Segredismo


para a mana Nena que, generosa como sempre, ofertou-me  seu  Segredo.

Cavalguei um segredo no domingo. Olhando para ele não parecia tão misterioso ou indecifrável. Por isso não tive medo. Subi num impulso só, me acomodei em seu lombo e pronto. Estava domado. Puxei a rédea de sua liberdade com determinação. Não se pode deixar segredo correr sem direção. Segredo é segredo e sempre pede constrição, comedimento. Se assim não fosse, era caso de livro aberto e não algo que se esconde.

O sol estava majestoso lá em cima. Derramava amarelo que verdejava profundamente a pastagem e a plantação de eucaliptos. Queria me afastar o mais longe possível de qualquer sinal de humanidade para compartilhar aquele segredo só comigo. Um segredo de mim para mim. Corri. Galopei. Em poucos segundos, o chapéu voou. Não teve coragem de viver aquela intimidade. Vermelho esquecido no marrom da estrada.

Segui partilhando meu segredo morro acima. A subida num fôlego só, profundo, bufante. Aos poucos eu não sabia mais onde começava o segredo e terminava a minha pulsação. Monobloco de artérias e suor. Segredo se revelava para mim uma espécie orgulhosa, cheia de personalidade, quase selvagem. Mas não é característica de todo sigilo essa volúpia?

Não é à toa que coça a língua, formiga o corpo, dá tremeliques. Guardar segredo é tarefa hercúlea. Porque ele quer se soltar no vento, no pasto, na ribanceira. Segredo quer ser livre de qualquer cabresto. Quer ser ele mesmo, não outro. Não mais um. Não dois. Segredo que viver sua vida sem dar satisfação e reverência a ninguém. Muito menos aos que não sabem como cavalgá-lo com altivez.

Então me pus ereta, confiante. Gritei: vamos! E chegamos ao topo do mundo. Pelo menos daquele mundo. Éramos nós dois e a paisagem lá embaixo. Nossos corações batiam no mesmo ritmo intenso e confidente. Já nos entendíamos sem palavras ou gestos bruscos. O oculto clareou e imperceptivelmente me tornei um centauro. Quimera. Segredo abriu seus flancos e me absorveu. Fagocitose. Impossível não sorrir como quem conquistava um império.


Comentários

  1. Que belo texto Lu...me senti,como já muitas vezes me senti, quando me confidenciaram algo e que me foi pedido sigilo, segredo, uma inquietação e até mesmo uma angústia,a vontade de soltar , soprar aos sete ventos o que me foi revelado,ou o que de mim foi revelado.Você expressou esse estado e foi além, transcendeu vencendo toda a inquietude, galopando, respirando, vencendo as tentações e no final, incorporando o segredo, você se tornou ele, mais nenhuma necessidade de compartilhar, abrir o verbo, só senti-lo...respirá-lo...você e ele.Ah! muito bOOOMMM!Namastê!
    Cynthia

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  2. Lú,

    Muito lindo e intenso. Sensação de liberdade e poder. O poder de ser, de vibrar corpo e alma. Lembrei-me de minha infância, literalmente livre na fazenda Salta-Pau, onde eu realmente vivia com igual intensidade esta relação visceral com meu cavalo Ben te Vi e com toda aquela imensa e bela natureza que alí existia. Era bicho do mato e feliz. Não precisava de nada mais que liberdade, luz, água, terra, vento, contato, contemplação. Passava dias a fío, assim.... E poderia viver cem anos dessa forma, locupleta...

    Beijos.

    Em tempo: descubro mais e mais, agora, com imenso prazer e em muito boa hora, esta irmã pela qual sempre tive especial carinho e admiração tácita. Razões da alma, que cada vez se mostra porquê. Nada é por acaso ou em vão...

    Nena.

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  3. Olá Nena,olá superteacher Cynthia,

    eu também gostei muito desse texto. De vez em quando a gente acerta. É assim: centenas de textos banais e um que vale realmente a pena ser publicado.

    Te amos as duas,

    Lulupisces.

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  4. Luciana, adorei seu blog... Tenho que aprender como fazer um...

    Sua familia é linda... Uma bênção!!

    Bjs, Biva.

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