Expandindo o Diafragma






Agora que venho me expressando, além das letras, por imagens, reunindo as duas, gostando da brincadeira que está evoluindo nos dois sentidos, me atento para o quanto a fotografia é intuitiva.

O mestre Cartier-Bresson fala de “momento decisivo ou instante decisivo”. Para quem fotografa na rua, faz todo sentido: “Há uma fração de segundo criativa quando você está fazendo uma foto. Seu olho deve enxergar uma composição ou uma expressão que a própria vida oferece a você, e você deve saber através da intuição, quando clicar. Esse é o momento em que o fotógrafo é criativo”.

Cada vez que reconheço algo como fotografável; que percebo o valor estético daquele átimo de cena, estou tomando uma decisão também em frações de segundo. Um passo à frente e você já perdeu a luz, o ângulo, um rosto, a asa do pássaro, aquele galho movido pelo vento. Para se eternizar o instante decisivo você também precisa correr o risco de ser instantânea. Não há tempo hábil para recalcular, ou refletir. É apertar o botão ou perder a ocasião.

Quando a gente escreve, aliás, quando eu escrevo, também sou muito intuitiva. Deixo o jorro de palavras sair em tromba d’água. Todavia, há sempre a releitura. A revisão. Os rearranjos possíveis, o corte, a edição. A imagem da rua não lhe oferta tantas opções. É pegar ou largar. Depois pode até rolar um photoshop ou reenquadramento, mas o essencial daquele momento precisa estar no centro da foto. Não dá para reagrupar tudo em outra composição. Já passou. Foi, não volta mais mesmo!

É apavorante essa fragilidade. O fugaz, o inconstante e o imponderável da foto de rua. Mas também é sublime. Num estúdio tudo é diferente. Você monta a cena, dirige, escolhe a luz, a pose, a cenografia, enfim. O fotógrafo decide com base em seus conhecimentos técnicos, na sua experiência. Na rua, o fotógrafo conta quase sempre com o seu sentimento a guiar a atitude a ser tomada – literalmente – num piscar de olhos.

Hoje vi uma foto quando caminhava no percurso de ida. Não quis estancar o ritmo dos passos e pensei que, no retorno pelo mesmo lugar, os elementos todos ainda estariam ali. Afinal, era uma fotografia de paisagem, natureza-morta (sempre tão viva). Quando retornei, não encontrei mais o ângulo que tinha visto na ida. Não era mais a mesma foto, ainda que estivesse no mesmo lugar.

Mas será que, de fato, estava? Não seria um passo a mais, um passo a menos? Ainda tentei encontrar o que havia me atraído da primeira vez, mas não aconteceu. Apertei o botão, mas o resultado não foi intenso como teria sido se tivesse parado naquele instante decisivo para registrar.

Fazer as tais fotos bonitas à mercê dos elementos naturais realmente exige do fotógrafo um certo desprendimento, total despojamento em relação aos resultados. Sistemática não há. E talvez seja o que mais me agrada: essa sinceridade, essa liberdade. A não-precisão entre fotometria e velocidade. Resumindo, estou fotografando sem ansiedade, sem querer prever ou controlar as coisas. A vida flui com seus imprevistos, a fotografia também.

Admito que planejar é fundamental. Precisamos de nossas fotos de estúdio para que a vida não se perca no caos. Mas são a abertura sem limites do diafragma (inspire, expire e clique) e  o entregar-se às fotos decisivas que ressignificam nosso olhar existencial, fazendo a caminhada valer a pena. 

Bresson, meu velho, como lhe entendo cada dia mais! Obrigada!



Comentários

  1. Amei o texto,e as fotos... aliás gosto do seu olhar de fotógrafa ...e fica muito bom quando as duas se encontram, a escritora e a fotografia...bjus🌷

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  2. me identifiquei muito com o texto. e o lendo, embora você tenha citado o Besson, me lembrei de Heráclito: é impossivel entrar no mesmo rio duas vezes. sempre que estou na rua, até mesmo dentro de casa, vejo as fotografias prontas para registra-las. são muitas e sempre acontece comigo. uma vez, morando em Londres, achei que fosse enlouquecer, porque via muito as tais "fotos prontas". era só clicar de onde estava. muito louco, não é?! pois aproveite. penso que é um momento de abertura.

    Re Osório

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  3. Loo, eu não consigo dar conta da sua rapidez de escriba ��������... Vá mais devagar, para eu poder desfrutar desses escritos!

    Ana Cristina de Aguiar

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  4. A vida flui...a fotografia também. Disse tudo! Um belo casamento!

    Socorro Melo

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  5. E sua sensibilidade fotográfica esta cada vez mais apurada. Tem que ter técnica e dom. Fotografia não é para amador!

    Ângela Sollberger

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  6. Beleza pura!

    Severino Silva

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