Incompletude





Sensação paralisante de estar esquecendo algo ou alguém importante. Como a tia mais amada que não está em nenhuma das fotos do álbum de casamento. Há coisas que não podem ser reparadas ou rebobinadas e o sentimento de irreversibilidade acua, amedronta. 

Partir para o desconhecido nos coloca nesse momento-limite da divisão entre o antes e o depois. Nada, nada mesmo será como outrora. E por isso o outrora parece tão aconchegante, ainda que não seja. E o futuro parece tão apavorante, ainda que tenha tudo para não ser. 

A dor no peito é quase real. As células do músculo cardíaco morrendo no sufoco da angústia. A decisão revolucionária de fechar a porta do lar e morar fora do país encontra paralelo com a gravidez (outro ato de extrema insanidade, sem chance de recuperação). 

Todo mundo tem uma palavra amiga para dizer nessas horas. Todo mundo diz “tudo vai dar certo”, “vai ser ótimo”, “incrível”, “muito bom para vocês”, “queria estar no seu lugar”. “sua vida vai mudar para melhor”; “posso ajudar em alguma coisa?” 

Pouco adianta a boa intenção dos chegados. O salto no vazio que todo desafio impõe é uma condição solitária. Só quem engravida sabe. Só quem se joga sente. Ninguém pode aliviar os temores internos que uma mudança drástica faz com a gente. É um processo individual de implosão de pilares a ser reerguidos em outras bases. Absolutamente nenhuma palavra de conforto ou incentivo abafa o zumbido no ouvido; o oco da batida interna repetindo será? Será? Será? Ou sua variante: e se... e se... e se... 

Todavia, dizem por aí que o “e se...” é o pai da literatura. A semente dos grandes romances. Então que nos apeguemos à possibilidade otimista de que se lançar ao desconhecido não passe de um monstro debaixo da cama: horrendo no escuro da noite; inexistente à luz da manhã. 

Que todos os tropeços típicos do iniciar um novo way of life se transformem nas hilariantes piadas a ser contadas na volta para casa. Que as carências sejam trabalhadas em poemas de monta. Que as solidões e saudades da boa mesa se revertam em quilos a menos muito bem-vindos. Que as lágrimas limpem o cristalino para os mais inspirados registros. 

Por fim, mas não menos importante: que o Divino faça o milagre da completude nos dias de precisão.



Comentários

  1. Oh, dear....é assim mesmo...me vi em suas palavras... Adorei o texto!!! Bjs.

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  2. Esqueci de me identificar...kkkk
    Sinara

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  3. A vida é feita de big bangs- a cada explosão uma junção de partículas para formar o novo. É duro, sofrido, angustiante. Mas fico no clichê dos chegados: não vejo ninguém mais apto que você pra enfrentar esse big bang.Transformar a poeira cósmica da angústia em cor é sua cara. Aguardamos os relatos do mundo novo. Sorte, fé e bem.

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  4. sorte você já tem. Então, boa estadia, a adaptação será rápida e a volta mais rápida ainda... Portanto,já estou te desejando feliz retorno à pátria desordenada!

    Severino

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  5. Ei Lu, vc vem pra festa rock aqui em casa?
    Quero te ver, te desejar o máximo de aproveitamento dessa experiência e brindar contigo!

    Te espero!

    Marina Marinho

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  6. Querida Luciana, tan solo para decirte que todo esta a tu favor, y saldrá muy bien.

    Mary Mansilla

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  7. Deus teve um encontro com Abrão (pai) que depois tornou-se Abrãao (pai de muitos) e propôs a ele que saísse de sua terra, da sua parentela e da casa de seus pais para uma terra que se lhe seria mostrada, e Abrão saiu (pela fé)para um lugar que ele não conhecia, mas foi. Talvez essa comparação seja estapafúrdia, porém, considere levantar as tendas e sair com as trouxas,como uma jornada para além do que é visível, porque o que se vê é temporal e o que se não vê é eterno. Estou orando por você. Deus é o lugar do descanso.

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  8. i Luciana, tudo bem? Já te falei certa vez, que adoro ler seus textos. Às vezes com um pouquinho de atraso, é verdade, já que não me ligo em e-mail diário. E justamente agora vejo que você postou Incompletude. Mudando de país? Não gostaria que você fosse embora sem antes encontrarmos. Aliás, já prometemos isso uma vez e não cumprimos. Enfim, vamos marcar. Nem que seja para um cafezinho. Bj����

    Tânia Benn

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