forjou no interior de Goiás - é quase uma ovação! Irada, alegre, polêmica... Misericórdia! Que os anjos do céu me alumiem, amém!


* Salve, amigo Celso, pois essa elegia foi demais! Agradecida!

Comentários

  1. Ei,

    faz tempo que não lia seu blog. Que maravilha! Aquele texto do Spinoza então, que presente de Deus! É tudo o que penso e mais um pouco. E acredito que vai me ajudar a ensinar religião aos filhotes aqui...

    Então, vc faz yoga na quarta, né? Nosso encontro pode ser na terça que vem? Tem alguma sugestão de algum lugar legal pra ir? Podemos desbravar essa nossa Brasília descolada multicultura que tanto nos orgulhamos...

    Abraço,

    Marina.

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  2. Luzita, rever a família, ver de perto as origens é mesmo uma boa forma de se (re)conhecer. Lembro que senti algo parecido quando fui, depois de vários anos ausente, visitar meus parente no Sul. Voltei pacificada com algumas características "minhas" que não encarava bem. Afinal, é como vc disse lindamente: está nos gens. Me ocorre agora um livro maravilhoso que trata do mesmo assunto: "Baú de Ossos", do Pedro Nava. Acho que já falamos dele, inclusive. Perceber o quanto "nós" somos "outros" muda um bocado as coisas. bjo grande e obrigada por mais um belo texto

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  3. Me senti lá em Inhumas com você!
    Lindo texto, como sempre!

    Beijos,

    Rosângela.

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  4. Loo, gostei demais do seu typing de aniversário! Será uma sina ter dois bolos de aniversário aos 41?! Também tive. Bem, por opção própria, mas curioso, isso. E gostei da sua autodefinição (parcial, claro, como toda definição de seres humanos, ou de qualquer coisa viva): irada, mas não rancorosa. Interessante.
    Feliz Aniversário de novo!!! Beijão,
    Má.

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  5. É... Realmente seu aniversário foi mais que um conto de fadas. Voltar às raizes, infância única ... Nos dias de hoje, não é pra quem pode é pra quem querrrrrrrrrrrrrr! Parabéns por se dar esta bela oportunidade.

    Abraço,
    Balbina.

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