Suspiros





“E aí, ela cisma de voltar...” A falta de inspiração, sempre ela, ameaça, ora velada, ora explícita. Terror do escritor profissional que tem prazo para entregar seu material para a editora. Chateação do escritor amador que se vê na obrigação de escrever porque, sei lá, é vício. 

Afinal, ninguém está me pedindo ou cobrando nada. O eco do que eu escrevo no blog é ínfimo, mas me sinto responsável por aquilo que eu cativei, ou seja, meus poucos fiéis leitores e o compromisso comigo mesma de me desafiar a cada postagem. De viver o prazer disso. 

Nessas últimas semanas, fui rodeada pelas perdas. Grandes amigas de longa data perderam avó, mãe e tia. A vida tão frágil e imprevista. De certa forma, essas perdas se conectam comigo porque conheci essas mulheres queridas que se foram. Antigamente, achava que só eu tinha o “o azar” de me despedir dos seres estimados antes da hora (A verdade é que não tem esse papo de momento certo para a morte. Quem ama quer sempre atrasar o relógio desse encontro marcado). 

De uns tempos para cá, pude sair do meu umbiguinho dramático e constatar que as perdas não são fenômenos de pessoas azaradas, porém o mais natural dos acontecimentos, sendo que, para alguns, ocorrem desde tenra idade e, para outros, mais tarde e, nem por isso, a situação é menos dolorosa. 

Minha madrinha morreu aos 95 anos e enterrou quase todos os irmãos. Perdeu sobrinhos e amigos, pois quem vive pra semente conhece as dores e delícias dessa bênção. Às vezes, ela reclamava: “Acho que estou vivendo muito. Não vai sobrar ninguém para ir ao meu enterro”. A mãe da minha amiga é caçula, se despediu da irmã mais velha, mas se sente desolada. A filha, espirituosa, brincou: “Mas, mamãe, sendo a caçula, você queria viver menos que as suas irmãs mais velhas?” 

Resumindo: em matéria de pontualidade, a morte está sempre adiantada pacas. E excesso de precisão, nem inglês aguenta! Ou é tão preguiçosa que se atrasa décadas e a pessoa, na visão de uns, sortuda, todavia do ponto de vista dela mesma nem tanto, se exaspera. Que nada! Minha madrinha fazia era charminho. No minuto posterior à reclamação de seus anos extras, mudava de ideia e dizia: “Gostaria de viver até a Copa de 2014 no Brasil”. 

Só posso dizer que legal mesmo nesses momentos de luto (porque a morte também cisma de voltar) é o conforto dos amigos, o bom papo, o compartilhamento no FB e seus tantos abraços virtuais. Um café na cozinha com suspirinho doce puxento ou, ainda, um bombom sonho-de-valsa no velório. Tudo é humano gesto, tudo é doçura, tudo mostra aos que ficaram, aos que se despedem em sua solidão, que você está ali, pronta para dividir risos, choros ou textos sem nenhuma inspiração. 


Comentários

  1. Obrigada pelo seu carinho. Gestos como o seu ficaram marcados...

    Bjo grande,

    Clarice.

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  2. Ai, ai, já digitei esse comentário duas vezes, mas não vai! Depois te falo pessoalmente. Leio vc sempre. Beijo, Mô

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  3. Só pra contrariar, agora foi... kkkkk

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