Lepdópteras






Sei que você não vai acreditar, primo. Você é um cético. Te conheço. Você tem certeza que herdei o traço das irmãs Militão para imaginar além da conta. Para exagerar o concreto com a fertilidade uterina e de pensamento que carregamos nos genes. 

Mas aconteceu. Acordei às 4h45 depois de um profundo sonho com a Tatiana (ex ou ainda atual namorida do meu sobrinho Rodrigo). O que ela fazia me apresentando sua nova casa aos moldes de Gaudi, foge ao meu entendimento. Tenho tido passeios oníricos muito estranhos com pessoas distantes da minha rotina nos últimos dias. Coincidiram com a leitura do livro de Haruki Murakami. 

Um livro chamado Sono que fala sobre uma mulher que não dorme. Surreal é o conto do autor japonês, ilustrado magistralmente por uma alemã. Coincidência também seria o fato de ter recebido um convite para uma festa de aniversário na Alemanha na semana passada? De uma amiga germânica que há muito não dava sinais de que ainda me conhecia? 

Só sei que tem sido assim, primo. E hoje, na madrugada que se despedia, resolvi me despedir da história. Terminei o livro que você me deu, cuja contracapa é estampada de mariposas. Outros Insetos estão presentes ao longo dos desenhos. Há peixes e águas-vivas também. Mas as mariposas com tudo o que significam (sei lá o que significam na cultura japonesa. No Brasil, alguns acham que é mau agouro, assim como o pio de corujas), ganharam mais destaque na edição. 

Acabo de pesquisar, primo: as borboletas/mariposas simbolizam as almas dos vivos ou dos mortos, dependendo da lenda que se quer contar. Então é isso. O livro é puro sonho-pesadelo, ou seja, alma. Fechei a capa dura, alisei os relevos e fiquei ali, estupefata com aquele final abrupto, sem eira nem beira como sói ser os enigmas orientais para nós, ocidentais. Tomás detestaria esse livro! Ele não se sente confortável com narrativas inacabadas, as reticências o apavoram. 

Levantei e fui ao banheiro. Fechei a porta, gesto que quase não faço, mas ainda eram 5h30 da manhã, não queria acordar os meninos. Sentada ao vaso, esvazio a bexiga e, ao olhar ao meu redor, eis que lá está uma mariposa branca assentada na cerâmica bege e fria da parede atrás da porta. Não era possível, primo! Uma mariposa!!! Talvez tudo não passasse de um transe como a personagem descrevera numa das páginas. 

Saí do banheiro em movimentos lentos, não queria espantá-la, primo. A ideia era pegar o celular e tirar uma foto-testemunha da conexão telúrica que acabara de se dar. Mas a tendência humana de repetir sempre os mesmos hábitos impensados me fez apertar o botão da descarga. Voltei com o IPhone, porém a mariposa já não estava lá. Procurei pelas superfícies das toalhas, dos potes de creme, do blindex, do espelho que está rachado há tempos. Cacei inclusive pelo chão, nos cantinhos. Quem sabe era uma mariposa com personalidade de barata (Cruuuzes!). 

Sumiu. Deve ter sido o barulho intenso do turbilhão aquático da válvula dualflex. Não havia mais como lhe provar que não estou mentindo, primo! Sobrou apenas o etéreo, o mistério e o texto que agora voa até você.


P.S: ligo o rádio vindo para o trabalho e toca uma música instrumental japonesa. Juro espantada!

Comentários

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  2. Que texto Lu...no mínimo intrigante 😱😱😱 deu frio na barriga!

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  4. Opa, Lu! Quero conhecer essa casa também! KKKK!

    Tatiana

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  5. KKK! Muito bom, Lu! Um excelente dia!

    Tácita

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  6. Eita, essa noite sonhei que a vovó tinha morrido. Acordava e voltava a sonhar. Foi horrível!
    Como uma boa Militão diria: Cruuuuuzes!

    Djelaine

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  7. Esta semana está muito intensa de sonhos cheios de maluquices que pertencem ao imaginário (ou não)! :)

    Márcia Romão

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  8. Suas letras são tão reais!

    Simone

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  9. Mais um texto maravilhoso! Adorei!

    Gabriella Santana

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  10. De que outras e tantas provas você ainda precisa para admitir que descende de uma longa linhagem de bruxas?

    Valdeir Jr.

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  11. Lu, acho que aqui cabe muuuito aquela frase prá lá de conhecida: "No creo em brujas, pero que las hay, las hay"...
    Adorei o texto. Fez com que me lembrasse de alguns sonhos bem eloquentes (pra dizer pouco) que tive nos últimos tempos.
    Bj!

    Francis

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